31 de outubro de 2021

Novembro e Eu

Já fiz tantas publicações em que usei minha pesquisa das datas do rock brasileiro, mas nunca puxando pela minha memória, da minha vivência em relação a alguns acontecimentos. Pela vontade de escrever algo leve, resolvi fazer esses relatos e, já que estamos pra entrar em novembro, então será o mês inicial dessa série. Como nasci em 1970, então evidente que esses textos que vão abordar acontecimentos das décadas de 1980 e 90, porque foram as que eu vivi mais intensamente e, por sorte, foram décadas intensas para a cultura pop.

O texto vai contra o que se faz hoje em dia, já que é longo, porém é uma boa e divertida viagem no tempo:

Novembro vem de nove porque no antigo calendário romano novembro era o 9º mês, já que o ano começava em março. Novembro e dezembro são meses amados e odiados, porque há quem goste do clima de fim de ano e há quem não goste.

O comércio ama e muitas gravadoras aproveitavam pra lançar seus artistas. Contei aqui 20 lançamentos, mas como cortei alguns, então são bem mais que 20 discos lançados. Isso porque são 20 lançamentos editados (!) e só de rock! Imagine a inundação de lançamentos que acontecia (e ainda acontece) nesses dois meses se for contar todos os gêneros musicais! Haja grana pra comprar tudo o que se queria!

Chutando uma média, para o contexto econômico de hoje, um lançamento girava em torno de 50 e 80 reais, então se pra comprar um disco já havia um certo planejamento, imagine então dois ou três! Só em datas especiais mesmo!

Desse mês, a data mais distante é o lançamento do disco Refestança, de Gil e Rita Lee, que é de 1977. É uma data indireta porque esse disco me fez lembrar do show do Gilberto Gil que assisti no Guarujá que era da turnê do Realce. Era fim dos anos 70 e, apesar de ter uns 7 ou 8 anos, lembro bem do show, e lembro que gostei bastante, mesmo sem saber do que se tratava. Refestança é disco com dois tropicalistas originais!

Vou seguir de forma cronológica.

Em novembro de 1982 aconteceu o festival O Começo do Fim do Mundo, um marco para o movimento punk brasileiro e para a cultura pop. Eu estava louco pra ir, mesmo sabendo que não ia rolar por alguns motivos: era em São Paulo, não era férias e eu tinha apenas 12 anos. Mas ficamos todos na expectativa. Assim que foi lançada eu comprei a coletânea do festival.

Na MTV, no miolo dos anos 1990, recebi uma fita de vídeo com imagens do festival, do público, da confusão. Um amigo de São Paulo subiu no telhado do SESC para assistir aos shows, assim como outras pessoas, e quando começou a confusão com a polícia, tiraram a escada que todos usavam pra subir e descer. Só foram descer quando tudo terminou. A coletânea eu ouvia sem parar. Conhecia de cabo a rabo e cantava até mesmo em mandarim. Comprei-a na Punk Rock Discos (do Fábio), quando ela ficava na galeria da Rua Augusta. Gravava pra todo mundo. Tinha fila de fitas. Na verdade, eu comprei mais de uma cópia do disco, porque eu sempre ia pra SP com dinheiro e encomenda de discos, bottons, camisetas, acessórios.

Os Paralamas do Sucesso é um grupo que faz parte da minha vida desde que existe. Acompanhei todos os passos desde o início e lembro das fitinhas que rolavam com “Reis do 49”, “Solidariedade Não”, “Ainda é Cedo”. Bi e Herbert eram muito ligados a Turma da Colina em Brasília e a influência dela no som inicial do Paralamas era tão importante quanto Clash, Police, Madness, Talking Heads e outras. Sempre torci para o grupo gravar essas músicas antigas...

Tem 3 fatos que envolvem Paralamas em novembro: foi o mês em que o grupo começou a ensaiar na Vovó Ondina (homenageada no 1º disco); também foi o mês em que o grupo estreou como Os Paralamas do Sucesso definitivamente com a formação clássica: Herbert, Bi e Barone. A 3ª data é indireta, porque trata-se do aniversário de Lui, um artista plástico de Brasília, que andava com a Turma e está na capa do 2º disco do Paralamas, justamente ‘O Passo do Lui’. Lui também foi vocalista do Arte no Escuro bem no início do grupo (em 1987 lançou disco pela EMI, gravadora do Paralamas).

