19 de outubro de 2014

Série O Resgate da Memória: 41 - Ira! (Revista Roll 1983)

Revista Roll – Ano 1 – Nº 2 – nov/1983

Ira – O Desespero do Fim 
(assina a matéria A.A.F.)



Como falei antes, as reportagens da Roll sobre as bandas brasileiras são clássicas, inclusive porque são as primeiras feitas por um veículo especializado. Em outubro de 1983 não havia rádio, jornal ou outra revista que abordasse 100% o rock e o pop. Não como a Roll fazia.
Era prestígio para uma banda ou artista solo aparecer na revista.
Essa reportagem do Ira (ainda sem exclamação), é do número dois da Roll, que soube muito bem aproveitar a cena rock que havia, principalmente entre 1983 e 1985.
Apesar da falta de créditos, sei que muitas das fotos das bandas que estavam surgindo (de SP e de quem passava por lá), eram de autoria de Rui Mendes, o que é o caso dessa reportagem.
Outra coisa legal é – como em outras reportagens antigas – perceber o texto, a forma como era escrito.

------------------------------------------------------

Alguém na plateia gritou: “Vai começar.” Os quatro subiram no palco: IRA. E o som rolou. Com uma potência de ninguém se segurar nos bancos: “Não quero ser como os outros que negam e dizem sim quando o bom é intragável e o mal ilegal”. Estavam apresentados. Sem boa noite.

FORMAÇÃO
Nazi: vocal; Edgard: guitarra; Dino: contrabaixo; Charles: bateria.
Nazi cantava com os braços erguidos na altura do paito e os punhos despejando as mãos caídas – agressivo, entre a genialidade e a debilidade da pose. O som bem alto. Sujo mas leve. Síntese e pulsação direta ao umbigo.

FEITOS PASSADOS
Formaram o grupo Subúrbio em 1978. Em 1980 nasce o IRA, fazendo sua primeira aparição no Festival Punk da PUC de São Paulo. Fizeram algumas estocadas aos bares subterrâneos de São Paulo. Já houve A Ira. Eles eram O Ira – exército clandestino. Charles entrou em 82. E atacaram diversos locais como o Lira Paulistana, Teatro Bexiga, Sesc Pompéia, Hong Kong, Napalm, Carbono 14, Victória e ainda no Circo Voador e no Noites Cariocas, levando o autêntico rock paulista ao Rio de Janeiro.

PLANOS FUTUROS
O IRA tem um contrato assinado e um compacto gravado pela Warner. Prazo para ser lançado ainda não tem. Problemas com a censura. E um plano de fazer um show só com músicas novas.
Nazi agachou no chão, colocou as mãos na cabeça, de costas para o público. Edgard solava com a guitarra invertida. Criou um estilo pessoal. Canhoto, pegava a guitarra do irmão e não podia trocar as cordas. Aprendeu assim.
“Ao mesmo tempo em que nos EUA surgia a discotheque, na Europa pintaram os punks. O pessoal pulava do mesmo jeito, mas os punks tinham um motivo” (Edgard).

MOTIVO
“O desespero no fim do século é o grande tema, a violência nas urbes, o grande leit-motiv da música do IRA, eco de desentranhamento das vísceras sociais do sistema responsável pelas bordas autômatas que se perdem nos supermercados da vida sem encontrar um só produto que as satisfaça.”
O som rolava num volume em que as letras não eram compreendidas completamente. Apenas fragmentos, sugestões. Da forma que a voz se colocava ao som, como se fosse um instrumento. E os outros instrumentos parecendo traduzir frases de protesto e barbárie.

O QUE OUVEM
Clash, Jam, Gang of Four, etc. Mais recentemente: Trio, Cure, Echo and The Bunnymen.

E a MPB?
“MPB é Ira, Ultraje a Rigor, Titãs, As Mercenárias, Voluntários da Pátria, etc”

O QUE VEEM NA TV
A melhor coisa é o Bozo.”
O grupo fazia sua versão de Noite Feliz: “dorme em paz / ó Jesus. / Pendurado na cruz”. Nazi ergueu os braços abertos com uma careta como se estivesse pendurado. O som arranhado. Barra.

“IRA: FALSOS PUNKS”
Era o título de um manifesto publicado pelos punks. O IRA fizeram um show (em 81 no Lira Paulistana) com o título: “IRA PAULISTANA – NEW WAVE E PUNK ROCK” (“pra informar o que era o som”). Era uma das primeiras aparições. O IRA tinha uma origem próxima à dos punks, mas com uma linha bastante própria. Eles admiravam o que os panks faziam lá fora mas desconheciam o lance aqui no Brasil. Os punks estavam numa época de fortalecimento, era um grupo muito fechado. Então pintou essa ataque. Disseram que não era legítimo: “Ou é Punk ou é New Wave!”. Depois passaram a aceitar: “Agora começou a esvaziar o lado da radicalidade. Eles começaram a ouvir mais, a participar mais, antes eles ficavam só no subúrbio...”

MANIFESTO IRA
“Chega de tronchuras! O rock combate está saindo dos subterrâneos da city para aterrorizar os tzares do show business tupiniquim. Abaixo as ditaduras das lantejoulas globais! Chega de canções marca de sabonete. Pelo fim da mediocridade sonora! A principal arma do Ira, a disposição de combater a burocracia sonora, responsável pela estupidificação em massa da música jovem (?)”

O som prosseguia muito alto e agora já muitos dançavam na plateia. Com um motivo. Como deve ser. “Não quero mais ver essa gente feia / não quero mais ver os ignorantes / eu quero ver gente da minha terra / eu quero ver gente do meu sangue”


Nenhum comentário: