3 de agosto de 2023

As Novas Gerações de Artistas e o Conhecimento Musical

A literatura espírita diz que o ser humano não tem ideia do quanto a música é, pra nós, um remédio de suma importância. Nem é preciso provar sobre isso porque basta colocar um disco, um artista, uma música que você goste pra sentir o que ela faz com você. Música é como olfato que nos remete a pessoas, situações e lugares.

Tem música que eu não ponho quando estou concentrado em outras coisas, porque me faz perder a concentração, paro pra cantar, ouvir e batucar. A música que faz isso comigo pode ser da década de 1960, 70, 80, 90 ou mesmo atual – Alabama Shakes é um bom exemplo. Tem discos do Cure, Durutti Column, Stranglers, Clash, Police e outros que escuto e me levam pra vários lugares e situações. Muita coisa de soft rock e soul music também mexem com lembranças e emoções, e eram músicas que eu escutava com meus pais, quando eu ainda era pequeno, no início dos 70. Graças a tecnologia, do Napster pra cá, pude encontrar muita coisa que eu escutava, mas que estava em fitas cassetes e sem informação. Bendito Spotify!

A música brasileira é também outra fonte riquíssima de influências e lembranças. Em 1978 assisti, no Guarujá, ao show do disco Realce do Gilberto Gil. Eu tinha 8 anos e lembro como se fosse ontem. Não à toa adoro a trilogia Refazenda, Refavela e Realce. As primeiras vezes que vi o pessoal da Turma da Colina no Food’s, apesar de não entender nada da música, me marcou, e hoje quando escuto as gravações e demos daquela época, entro em uma máquina do tempo que mistura imagens e sentimentos. 

Isso acontece com todo mundo, dentro de cada contexto pessoal.

A força da música foi tamanha na minha vida que, aos 12 anos, eu já queria formar um grupo. Assim foi praticamente com todo mundo que se enveredou para a música. Você pega de exemplo, sei lá, o George Harrison que aos 15 anos começou a tocar com John Lennon e Paul McCartney. Tem as histórias das dificuldades de grandes estrelas da soul music que também iniciaram jovens, em igrejas e todo o enorme preconceito daquela época. Michael Jackson começou quase que ainda usando fraldas!

Até certo momento, fazer música era puro amor. Isso mudou, principalmente, a partir da década de 1960, quando as gravadoras aprenderam a lidar com o rock e todas as quebras de paradigmas que a beatlemania trouxe.

Comprar discos e fitas cassetes não era fácil porque eram itens caros. Muita gente reaproveitava fitas, roubava dos pais, dos amigos e fazia o que era possível para ter as músicas e os discos preferidos. As revistas eram poucas; as imagens raras; as notícias eram curtas, incompletas e atrasadas, mas nós amávamos e fazíamos de tudo pra também ter o máximo de informações possíveis. Gostar de música e ter artistas preferidos não era nada fácil!

Contei tudo isso porque, naquela época, ao formar um grupo, você levava pra ele todo este contexto, e não só a influência da música que você ouvia. Por isso, naturalmente, havia muito amor no que era feito. Se nos anos 1970 as pessoas fossem pensar em dinheiro ao formar um grupo, então não haveria a rica história que temos dessa década: Som Nosso de Cada Dia, Clube da Esquina, Secos e Molhados, Os Mutantes, Módulo 1000, Vímana, Som Imaginário, Bixo da Seda, Veludo, Peso, Joelho de Porco e tantos outros que lutaram bravamente pra manter uma carreira e tentar um espaço.

Mesmo na jovem guarda, nem todo mundo conseguiu ganhar dinheiro. Na verdade, nem os que eram mais conhecidos tinham segurança financeira. Cachês e direitos autorais, tudo isso era bem diferente nos anos 1960.

Aí sim nos anos 1980 o rock chegou ao mainstream, muita gravadora ganhou dinheiro e os artistas inteligentes souberam aproveitar o momento e juntar uma grana. Houve o boom do rock, mas nem todo mundo se deu bem. Se você contar tudo o que foi lançado entre 1982 e 1989, verá que foram poucos que se deram bem. Se eu for citá-los aqui - e todo mundo sabe quem são - serão, no máximo, uns 10 ou 12 nomes. Mesmo pra esses nomes que se deram bem nessa década, não havia segurança financeira. 

A mesma coisa aconteceu na década de 1990, a última a trazer uma cena rock que alcançou o mainstream. Entre 1993 e 1995 uma nova geração surgiu e ainda teve a força da MTV para ajudar na divulgação.

Tudo isso eu já detalhei em diversos textos publicados no Sete Doses, mas repito aqui bem por cima porque a intenção deste texto é mostrar a semelhança entre essas décadas quando você pega apenas os artistas que se deram bem ou os mais lembrados de suas gerações. 

Roberto e Erasmo Carlos estouraram no miolo década de 60, mas já estavam na ativa na época da Turma do Matoso, na segunda metade dos anos 1950. Muitos dos grandes nomes do rock dos 70, mesmo que não tenha chegado ao mainstream, já ralavam no fim da década de 60, já pensando em algo além da Jovem Guarda. O Liverpool virou Bixo da Seda e o próprio Mutantes se reinventou. Tem toda uma geração da região Nordeste, o Festival de Música Experimental, o Paêbiru e Ave Sangria, a história do Raul Seixas que também começa na Jovem Guarda.

Em todas essas gerações há músicos que se tornaram produtores, executivos e donos de selos; os que montaram seus estúdios para gravações profissionais; os que criaram produtoras de jingles e trilhas; empresas de montagem de palco, etc.

Os primeiros grupos que estouraram nos anos 80, muitos dos músicos que estavam neles já tocavam no final dos anos 70 já com influência do punk rock, ska, pós-punk. A mesma coisa aconteceu na década de 1990: todo mundo que tocava no Skank, O Rappa, Planet Hemp, Raimundos, Pato Fú já estava na ativa nos anos 80.

Ou seja: todo mundo que se deu bem, independente da geração, ralou anos até conseguir destaque.

Toda essa galera tinha as dificuldades que descrevi no início do texto e ninguém imaginava ser rockstar. Independente da geração, todo mundo que decide fazer um som tem o sonho de se tornar conhecido, mas pra essas gerações passadas, esse sonho era muito mais distante. Mas mesmo assim, gravando discos e fazendo shows pelo país, muitos músicos fizeram questão de terminar a faculdade e continuaram a trabalhar até o momento em que realmente se profissionalizaram com agenda de shows, gravações e outros compromissos que impediam ter outro emprego. No Brasil, a gente nunca sabe o que vai acontecer conosco quando optamos por uma vida na arte, não é mesmo!?

Daí a gente chega nas gerações pós-1990 e fica um vazio tremendo. A partir desse momento você passa a ter apenas casos isolados, e não mais uma cena ou um movimento. Também nada mais de inovações e nada mais de mudar o mundo com a música.

Essas novas gerações que cresceram com a internet não tiveram a dificuldade que as outras gerações tiveram, portanto, não valorizam a música feita no passado como valorizávamos (e ainda valorizamos). O sucesso comercial dos anos 80 e 90 fez muito artista surgir apenas com o desejo de aparecer na mídia e hoje, com as redes sociais, o que vejo é a mesma coisa.

Você percebe que são gerações donas de composições rasas, sem contexto, sem paixão, sem razão. Estamos em 2023 e nada de novo nessas duas décadas marcou a história com grandes canções e grandes discos. Isso não é uma opinião minha, é um fato.

Gostar e fazer música está ligado à importância que você dá para a história dela. Conheci muita gente que tocava bateria, guitarra ou baixo, mas que não escutava música, tinha poucos discos e não se importava com os outros grupos que estavam ao seu redor. Essas pessoas sumiram. Olha quanta gente que gravou disco nos 80 e 90 e que não aconteceu nada.

Tem que ter paixão e conhecimento e isso não existe mais. Em tempos tecnológicos, qualquer pessoa pode fazer música. Hoje você grava um disco no smartphone dentro do seu quarto. O que ouço da geração atual dói os ouvidos por causa do texto, da rima, da melodia, da harmonia e da nítida falta de conhecimento.

A maior loucura disso tudo é que, volta e meia, vejo gente das novas ou mais recentes gerações reclamando e, pior, tentando filosofar sobre o motivo de o rock, o pop, a nova MPB ou seja lá o que for não ter espaço na mídia. Claro que não tem espaço! Claro que não há interesse de ninguém em uma geração que nada traz de novo e ainda se diz comunista. É muita ignorância junta (verbo ignorar: não saber, não conhecer).

Antes, fazer música era bastante difícil. Havia muitas barreiras a começar pela família, dinheiro pra comprar instrumentos, etc. Hoje, com toda a facilidade que se tem pra fazer música e tendo à mão todas as influencias possíveis, se faz uma música ruim e sem tempero. Mas isso é resultado exatamente da facilidade e, de novo: uma absurda falta de conhecimento musical.

Quem faz música hoje precisa saber que está competindo com artistas do calibre de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Legião Urbana, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Cássia Eller, Elis Regina, Gal Costa, João Gilberto, Ney Matogrosso, Titãs, Paralamas do Sucesso, Skank, Raimundos, Milton Nascimento. Se você não fizer algo que tenha, no mínimo, o mesmo padrão de qualidade na composição, então esquece! Não adianta reclamar que a mídia não dá bola, da falta de espaço pra tocar, da falta de atenção, etc. 

Antes de gravar e lançar um disco pare pra pensar se vale a pena gastar tempo e dinheiro com isso. Analise tudo antes de tomar essa decisão. Até mesmo os poucos artistas novos que têm certa relevância não recebem a devida atenção da mídia e do público. Pego como exemplo a maravilhosa Tulipa Ruiz que lançou ótimos trabalhos, mas que nunca recebeu o merecido valor pela sua excelente obra. Esse tipo de coisa vai acontecer cada vez mais.

O que você está compondo, que vai lançar e que me fará dividir a atenção com a boa e velha Soul Music de Aretha Franklin, Temptations, Curtis Mayfield e Stevie Wonder? O que você vai lançar que vai me fazer dividir a atenção com Jackson do Pandeiro, Secos e Molhados, Tim Maia, Chico Buarque e Clube da Esquina?

Isso é difícil demais! Um incomensurável desafio! Primeiramente é preciso conhecer todos esses artistas brasileiros muito bem, assim como os artistas internacionais. Depois disso, encontrar um estilo próprio (o que hoje em dia é quase impossível), daí começar a experimentar composições, estruturas, refrões, riffs, letras, diferentes afinações e tudo o que pode soar como novo. É preciso tratar a música com mais carinho e mais profundidade.

Ter paixão é tudo! Ter conhecimento é tudo! E é isso que falta pra quem faz música no Brasil desde a entrada do século XXI.

PS: Você que é da nova geração, que nasceu a partir da década de 1990, sabe dizer quem são os artistas que ilustram esta publicação?

18 de julho de 2023

Série O Resgate da Memória: 55 - Cláudio César Dias Baptista (Som Três, 1986)

Até a abertura econômica que aconteceu no (corrupto) Governo Collor, o Brasil tinha que se contentar com os péssimos produtos nacionais.

Em relação ao universo da indústria fonográfica, o brasileiro sofria horrores não só com instrumentos sofríveis, mas também com os acessórios e equipamentos: mesa de som, amplificadores, equalizadores, pedais, microfones, cabos, plugs... Não à toa a qualidade de gravação de muitos discos das décadas de 1970 e 1980 são sofríveis.

Cláudio César é o irmão mais velho dos irmãos Dias Baptista – Sérgio e Arnaldo – e também graças a ele que Os Mutantes manteve qualidade sonora de nível internacional.

Em uma época que era praticamente impossível importar instrumentos e equipamentos, Cláudio deu aos artistas dos 1960 e 70 uma qualidade inimaginável para àquele período.

Aqui – como homenagem a este pioneiro dos equipamentos artesanais – transcrevo uma reportagem publicada na saudosa revista Som Três de agosto de 1986:

 


 

INSTRUMENTOS

A Fábrica do Eu-Sozinho

A CCDB significa Cláudio César Dias Baptista. Sozinho ele pesquisa, idealiza, projeta, desenvolve, monta e vende uma enorme quantidade de equipamentos, desde amplificadores até câmaras de reverberação e vocoders.