Em Brasília ficávamos agitados com as coisas que aconteciam com o Paralamas, sabíamos de tudo porque, além da forte amizade com várias pessoas, e contato constante, o Pedro Ribeiro (irmão de Bi) ainda morava na capital (em algum momento de 1984 pegou um ônibus e foi para o Rio trabalhar com Paralamas). Lembro quando o contrato com a EMI foi fechado. Todo mundo da Turma ficou em êxtase. Era um sinal positivo. Lembro que o comportamento dos grupos da Colina mudou bastante, positivamente falando. Demos e shows já tinham um certo cuidado quanto a qualidade, e PdS com gravadora e disco só fez as coisas ficarem mais aquecidas. As idas ao eixo Rio-SP se tornaram assíduas.

Essas viagens rendiam muito assunto na volta a Brasília. Histórias que não acabavam mais. Contavam como era o Rio de Janeiro e São Paulo, os personagens locais, o que tinha pra fazer. Também traziam fitas dos grupos de lá. Ao mesmo tempo tudo isso começava a sair nas revistas que haviam na época: Som Três, Pipoca Moderna, Roll e Bizz.

Por falar em Brasília, em 1983 rolou um show com Herva Doce, Rádio Taxi e outro grupo que não lembro. Também não sei qual foi a data, mas em novembro que Herva Doce lançou o 2º disco chamado ‘Bip Bip’ e tinha feito a abertura do show do Kiss no Maracanã. Era fora do meu contexto na época, mas fui nesse show com amigos da escola, porque naquela época jamais faria isso! Aconteceu no ginásio esportivo de algum clube. Fui como um punk rocker característico e na plateia tinha basicamente hippies estudantes da UnB. Acho que Mel da Terra ou Liga Tripa também tocaria, não sei... Herva Doce tem músicas legais.

Eu morava na 203 Norte. Tinham alguns clubes que eram relativamente perto e, por vezes, eu ia ou voltava a pé desses shows em clubes. Era uma boa caminhada, mas nada do outro mundo. Geralmente eu ia a pé, porque a volta nem sempre era pra casa. Depois de shows geralmente fazíamos alguma coisa, nem que fosse um ‘Brutus’ ou ‘Galo de Briga’ no Giraffa’s.

Acabou que foi um showzaço! Herva Doce e Rádio Taxi, só músico de 1ª qualidade.

Tem mais assuntos relacionados a Brasília, como o nascimento de Seabra, o Philippe. Ele nasceu em Washington nos Estados Unidos. Seabra é desses amigos que nem lembro como conheci. Eu era ainda muito garoto. Daí que em 1984 fomos estudar no mesmo colégio, o Sigma, que tinha acabado de abrir. Ele fazendo cursinho e eu a 7ª série (Hoje 8º ano. Eu era repetente!). Foi nessa época que Plebe Rude fez músicas como “Proteção”, “Até Quando Esperar” e “Minha Renda”. Eu tinha fitas de ensaios com esses primeiros registros. Isso era 1984 e já fiz um texto aqui contando como foi esse ano em Brasília.

Havia sim uma expectativa em relação ao que seriam os novos discos de Cazuza solo e Barão Vermelho. Em 1985, Cazuza lançou ‘Exagerado’ com o repertório que seria o novo do Barão. Na verdade, essa expectativa era mais da gravadora e da imprensa. Para o público, muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo. Era uma novidade por dia.

1985 não foi o ano do Cazuza, mesmo sendo novidade. Foi o ano do Ultraje a Rigor, de Legião Urbana, Ira!, Paralamas e Titãs – mesmo não vendendo bem, várias músicas do ‘Televisão’ tocaram em rádio.

Mas lembro disso, da gravadora investindo na divulgação, clipe no Fantástico, propaganda e entrevistas nas revistas. O Titãs ia em todos os programas de TV! A vendagem foi boa, mas a gravadora esperava mais.

1987 foi um ano marcante pra mim porque foi quando eu me mudei – a contragosto – para São Paulo. Cheguei em um tempo em que a cena alternativa aqui estava aquecida, muita coisa acontecendo.

