14 de janeiro de 2023

O Rock Brasileiro em 1993

Como já comentei certa vez, ter em mãos essas datas do rock brasileiro me permite ter uma visão macro de tudo o que aconteceu na história do rock brasileiro de 1955 a, pelo menos, 2015. Eis aqui um outro exemplo do quanto essa visão macro traz curiosidades que também explicam o momento sócio econômico do Brasil.

Separando as datas de 1963, 1973, 1983, 1993 e 2003, percebi mais de 20 efemérides reerentes a 1993, então resolvi separá-las para fazer um texto sobre esse ano, que foi de extrema importância para a década de 1990. Dá até pra dizer – cada um em seu contexto – que 1993 foi tão importante para essa década, quanto 1982-83 foram para a década de 1980.

1993 é o ano que marca a fase inicial profissional da geração 90, a geração MTV. Boa parte dos músicos pioneiros dos 80 já tocavam no final na década de 1970 e/ou início dos 80: Gang 90, Herva Doce, Blitz, Rádio Taxi, Legião Urbana, Titãs, Plebe Rude e outros. A mesma coisa rolou com a geração 90 que lançou os primeiros discos em 1993. Raimundos, Skank, Planet Hemp, Pato Fú, O Rappa e outros já tocavam na segunda metade dos 1980.

1992 foi um ano importante para o Brasil porque foi o ponto de virada da economia que ia de mal a pior. No final do ano o presidente corrupto e ineficiente Fernando Collor de Mello sofreu impeachment, assumindo em seu lugar o vice Itamar Franco (1930-2011) que preparou o terreno para o que veio a ser o Plano Real.

Com a mudança na economia, um novo horizonte se abriu pra todo mundo, inclusive para o mercado fonográfico que, entre 1989 e 1992, andou devagar, desconfiado, com o freio de mão puxado. Dispensou muita gente e lançou o que era necessário. Contenção de despesas. Quando em 1993 a economia deu sinal de novos e melhores tempos, a movimentação nas gravadoras voltou.

Esse período de vacas magras foi marcado pelas bandas cover e as que cantavam em inglês. Passado esse período sem expressão, 1993 veio com tudo. Assim como o grunge ajudou a enterrar de vez o rock poser laquê, aqui no Brasil a geração do rock autoral cantado em português enterrou quem fazia cover ou pose de roqueiro gringo.

O ano foi, na verdade, um híbrido de artistas dos 80 com artistas dos 90. Titãs, Legião, Engenheiros, Nenhum de Nós, Arnaldo Antunes, Inocentes, Camisa de Vênus, Garotos Podres, Paulo Ricardo, Ira! são alguns nomes que lançaram trabalhos novos em 1993. Tem uma curiosidade que envolve o Titãs: ao mesmo tempo em que o grupo estreou show e lançou disco sem Arnaldo Antunes, o ex-integrante lançou o 1º disco solo.

O ‘Titanomaquia’ foi produzido por Jack Endino, que foi uma espécie de “Rick Rubin” dos anos 90. Endino produziu Mudhoney, Soundgarden, Nirvana, Screaming Trees, Green River, L7, Sonic Youth, Babes in Toilland, entre outros. Isso antes de trabalhar com o Titãs. Confesso que não gosto muito da produção desse disco, apesar de ter boas músicas. Dessa fase “pesada e provocativa” do Titãs prefiro o ‘Tudo ao Mesmo Tempo Agora’. Mas ‘Titanomaquia’ deu o que falar e clipes rolaram na MTV. Fora esse do Titãs, outro disco dessa geração que foi bem, foi o ‘Descobrimento do Brasil’ do Legião Urbana. É um disco maduro, pesado e com letras profundas. Nessa época ninguém percebeu a riqueza do texto de “Perfeição”, uma das letras mais maduras de Renato Russo, sem dúvida. O disco todo é uma viagem, gosto muito da produção, da sonoridade e das letras. Sempre o escuto.

Paulo Ricardo, pra variar, estava bem na contra mão do que estava acontecendo. Em 93 ele lançou um disco como ‘Paulo Ricardo & RPM’. Que dureza! Mais um fracasso da ultra mega irregular carreira. Paulo Ricardo acertou a mão quando se tornou um cantor romântico popular. Entre 1997 e início de 2000 ele lançou alguns discos românticos que foram bem, porém ele largou tudo pra, mais uma vez na vida, se juntar ao RPM pra tocar e gravar músicas antigas.