Mesas de sonorização e gravação de 12, 16 ou 24 canais, amplificadores de potência monofônicos e amplificadores turbo-compressor para instrumentos musicais e vozes, câmaras de reverberação, vocoders, pedais, captadores para violões e outros instrumentos acústicos e mais de uma centena de equipamentos de áudio, com uma sofisticada tecnologia, totalmente idealizada e desenvolvida no Brasil. Aí estão os produtos CCDB, famosos entre muitos músicos brasileiros.

A marca é, na verdade, as iniciais de Cláudio César Dias Baptista, um “artesão eletrônico” que há mais de 20 anos vem desenvolvendo um trabalho pioneiro no setor de áudio. Com preços bem inferiores aos dos produtos importados do gênero, eles só são feitos por encomenda. Cláudio, que trabalha como autônomo, oferece uma garantia de 5 anos e completa assistência técnica. Com mais de 600 clientes cadastrados, ele, no entanto, diz que não tem tido problemas com seus aparelhos, utilizados por grupos e artistas como Herva Doce, Sérgio “Mutantes” Dias Baptista, Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, A Cor do Som, Blitz...

Autodidata em eletrônica e áudio, Cláudio César desde a infância mostrou habilidade para o trabalho manual, construindo telescópios óticos e fazendo aeromodelismo. Através dos pais – César Dias Baptista já falecido, foi cantor lírico e Clarisse Leite é pianista clássica – ele herdou a paixão pela música e no início dos anos 60, insatisfeito com as guitarras nacionais, começou a fabricar seus primeiros instrumentos. Logo ele já dominava a arte e a partir de 1965 passou a vender suas guitarras. Cada uma era um protótipo, sendo aperfeiçoada a cada nova encomenda, já que Cláudio não se propunha a fabricar nada em série. O seu trabalho seria conhecido através do grupo de seus irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista, mais Rita Lee, nada mesnos do que os lendários Mutantes. A guitarra “de ouro”, semi-acústica, que Sérgio Dias usou durante muitos anos, por exemplo, é um dos frutos do trabalho de Cláudio e, segundo ele, já foi considerada por músicos do mundo todo como uma das melhores guitarras do gênero.

 Tudo Sozinho

De 1965 a 1972, Cláudio fabricou cerca de 200 guitarras sólidas e mais umas 30 acústicas. Ele esteve a ponto de exportar seus instrumentos, mas a tentativa de industrialização não chegou a se concretizar devido, entre outras coisas, a um acidente com seu sócio na época. Formado em administração de empresas, na EAESP-FGV, Cláudio César acabou chegando à conclusão de que, para seus propósitos e seu tipo de personalidade, a melhor forma de atuação seria como autônomo. Daí trabalhar apenas com encomendas, sem intermediários ou lojas, como um sofisticado artesão e inventor eletrônico. Tudo passa por sua mão e além de idealizar, pesquisar, projetar, desenvolver e montar seus aparelhos, Cláudio também redige e imprime os folhetos explicativos que acompanham suas crias. Ele assegura que tudo que produz se equipara, ou é melhor, aos similares importados.

Para se ter uma ideia do trabalho deste “mago da tecnologia de áudio”, aí vai um trecho do prospecto “O Uso das Mesas CCDB”: “Até astronaves podem apresentar defeitos. A melhor cura para um defeito é preveni-lo e uma das formas de fazermos isto é conhecermos as possibilidades de defeitos e nos prepararmos para resolvê-los correta e eficientemente. Os circuitos integrados CCDB são importados (...) O resto do material é o melhor nacional (...) Uma prova de qualidade é o histórico de assistência técnica das mesas CCDB. Até a data da redação deste prospecto, de 48 mesas Flightmix já em operação, nenhuma teve assistência técnica.”

30 de maio de 2023

O Último dos Moicanos

Em 2001, quando fui editor de música do finado site tantofaz.net eu tinha, fora da música, uma capa livre por semana. Era mania minha publicar textos de ficção, mas com um tom não-ficção. Assim foi com O Dólar de Um Milhão, A Verdade Sobre os Cangaceiros Buth Cassidy and Sundance Kid, Elvis Não Morreu e outros.

Entre eles havia um chamado O Último dos Moicanos, sobre o último dos ídolos musicais dos velhos tempos e, por consequência, a última pessoa ainda viva do público que assistiu ao vivo aos velhos ídolos e viveu o lançamento de grandes discos clássicos. Eu, por exemplo, tive a 1ª edição inglesa do Combat Rock do Clash logo após seu lançamento; assisti Ramones, Iggy Pop, Lou Reed, PIL, Cólera, Itamar Assumpção, Cazuza, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Caetano... Será que no futuro eu serei a última pessoa a ter visto esses artistas surgidos até, no máximo, a primeira metade da década de 1990?

A recém partida de Erasmo Carlos e Rita Lee me fez querer resgatar esse tema. É duro perder artistas de tamanha grandeza!

Quem será o último ídolo da velha guarda a morrer? Dave Grohl? Bono Vox? Peter Frampton? Jello Biafra? Debbie Harry? Chrissie Hynde?

E no Brasil, quem seria o último? Arnaldo Antunes? Dado Villa Lobos? Lobão? Próspero Albanese? Sérgio Hinds? Marcelo D2?

Desse rock que ouvimos e que chegou ao público a partir da década de 1950, hoje, a maioria dos artistas que são dessa geração já está na casa dos 70 e 80 anos. Este é o caso de Beatles e Rolling Stones, pioneiros que transformaram todo o universo do mercado fonográfico e da cultura pop. Toda essa geração que iniciou carreira na década de 1960 - seja no começo dela ou no final – é nascida na década de 1940 (a mesma coisa acontece com os artistas da Soul Music).

Hoje, em 2023, já são raros aqueles que nasceram na década de 1930 e, daqui poucos anos, raros serão os ídolos nascidos nos anos 1940. A partir daí o ciclo da vida vai terminar para esses que falo aqui, que são os grandes nomes do rock. Daqui duas décadas, no máximo, a geração que transformou a música na década de 60, que tocou no Woodstock, que fez o rock psicodélico e progressivo, toda ela terá ido embora. Assim como a geração que fez o punk rock e o heavy metal, por consequência, a new wave, rock alternativo, etc. também terá ido e, quem sobrar, estará na casa dos 90 anos.

Nessa década de 2040 a geração 1980 estará na casa dos 80 anos. Tanto os artistas internacionais, quanto os brasileiros. Bono Vox, Nando Reis, Flea, Edgard Scandurra, Morrisey...

Segundo a ONU, a média mundial de expectativa de vida é de 73,4 anos (para homens 70,8 e mulheres 76). Então, certamente, estou aqui sendo otimista quanto ao aumento dessa expectativa nessas próximas duas décadas (coisa que sei que não vai acontecer).

Nos próximos 20 anos veremos os shows desses artistas diminuírem e aposentadorias sendo anunciadas. Naturalmente, (e infelizmente) nesse futuro próximo, veremos ídolos das três principais décadas da música – 1960, 1970 e 1980 – irem embora.

Logo depois que isso acontecer, os poucos ídolos musicais das décadas de 1990 e 2000, que já não são tão relevantes como os artistas das décadas anteriores, também vão embora e essa é a única certeza dessa vida!

Mas, apesar disso, os artistas não morrem nunca! Eles sempre foram e continuarão sendo os discos, as músicas, os vídeos e as fotos.

21 de maio de 2023

Mais Sobre Artistas Brasileiros e o Comunismo

Você já reparou que as pessoas que se dizem “de esquerda” nunca falam que são “comunistas”, mas sim “de esquerda”, “socialista” ou “progressista”? Pois é. Isso é porque essas pessoas sabem o peso negativo da palavra comunismo e de tudo que ela representa: ditadura, autoritarismo, censura, mortes, preconceito, controle absoluto.

Isso não sou eu quem falo, mas é a história, os fatos, os relatos, os documentos. Campos de concentração de reeducação, campos de concentração de trabalho forçado, os famosos Gulags, o confisco de alimentos e da propriedade privada, o canibalismo provocado pela fome. Estes campos de concentração, inclusive, serviram de referência para o que o nazismo fez depois.

O comunismo é cruel, e como sempre digo, odeia arte, principalmente arte autoral. O próprio Lul@ é um excelente exemplo disso, porque ele caga e anda pra arte. Não lê, não assiste a filmes, não vai ao teatro, não conhece os pintores, não faz ideia do que é a “Semana de 22” e não sabe sequer diferenciar Monet de Picasso; não conhece nenhum disco de Chico Buarque, Gilberto Gil ou Caetano Veloso; se não conhece a obras deles, imagine então de Chico César ou Zeca Baleiro! O que ele deve conhecer de cinema brasileiro ou internacional? Não só ele, mas boa parte dos COMUNISTAS não fazem ideia de nada porque não se interessam por conhecimento, leitura ou qualquer outra coisa que não esteja dentro do universo comunista.

Até hoje em países comunistas – e já estamos na terceira década do século XXI - os artistas são calados, são presos e somem. Um exemplo recente são os rappers cubanos autores da música “Patria Y Vida” e, anos antes, o grupo feminino Pussy Riot foi preso e sofreu perseguição de Putin. Hoje elas todas estão exiladas, não podem dizer onde estão e tiveram que fugir da Rússia porque falavam, entre outras pautas, de feminismo!

Se fôssemos um país comunista como a União Soviética, a Alemanha Oriental, a China, Cuba, Coreia do Norte, certamente não teríamos nenhum dos artistas que hoje temos, seja na música, no cinema, na literatura, artes cênicas ou qualquer outra arte. Não teríamos Bossa Nova ou Tropicália, a Blitz ou o Banguela Records. Sequer teríamos gravadoras multinacionais em nossas terras!

Glauber Rocha, Cacilda Berker, Carlos Drummond de Andrade, Henfil, Laerte, Mário Lago, Sérgio Mamberti, Zé Celso Martinez, Itamar Assumpção, Nelson Rodrigues... nada disso existiria se tivéssemos o comunismo que tantos artistas defendem!

É uma loucura!

O principal interesse do artista brasileiro se mostrou muito claro nesses últimos anos a partir da saída forçada do Governo da estrela vermelha: dinheiro e facilidades. A mesma coisa acontece com a mídia. Daí, com uma boa grana, você junta artistas e mídia e tem um poderoso esquema de defesa, que não mede esforços para garantir suas facilidades e confortos.

É de estarrecer muita gente ver artistas que antes lutavam contra a corrupção e a censura, hoje serem a favor de esquemas de corrupção e, pasmem, da censura, já que ela agora é controlada pelos comunistas que aparelharam a máquina federal.

É uma loucura!

Artista não deve ser alimentado pelo Estado, nunca! E veja só você: o comunismo que odeia arte e que jamais investiria nela, é defendido por um bando de artistas interesseiros e incapazes.

Quanto a incapacidade de manter a carreira sem a ajuda do Estado, nós contribuintes não temos nada a ver com isso, assim como ninguém tem nada a ver com minhas escolhas! Se o artista não consegue viver de sua arte, mesmo que um dia já tenha sido famoso e bem-sucedido, então que se reinvente, como fazem milhões e milhões de brasileiros. Procure alternativas, outras profissões, outras fontes de renda.

Eu mesmo, depois de mais de três décadas no audiovisual, voltei pra faculdade aos 49 anos, me formei, e atualmente faço Mestrado. Antes disso fiz curso de Bartender

E eu não sou o único exemplo desse caminho de voltar a estudar e se reinventar e procurar alternativas para poder garantir o presente e, com muita sorte, também o futuro.

Você artista não é diferente de ninguém e é uma vergonha você defender um Governo assumidamente corrupto só porque ele te garante uma grana que poderia ir para outras áreas. O dinheiro da Lei Rouanet poderia ser abatido de quem ajudasse com trabalhos sociais, pessoas especiais, inclusão, sustentabilidade, educação, saúde e outras tantas necessidades muito mais importantes para um país de 3º Mundo, do que a peça musical da atriz dançarina ou o DVD do fulano ou sicrano. Dane-se a peça e os shows gravados. Que-Se-Da-Ne!

Há todo um universo na área privada a ser explorado para esse tipo de coisa que hoje é bastante supérflua, já que música, teatro e cinema, não são mais relevantes como um dia foram. O Brasil já tem uma obra musical de extrema relevância, e as artes cênicas há muito deixou de revelar grandes nomes e/ou grupos, principalmente porque, assim como a maior parte dos brasileiros, artistas também tem preguiça de conhecimento, preguiça para leitura. Desse jeito realmente jamais teremos novamente uma arte de relevância. Só o fato do artista se dizer comunista já mostra o quanto lhe falta informação e conhecimento.