Separei lançamento de Titãs (Jesus Não Tem Dentes...), Gang 90 (Pedra 90) e Fellini (3 Lugares Diferentes) porque me fazem lembrar bastante desse tempo. Como eu não conhecia praticamente ninguém em SP, então nesses primeiros tempos na cidade saía muito com o pessoal de Piracicaba, minha terra natal. Tinha uma galera de Pira que gostava muito de Fellini, e quando havia show, íamos.

A Gang 90 acompanhei bastante nesse período, enquanto estava na ativa. Vi não só os shows de lançamento do Pedra, mas outros de antes, do Rosas & Tigres. Apesar de não ter mais Júlio Barroso, era um timaço de músicos. Foi o ano que abriu o Aeroanta e muita coisa acontecia lá.

O Titãs lembro do público e imprensa especulando sobre o que viria depois de ‘Cabeça Dinossauro’. Já relatei aqui que vi um ensaio para a gravação o Jesus... e eles brigando, gritando, saindo do estúdio aos berros!

Discaço que deixou todo mundo de queixo caído. Todo mundo queria ir ao show. Todo mundo ficou assustado (no bom sentido) com a qualidade da produção e do repertório. Lembro da estreia do clipe de “Lugar Nenhum” no Fantástico.

Nessa época, todos esses grupos do primeiro time do rock brasileiro, estavam em um momento de mudanças, todo mundo já no 3º e 4º discos. O país entrando em uma crise que durou um bocado e, juntando tudo isso, restaria apenas os fortes e ‘Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas’ tinha força de sobra! É disco que mudou os rumos de produção e composição. Influenciou inclusive grupos da mesma geração.  

Pra fechar os anos 80 tem o lançamento da coletânea ‘Sanguinho Novo’, que é um tributo ao Arnaldo Baptista gravado por diversos grupos do underground. Não vou listar aqui os grupos que são muitos, mas registro esse lançamento porque foi bem quando conheci Miranda, o Carlos Eduardo. Nessa época ele dividia casa com o Skowa numa rua atrás do Aeroanta. Foi lá que ele me mostrou a coletânea, nem tinha capa (ao menos a cópia que ele me mostrou). Nesse mesmo dia ele me apresentou ao Pixies (Surfer Rosa). Nessa época Miranda ainda escrevia para a Bizz (e acho que pra outras revistas e jornais também).

Chegamos em SP no mesmo ano e desde que nos conhecemos sempre mantivemos contato (depois veio anos 90, Banguela, MTV...). Nos víamos na noite, nos shows, nas festas, nos bares, no trabalho. Ele também morava na Pompeia. Fica aqui a homenagem a esse bom amigo.

Isso era 1989 e, para o lado da cultura pop, cena rock / pop brasileira, as coisas iam de mal a pior. País afundado em crise em ano de eleição.

Depois de um disco meio sombrio que foi o V em 1991, Legião Urbana lançou ‘O Descobrimento do Brasil’ em 1993. Eu já estava na MTV e pessoas lá dentro tiravam sarro da minha cara quando pegava esse disco pra escutar ou pra usar em algum programa. Contei sobre isso em um texto em que falo desse outro lado da MTV. Acho um dos melhores da discografia do grupo, tem músicas e letras perfeitas e maduras. Disco pesado, profundo e bem produzido. Legião era um dos artistas que usavam bem esse período de fim de ano.

1993 já era o período Grunge. Era uma transição entre Madchester e Grunge. Aqui para os nossos lados, era a chegada do Banguela e o início de um novo mercado independente brasileiro. Em 1994 saiu 'Con El Mundo A Mis Pies' do Kleiderman. Discão punk, pesado. Vi alguns shows e tenho um gravado em VHS.