Essa virada na economia brasileira também ajudou na retomada de uma agenda de shows mais recheada, porque até isso diminuiu drasticamente mesmo para os artistas já estabelecidos. Nesse período de vacas magras Paralamas, por exemplo, trabalhou a carreira na América Latina.

Pra fechar os acontecimentos que envolvem a geração 80, quero deixar aqui registrado uma perda significativa: Denise Barroso, irmã de Júlio Barroso e ex-Absurdettes, morreu por insuficiência renal aos 37 anos. Morreu jovem como o irmão e fez o grande serviço de nos deixar uma pérola literária chamada ‘A Vida Sexual do Selvagem’, com manuscritos, desenhos e rabiscos de Júlio Barroso. Na Gang 90 seu nome artístico era Lonita Renaux e ela dividia os vocais femininos com May East e Alice Pink Pank. Ela gravou o 1º compacto de 1981 e o disco ‘Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes’ de 1984 a saiu do grupo no início de 1984.

Esses grupos e artistas dos anos 80 começaram a entender melhor a MTV Brasil exatamente em 1993, ao contrário da geração 90 que já fazia parte da programação, mesmo ainda não tendo nomes de expressão. Na grade da MTV havia o Demo MTV, Banda Antes, CEP MTV e o espaço no jornalismo. O Skank foi o pioneiro dessa geração porque lançou de forma independente, em 1992, o 1º disco que foi relançado pela gravadora Sony em 1993.

Também teve o Pato Fú que lançou o Rotomusic de Liquidificapum e me lembro de um clipe desse disco que passava direto na MTV junto com (acho que) “In(dig)nação” do Skank. Você pode até dizer que isso era pouco, porém o ano foi intenso e o grande número de acontecimentos significativos deixavam a sensação de que algo novo já estava acontecendo.

O Pato Fú fez barulho com esse 1º disco, produziu os próprios clipes – o que era bem caro na época – e fez todo o caminho de uma banda que começa por baixo, montando repertório, tocando em buracos e juntando dinheiro suado pra gravar fita demo. Foi assim com Skank, Raimundos, Planet Hemp e todo mundo que estourou nesse período.

1993 foi o ano em que as 1ª edições de todos os festivais mais significativos dessa geração aconteceram: SuperDemo, Juntatribo e Abril Pro Rock. Esses três festivais foram a vitrine do que foi a geração da década de 1990 e foram fundamentais pra chamar a atenção das gravadoras. Não há palavras que descrevam a importância desse trio de eventos para a geração que estava nascendo.

Esses festivais, na verdade, foram consequência do que estava acontecendo nas cenas locais de diferentes capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Nessas cidades tinham lugares com espaço para música ao vivo, não mais para as bandas cover, mas para trabalhos autorais.

Aqui no Sete Doses de Cachaça fiz uma série com mais de 10 textos sobre a movimentação musical de São Paulo nesse período e, só na capital paulista, tinha Aeroanta, Garage, Retrô, Der Temple, Woodstock, Caos, Urbano e mais alguns. Isso sem falar nas casas de shows no interior, nas cidades próxima a São Paulo (o Juntatribo aconteceu na UNICAMP, em Campinas). Era uma movimentação intensa. Muitos shows toda semana.

Em São Paulo, além da MTV, tinha as rádios 89FM e a Brasil 2000 que também davam muita força pra nova geração e até coletâneas elas lançaram. Havia a revista Bizz, a Revista da 89 e outras. Coletâneas, CDs demos e demos (ainda em cassete) chegavam a todo instante pra essa imprensa especializada da época.

Nós da MTV éramos amigos do pessoal das rádios, revistas e gravadoras e vice-versa., e todos nós éramos amigos do pessoal que tocava, até porque tinha muita gente que trabalhava nesses lugares e que também tocava, então todo mundo se encontrava nos shows, nos bares, nos estúdios, nos eventos, nas festas.

Toda essa movimentação de 1993 mostrou que já estava acontecendo algo novo. Era uma bomba relógio que explodiu, definitivamente, em 1994 com a entrada de um novo Governo, um plano econômico estável, o surgimento dos selos Banguela e SuperDemo. Ou seja, 1993 preparou a bomba que foi detonada em 1994.

Vou deixar aqui na publicação três vídeos referentes aos três festivais, mas sugiro uma pesquisa no YouTube porque tem conteúdo legal lá, além da série que eu escrevi.

 

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