Artista, vai à luta, procure outros modos de ganhar dinheiro sem ser com a ajuda do Estado. Pare de passar vergonha e de se fazer de vítima. Faça como qualquer outro brasileiro trabalhador, honesto que ganha pouco, sustenta a família e se vira como pode pra levar a vida sem a ajuda do Governo (que agora quer imposto até dos mais pobres!). Aliás, esse novo Governo tirou ajuda de brasileiros necessitados, enquanto artistas voltaram a ganhar ajuda de bilhões de reais. Se não fosse tamanha cara-de-pau desse bando de artista ignorante e acomodado, era pra ter vergonha e nem sair na rua!

PS-1: Por favor, agora releia os dois primeiros parágrafos do texto pra não esquecer o que é o comunismo.

PS-2: As imagens que ilustram este texto são de Gulag que significa "Administração Central de Campos". Inclusive esses campos comunistas, mataram (e ainda matam) mais gente inocente que os campos de seu "irmão" nazismo.

PS-3: Artista, me mostre governos comunistas com pretos e minorias no Poder. 

Outros textos do mesmo tema:

O Mundo Evolui a o Artista Brasileiro na Esquerda

Ainda Sobre Artistas Brasileiros e a Esquerda

O Punk Distorcido

A Esquerda Não Deveria Escutar Música


31 de março de 2023

A Música Hoje: Esqueça o Vinil!

 

O mercado de vinil mudou nos anos 1990 com a popularização do Compact Disc, o CD. O disco compacto ajudou a facilitar a vida: equipamento menor, ocupa menos espaço, é mais portátil do que vinil, mais fácil de manusear, entre outras coisas. Mas vinil é vinil! CD tem um som que falta grave, se perdeu o visual porque a arte da capa e encarte não é a mesma coisa...

Há os prós e contras. Eu não ligo mais pra vinil. Passou. Não tem mais função.

Até a primeira metade dos 1990 vinil era tudo! Você marcava com os amigos e se juntava pra escutar discos novos, pra gravar, ia na casa de quem tinha o melhor equipamento, gravava coletâneas, calculava o tempo das músicas nos 30 minutos de cada lado da cassete.

Você ia viajar, então gravava fitas com os discos preferidos e coletâneas só pra escutar nas férias, já que era quase impossível viajar com vinil. Nos churrascos em cachoeira, na frente do bar ou na praia, os carros ficavam estacionados e as fitas rodando no rádio toca fitas. Nas festas se levava fitas para serem tocadas (meu pai se divertia gravando coletâneas de seis horas em fitas de rolo só pra dar festas).

Tinham as cabines de som nas lojas de disco pra você poder escutar rapidamente os que queria comprar. Havia o status que você ganhava de acordo com sua coleção e os importados, que eram raridade, forçava todo mundo ir à sua casa pra gravá-los. Pegava-se ônibus pra atravessar a cidade ou lotava-se um carro só pra ir em algum lugar escutar um disco novo (e com a fitinha no bolso caso desse pra gravá-lo).

Em relação aos músicos que tinham seu trabalho, o sonho de gravar um disco era algo distante e épico. Quando isso se tornava realidade, era como comprar uma casa ou ganhar na loteria. Hoje o músico grava seu trabalho no computador, dentro de casa e também mixa, masteriza e lança nas plataformas digitais e faz a divulgação sem sair da cadeira. Se quiser vinil, é só juntar uma grana e mandar fazer. Acabou o romantismo.

As pessoas continuam comprando vinil, mas agora é só pra sentar, colocar na vitrola e apenas escutar. Hoje escutar vinil é uma atitude passiva, antes era ativa.

É preciso olhar pra frente. Deixa o vinil pra lá! Hoje nas plataformas de música digital - no meu caso o Spotify – você pode fazer uma interação parecida com o que acontecia nesses bons e velhos tempos de vinil, que é a criação e troca de playlists. Essas playlists hoje representam o que eram as fitas cassetes de antigamente. Eu mesmo faço várias playlists e deixo tudo público. Também acho ótimas playlists de pessoas que nem conheço e incorporo na minha lista.

Me amarro em sentar e criar uma coletânea. Eu encano com um artista ou um gênero e fico um bom tempo escutando e escolhendo as músicas. Certas vezes faço isso em frente ao computador porque daí eu consulto a internet, Allmusic guide, Discogs, sites oficiais, you tube e tudo isso me serve como serviam os encartes só que, óbvio, com muito mais informações. Daí passo a entender mais o contexto das músicas e dos artistas que escolho.

Outra coisa que essas plataformas nos proporcionam é a possibilidade de escutar discografias inteiras. Isso é maravilhosamente incrível! Ouvir todos os discos do Stevie Wonder, Aretha Franklin, Rolling Stones, Led Zeppelin, Gilberto Gil, Os Paralamas do Sucesso, Marvin Gaye, Ramones... Passo dias escutando uma única discografia, inclusive de artistas que pouco ou nada conheço.

Às vezes me desafio em não escutar disco ou música repetida por dias e também por dias a não escutar artistas que já conheço. O Spotify me classifica como "explorador" ao fazer o balanço anual.

Faço lista do que quero escutar, seja disco ou artista. Muitas vezes já acordo sabendo o que vou escutar indo ao trabalho e gosto de começar o dia com uma belíssima música gospel de raiz - o soul gospel - e tenho bons nomes e discos em minha lista.

Tem vezes que dá vontade de escutar música de capoeira, música caipira raiz ou mesmo explorar antigos artistas brasileiros como Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga, Alvarenga e Ranchinho, Francisco Alves. Se uma música vem à cabeça, a escuto na hora. Vou de Kool & The Gang para Bauhaus em dois cliques numa boa.

Em consequência do meu podcast ‘A Semamna do Rock Brasileiro’, tenho feito playlists do mês só com artistas do rock desde os anos 1950. Muito material que era raro já se acha nessas plataformas.

Descobrir novos artistas, mesmo que sejam velhos, é muito bom! Eu que amo soul music ainda hoje ouço nomes que não conhecia até ontem, muito graças à ligação que o próprio aplicativo faz entre os artistas que são similares do tipo “se você gosta disso, então escute isso”.

Esse lance de plataformas digitais de música é bem legal e divertido, muito mais divertido do que escutar vinil em pleno século 21. O vinil já foi legal, assim como o cinema mudo um dia foi legal...