O estúdio Be Bop, onde também ficava o Banguela, se tornou um QG. Ficava em Pinheiros, colado na Pedroso de Morais. Eu mesmo vivia lá. Além de ter muitos amigos gravando como artistas, também havia muitos amigos que trabalhavam no selo e nos estúdios. A tarde e à noite, estúdio A ou B, as gravações não paravam. Tinha grupo que saía do estúdio e ia direto pra show (em SP ou não) e tinha grupo que chegava da estrada e ia direto pro estúdio. Tempos intensos

Por falar em Banguela, em 1995 e 96, o Raimundos usou novembro pra lançar, respectivamente, ‘Lavô Tá Novo’ e ‘Cesta Básica'. São discos já lançados pela Warner e não mais pelo Banguela. No caso do ‘Cesta Básica’ o legal foi que o grupo gravou “Infeliz Natal” do Filhos de Mengele. Vou contar um bastidor: Teve certa confusão com a MTV porque alguém pegou o show do Raimundos no Hollywood Rock para usá-lo no pacote, mas sem autorização da emissora ao menos não em um primeiro momento. Essa história não acabou bem para a pessoa que pegou o show.

Dois fatos ruins aconteceram em novembro de 1997 em dias seguidos: o fatídico show do Raimundos em Santos, quando morreram algumas pessoas durante um tumulto que abalou de forma definitiva os integrantes. Um velho amigo de Brasília, o Barney, que neste ano voltava a trabalhar como assistente de palco e tinha passado pelo também tumultuado show do Legião no Mané Guarrincha, depois disso desistiu de vez dessa área. Lembro de Canisso, Digão, Rodolfo e Fred bastante depressivos por conta desse fato, além dos amigos da equipe. Demorou um bocado pra recuperação de todos eles.

No dia seguinte a este fato ocorrido em Santos, o Planet Hemp foi preso em Brasília depois de um show. Isso mobilizou a MTV e toda imprensa. Claro que tínhamos preferência em relação a cobertura já que a MTV sempre foi parceira do Planet e de toda essa geração. Sendo em Brasília, o grupo teve ajuda de amigos meus. Bafafá na imprensa e esse fato me lembrou da prisão de Tony Bellotto e Arnaldo Antunes em 1985 por porte de heroína. Pela época e pela droga, foi algo bem pior, claro, e foi um grande acontecimento entre a imprensa e colegas artistas. Mobilização total. Nos dois casos!

Fecho o longuíssimo texto com dois lançamentos significativos de 1998 quando eu já estava com 28 anos, há 5 na MTV, e havia trancado a faculdade de jornalismo por causa do trabalho, pensando em retomar em 6 meses (o que não aconteceu porque veio casamento, filha...).

1998 tinha um contexto bastante diferente do início e do miolo dos 90, e foi quando Otto e Capital Inicial lançaram discos. ‘Samba Pra Burro’ é um clássico da década apesar de ser 98. Depois do Banguela, Miranda foi revolucionar na então nova gravadora independente Trama. Dois velhos amigos do bairro e da MTV tocavam nessa primeira banda de apoio do Otto. Era uma bandaça e lá estavam Guilherme Sapotone na bateria e Daniel Pompeu no baixo. Discão. Fui a alguns shows desse período. Inclusive tocamos juntos no Porão do Rock de 2000. Eu no palco B com Filhos de Mengele e Otto no A. Ficamos no mesmo hotel. Dias bem doidos!

Recheado de nomes de Brasília, fecho esse texto com Capital Inicial que lançou ‘Atrás dos Olhos’ pela então nova gravadora Abril. Acompanhei de perto todo o processo de reaproximação de Fê, Flávio e Dinho, a volta dos ensaios, as negociações de repertório e com gente interessada em gravar e lançar. É o melhor disco dessa volta do Capital. Das 12 gravadas, gosto de 7 ou 8. Nessa época Dinho morava ao lado da MTV e nos encontrávamos bastante. Foi também quando comecei a fazer O Diário da Turma.

Mas tudo já estava diferente, inclusive na MTV. Em 98 eu já me questionava se eu queria mesmo trabalhar com televisão ou então procurar outras áreas, outras oportunidades. Era hora de buscar outras emissoras, produtoras e oportunidades. A cena rock estava já ruim, a internet começava a chegar nas empresas, em São Paulo os lugares legais pra frequentar estavam mudando ou acabando, então a cidade também estava sem graça. Era um período em que minha geração estava se estabelecendo profissionalmente, casando, definindo carreira. Para o lado dos grupos dessa geração a mesma coisa acontecia porque já estavam entre o 3º e 4º disco. Quem iria ter força pra atravessar a década?