Link: Adorava Gravar Discos

14 de janeiro de 2023

O Rock Brasileiro em 1993

Como já comentei certa vez, ter em mãos essas datas do rock brasileiro me permite ter uma visão macro de tudo o que aconteceu na história do rock brasileiro de 1955 a, pelo menos, 2015. Eis aqui um outro exemplo do quanto essa visão macro traz curiosidades que também explicam o momento sócio econômico do Brasil.

Separando as datas de 1963, 1973, 1983, 1993 e 2003, percebi mais de 20 efemérides reerentes a 1993, então resolvi separá-las para fazer um texto sobre esse ano, que foi de extrema importância para a década de 1990. Dá até pra dizer – cada um em seu contexto – que 1993 foi tão importante para essa década, quanto 1982-83 foram para a década de 1980.

1993 é o ano que marca a fase inicial profissional da geração 90, a geração MTV. Boa parte dos músicos pioneiros dos 80 já tocavam no final na década de 1970 e/ou início dos 80: Gang 90, Herva Doce, Blitz, Rádio Taxi, Legião Urbana, Titãs, Plebe Rude e outros. A mesma coisa rolou com a geração 90 que lançou os primeiros discos em 1993. Raimundos, Skank, Planet Hemp, Pato Fú, O Rappa e outros já tocavam na segunda metade dos 1980.

1992 foi um ano importante para o Brasil porque foi o ponto de virada da economia que ia de mal a pior. No final do ano o presidente corrupto e ineficiente Fernando Collor de Mello sofreu impeachment, assumindo em seu lugar o vice Itamar Franco (1930-2011) que preparou o terreno para o que veio a ser o Plano Real.

Com a mudança na economia, um novo horizonte se abriu pra todo mundo, inclusive para o mercado fonográfico que, entre 1989 e 1992, andou devagar, desconfiado, com o freio de mão puxado. Dispensou muita gente e lançou o que era necessário. Contenção de despesas. Quando em 1993 a economia deu sinal de novos e melhores tempos, a movimentação nas gravadoras voltou.

Esse período de vacas magras foi marcado pelas bandas cover e as que cantavam em inglês. Passado esse período sem expressão, 1993 veio com tudo. Assim como o grunge ajudou a enterrar de vez o rock poser laquê, aqui no Brasil a geração do rock autoral cantado em português enterrou quem fazia cover ou pose de roqueiro gringo.

O ano foi, na verdade, um híbrido de artistas dos 80 com artistas dos 90. Titãs, Legião, Engenheiros, Nenhum de Nós, Arnaldo Antunes, Inocentes, Camisa de Vênus, Garotos Podres, Paulo Ricardo, Ira! são alguns nomes que lançaram trabalhos novos em 1993. Tem uma curiosidade que envolve o Titãs: ao mesmo tempo em que o grupo estreou show e lançou disco sem Arnaldo Antunes, o ex-integrante lançou o 1º disco solo.

O ‘Titanomaquia’ foi produzido por Jack Endino, que foi uma espécie de “Rick Rubin” dos anos 90. Endino produziu Mudhoney, Soundgarden, Nirvana, Screaming Trees, Green River, L7, Sonic Youth, Babes in Toilland, entre outros. Isso antes de trabalhar com o Titãs. Confesso que não gosto muito da produção desse disco, apesar de ter boas músicas. Dessa fase “pesada e provocativa” do Titãs prefiro o ‘Tudo ao Mesmo Tempo Agora’. Mas ‘Titanomaquia’ deu o que falar e clipes rolaram na MTV. Fora esse do Titãs, outro disco dessa geração que foi bem, foi o ‘Descobrimento do Brasil’ do Legião Urbana. É um disco maduro, pesado e com letras profundas. Nessa época ninguém percebeu a riqueza do texto de “Perfeição”, uma das letras mais maduras de Renato Russo, sem dúvida. O disco todo é uma viagem, gosto muito da produção, da sonoridade e das letras. Sempre o escuto.

Paulo Ricardo, pra variar, estava bem na contra mão do que estava acontecendo. Em 93 ele lançou um disco como ‘Paulo Ricardo & RPM’. Que dureza! Mais um fracasso da ultra mega irregular carreira. Paulo Ricardo acertou a mão quando se tornou um cantor romântico popular. Entre 1997 e início de 2000 ele lançou alguns discos românticos que foram bem, porém ele largou tudo pra, mais uma vez na vida, se juntar ao RPM pra tocar e gravar músicas antigas.

Essa virada na economia brasileira também ajudou na retomada de uma agenda de shows mais recheada, porque até isso diminuiu drasticamente mesmo para os artistas já estabelecidos. Nesse período de vacas magras Paralamas, por exemplo, trabalhou a carreira na América Latina.

Pra fechar os acontecimentos que envolvem a geração 80, quero deixar aqui registrado uma perda significativa: Denise Barroso, irmã de Júlio Barroso e ex-Absurdettes, morreu por insuficiência renal aos 37 anos. Morreu jovem como o irmão e fez o grande serviço de nos deixar uma pérola literária chamada ‘A Vida Sexual do Selvagem’, com manuscritos, desenhos e rabiscos de Júlio Barroso. Na Gang 90 seu nome artístico era Lonita Renaux e ela dividia os vocais femininos com May East e Alice Pink Pank. Ela gravou o 1º compacto de 1981 e o disco ‘Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes’ de 1984 a saiu do grupo no início de 1984.

Esses grupos e artistas dos anos 80 começaram a entender melhor a MTV Brasil exatamente em 1993, ao contrário da geração 90 que já fazia parte da programação, mesmo ainda não tendo nomes de expressão. Na grade da MTV havia o Demo MTV, Banda Antes, CEP MTV e o espaço no jornalismo. O Skank foi o pioneiro dessa geração porque lançou de forma independente, em 1992, o 1º disco que foi relançado pela gravadora Sony em 1993.

Também teve o Pato Fú que lançou o Rotomusic de Liquidificapum e me lembro de um clipe desse disco que passava direto na MTV junto com (acho que) “In(dig)nação” do Skank. Você pode até dizer que isso era pouco, porém o ano foi intenso e o grande número de acontecimentos significativos deixavam a sensação de que algo novo já estava acontecendo.

O Pato Fú fez barulho com esse 1º disco, produziu os próprios clipes – o que era bem caro na época – e fez todo o caminho de uma banda que começa por baixo, montando repertório, tocando em buracos e juntando dinheiro suado pra gravar fita demo. Foi assim com Skank, Raimundos, Planet Hemp e todo mundo que estourou nesse período.

1993 foi o ano em que as 1ª edições de todos os festivais mais significativos dessa geração aconteceram: SuperDemo, Juntatribo e Abril Pro Rock. Esses três festivais foram a vitrine do que foi a geração da década de 1990 e foram fundamentais pra chamar a atenção das gravadoras. Não há palavras que descrevam a importância desse trio de eventos para a geração que estava nascendo.

Esses festivais, na verdade, foram consequência do que estava acontecendo nas cenas locais de diferentes capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Nessas cidades tinham lugares com espaço para música ao vivo, não mais para as bandas cover, mas para trabalhos autorais.

Aqui no Sete Doses de Cachaça fiz uma série com mais de 10 textos sobre a movimentação musical de São Paulo nesse período e, só na capital paulista, tinha Aeroanta, Garage, Retrô, Der Temple, Woodstock, Caos, Urbano e mais alguns. Isso sem falar nas casas de shows no interior, nas cidades próxima a São Paulo (o Juntatribo aconteceu na UNICAMP, em Campinas). Era uma movimentação intensa. Muitos shows toda semana.

Em São Paulo, além da MTV, tinha as rádios 89FM e a Brasil 2000 que também davam muita força pra nova geração e até coletâneas elas lançaram. Havia a revista Bizz, a Revista da 89 e outras. Coletâneas, CDs demos e demos (ainda em cassete) chegavam a todo instante pra essa imprensa especializada da época.

Nós da MTV éramos amigos do pessoal das rádios, revistas e gravadoras e vice-versa., e todos nós éramos amigos do pessoal que tocava, até porque tinha muita gente que trabalhava nesses lugares e que também tocava, então todo mundo se encontrava nos shows, nos bares, nos estúdios, nos eventos, nas festas.

Toda essa movimentação de 1993 mostrou que já estava acontecendo algo novo. Era uma bomba relógio que explodiu, definitivamente, em 1994 com a entrada de um novo Governo, um plano econômico estável, o surgimento dos selos Banguela e SuperDemo. Ou seja, 1993 preparou a bomba que foi detonada em 1994.

Vou deixar aqui na publicação três vídeos referentes aos três festivais, mas sugiro uma pesquisa no YouTube porque tem conteúdo legal lá, além da série que eu escrevi.

 

5 de janeiro de 2023

O Rock Brasileiro em 1983

Para a cultura pop mundial, há dois acontecimentos de 1983 que ajudaram a moldar o que foram os anos 80: o lançamento do disco ‘Thriller’ de Michael Jackson e o surgimento da MTV. Não pense em “Thriller” apenas o disco, mas tudo o que envolveu além do repertório e produção: divulgação, marketing e até a linguagem e produção de videoclipe que foi elevada a um patamar mais elevado. (O Duran Duran também soube explorar o poder do videoclipe nesses primeiros anos de MTV)

Em 1983 as novidades surgiam às pencas!

Entre os bons lançamentos do cinema: Flashdance, Trocando as Bolas, Férias Frustradas, Star Wars – O Retorno de Jedi, Os Eleitos, Scarface, Monty Phyron – O Sentido da Vida, Furyo e O Selvagem da Motocicleta.

Alguns dos hits que tocaram muito: "Africa", do Toto; "All Night Long (All Night)", de Lionel Richie; "Blue Monday", do New Order; "Burning Down the House", do Talking Heads; "Modern Love", de David Bowie; "Jokerman", de Bob Dylan; "King of Pain", do The Police; "Legal Tender", do The B-52's; "Lick It Up", do Kiss; "Little Red Corvette", do Prince; "No Te Reprimas", do Menudo; "Say Say Say", dueto de Paul McCartney e Michael Jackson; "Undercover of the Night", dos Rolling Stones; "Uptown Girl", de Billy Joel; "Girls Just Want to Have Fun", de Cyndi Lauper; "Total Eclipse of the Heart", de Bonnie Tyler; "The Love Cats", do The Cure; "The Reflex", do Duran Duran.

Aqui pros lados do Brasil, todo mundo concorda que 1982 foi o ano inicial para o rock brasileiro da geração 1980. A partir dele, e com a boa recepção do público com a Blitz, as gravadoras e a mídia ficaram interessadas em mais grupos de rock. Além de Blitz, teve Barão Vermelho, Lulu Santos e “Perdidos na Selva” da Gang 90 & Absurdettes. Muitos grupos que surgiram em 1982, já estavam superativos e fazendo shows em 1983.

Esse foi o ano em que a revista Pipoca Moderna acabou depois de algumas poucas edições (baita revista!) e surgiu a Roll, que foi importantíssima até o surgimento da Bizz em 1985.

1982 e 1983 foi o biênio que surgiu praticamente 95% dos grupos que fizeram sucesso durante toda essa década. Então, como já falei em algum texto, foi um conjunto de ações que fez estourar, de uma só vez, diversos nomes juntos.

Enquanto 82 a mídia via A Cor do Som, 14 Bis, Rádio Táxi e até mesmo Guilherme Arantes como rock, 83 tratou de fazer uma peneira e mostrar que o novo rock brasileiro era outra coisa.

Um bom exemplo dessa fase de transformação do cenário musical é a 1ª edição do Festival Rock Brasil que aconteceu em Belo Horizonte (MG). Este foi o 1º festival com bandas da geração 1980, o público foi de 30 mil pessoas e teve Lulu Santos, Marcelo, Roupa Nova, Marcos Sabino, Boca Livre, Marina, Robertinho do Recife, Herva Doce, 14 Bis, Blitz, Rádio Táxi, Ritchie, Biafra, Guilherme Arantes e Barão Vermelho. Essa mistura de nomes e estilos é um ótimo retrato do que foi 1983.

Foi nesse ano que o fenômeno “Menina Veneno” do Ritchie invadiu a mídia e vendeu mais que Roberto Carlos. No início do ano o compacto vendeu 500 mil cópias e bateu todos os recordes até então e, no 2º semestre, veio o disco que também bateu todos os recordes. Também foi quando Paralamas assinou contrato com a EMI no início do ano; lançou o compacto com “Vital e Sua Moto” e “Patrulha Noturna” no final do 1º semestre e depois lançou o 1º disco “Cinema Mudo” no meio do 2º semestre. Intenso!

As gravadoras queriam grupos de rock e aquelas que conseguiam, tinham pressa em lançá-los. Em alguns casos, o lançamento de compactos era mero protocolo, porque todos os grupos conhecidos posteriormente lançaram os seus, até que as gravadoras resolveram abandonar esse formato. Há compactos de Barão Vermelho, Kid Abelha, Gang 90, Ira!, Titãs, Ultraje, Capital, Paralamas, Herva Doce e outros. O único grupo que bateu o pé para lançar disco sem compacto, foi Legião Urbana.

Muitas músicas lançadas em 1983 em compactos e discos se tornaram atemporais: “Menina Veneno” (Ritchie), “Vital e Sua Moto” (Paralamas), “A Dois Passos do Paraíso” (Blitz), “Inútil” (Ultraje à Rigor), “Sou Boy” (Magazine), “Nosso Louco Amor” (Gang 90), “Um Certo Alguém” (Lulu Santos) e “Bete Morreu” (Camisa de Vênus).

Há duas músicas que se descolam um pouco dessas todas, mas que tocaram muito e ajudaram na divulgação desse novo rock: “Mintchura”, da Neuzinha Brizola, que era filha do ex-político Leonel Brizola e fez grande sucesso com essa música que foi composta pelo finado Joe Euthanázia. Ela apareceu de onda, não tinha carreira, não era do universo musical e foi puro produto de gravadora pra aproveitar essa nova onda.

A outra música é “Calúnias (Telma Eu Não Sou Gay)”, do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados com participação de Ney Matogrosso. Esse foi um grande erro para promover o 1º disco da banda, que foi logo lançar como 1ª música de trabalho uma que é cantada por ninguém menos que Ney Matogrosso. Tocou muito - mas muito mesmo - porém todo mundo achava que era uma sátira do Ney Matogrosso com ele mesmo. Todo mundo comentava e cantava a música – o papai, a mamãe, o vovô e os filhinhos – mas ninguém sabia do disco e nem de João Penca. O grupo foi muito ativo, principalmente, entre 1982 e 1983, porque antes do 1º disco ser lançado, rádios e televisão tocavam muito “Rock da Cachorra”, “Barrados no Baile” e “Cantando no Banheiro”, do disco que gravaram com Eduardo Dusek, o ‘Cantando no Banheiro’. Outro grande clássico de 83.

Mas se você escutar todas essas músicas que listei, terá o fiel retrato do que foi o rock brasileiro de 1983. Pode parecer pouco, mas para àquele momento era muito, até porque tudo era muito intenso. Mesmo tendo ainda pouco espaço na grande mídia, a cena underground era efervescente não só no eixo Rio-São Paulo, e o público já conhecia os grupos porque eles tocavam nas danceterias e suas demos tocavam nas poucas rádios dedicadas ao rock. O Ultraje à Rigor é um ótimo exemplo disso, porque quando lançou o “Nós Vamos Invadir Sua Praia” em 1985, as pessoas do eixo RJ-SP já conheciam o repertório além dos compactos, e quem não conhecia além dos compactos, conhecia pelas reportagens e entrevistas na Roll.

Todas essas músicas (e outras), tocaram muito nas rádios e nos programas de televisão, incluindo novelas. Ainda sobre Ultraje, com ele aconteceu como o Paralamas: no meio do ano Pena Schmidt viu um dos primeiros shows com músicas autorais e o contratou. No fim do ano já saiu o 1º compacto com “Inútil” e “Mim Quer Tocar”.

As danceterias também foram importantíssimas para o crescimento do rock entre a moçada, porque além de ter espaço para música ao vivo, também tocava na pista todas essas músicas. Era normal você dançar Talking Heads ou Police e, na sequência, Kid Abelha ou Paralamas. Muita gente ia na danceteria pra dançar e ficar de azaração e não pra ver show mas, de repente, a música para e entra no palco um Barão Vermelho ou Titãs. Eu mesmo conheci o De Falla em uma ocasião assim. Porém, como a música ao vivo não era a prioridade dessas danceterias, o equipamento era precário, tanto o de palco, quanto o do público. O som era ruim e mais valia a energia que rolava. Acabava o show, na hora voltava a pista e a azaração continuava. Era muita música nova, muitos artistas novos e todo mundo queria consumir tudo ao mesmo tempo agora.

No Circo Voador, dentro do importante projeto ‘Rock Voador’, rolou o 1º Festival Punk do Rio de Janeiro. Em novembro de 1982 rolou o 1º festival punk em SP, no SESC Pompeia, daí o Circo Voador promoveu o seu, também histórico e que teve a participação de Inocentes (SP), Cólera (SP), Psykose (SP), Ratos de Porão (SP), Coquetel Molotov (RJ), Eutanásia (RJ) e Descarga Suburbana (RJ). Fato inusitado desse festival fica por conta da banda de abertura: Os Paralamas do Sucesso.

No meio do ano teve um show no Circo Voador com Lobão e Os Ronaldos, Legião Urbana e Capital Inicial. Foi a primeira vez que Legião e Capital ganharam cachê profissional. Lobão e Os Ronaldos ainda não tinha lançado disco. Foi o ano em que os grupos de Brasília gravaram suas primeiras fitas demos. Inclusive no fim de 83 o Capital gravou a famosa fita com “Leve Desespero” e “Descendo Rio Nilo”, que ajudou no contrato com a então gravadora CBS. Esse mesmo show com os três grupos aconteceu em 1984 em Brasília, em um momento em que Legião já estava no Rio negociando contrato com EMI e Capital de malas arrumadas para São Paulo.

Nessa intensidade de acontecimentos, houve uma perda bastante sentida na turma do Rio de Janeiro: Cláudio Killer, que era tecladista do João Penca, morreu na banheira de casa durante o banho, por causa de um vazamento de gás. Apesar do disco ‘Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados’ não ter sido um sucesso de vendas, trata-se de um grande clássico e muito bem produzido para a época. Infelizmente ele nunca foi lançado em outro formato além do vinil, mas não é difícil de encontra-lo digitalizado. Produção de Ronaldo Bastos; participação de Lulu Santos, Ney Matogrosso, Leo Gandelman. É um grande disco!

(Leia também a Restrospectiva 1983 feita pela revista Roll)