28 de janeiro de 2022

O Cinema no Triênio 1987, 88 e 89

O triênio final dos anos 1980 - 1987, 88, 89 - ainda teve novidades marcantes na cultura pop, ao mesmo tempo em que já anunciava novos tempos em todo esse universo.

Pra mim, foram anos intensos e de muitas mudanças, como já relatei em outros textos sobre esse período.

São Paulo ainda tinha grandes cinemas de rua, como as salas do Gazeta, Genimi 1 e 2 e o Bela Artes que ficavam na região da paulista; Comodoro, Copan, Arouche, Metro, Maraba e outras ótimas salas no centro. Nessa época não havia tanto shopping, então ir ao cinema significava ir pra rua.

O Belas Artes era ótimo porque em seu entorno havia muita coisa acontecendo. Na frente dele, além do bom e velho Riviera, tinha um bilhar e uma lanchonete que ficava 24 horas aberta (o que era raro). Tinha (e ainda tem) o Sujinho e outros lugares para comer.

Eu sempre andei com pessoas muito mais velhas do que eu e nesse inicio de São Paulo, além da Turma que eu conhecia de Piracicaba que morava em SP, também havia as pessoas do trabalho. Eu trabalhava com publicidade e todo esse pessoal gostava de filmes alternativos que geralmente ficavam em cartaz no Belas Artes.

Falar em lançamentos de cinema e música, seja qual for o ano, é algo grandioso em números, então evidente que fiz uma ultra edição e destacarei aqueles que gostei e que lembro bem. Não dá pra falar de tudo, tuuudo!

Esses foram alguns dos filmes que assisti no Belas Artes nesse triênio: Bagdá Café, Betty Blue, Down By Law, Barfly, Coração Satânico, Coração Selvagem, Faça a Coisa Certa, Mais e Melhores Blues, 9 ½ Semanas de Amor, Contos de Nova Iorque, Bird e Kids.

O cinema era o “esquenta”, porque depois do filme era comum ir comer em algum lugar pra seguir noite afora bebendo e tals. As conversas sobre os filmes eram intermináveis e ricas. Depois de assistir Barfly eu tomei um porre homérico! Ainda bem que essa noite acabou em casa mesmo, foi só passar mal e ir pra cama! Esse porre foi para o Bukowski. Não tinha como ficar sóbrio depois de assistir ao filme!

Bagdá Café, Down By Law, Faça a Coisa Certa e Betty Blue foram grandes filmes. Agora um filme que não está dentro desses anos que falo aqui, mas que vale a menção por ter marcado como acontecia nessa época aqui retratada, é o Kids, lançado em 1995. Esse filme deixou a todos boquiabertos e gerou muita conversa de bar. Em tempos de HIV os excessos do filme chamaram a atenção!

Era comum antes de ir ao cinema, dar uma volta de carro para fumar um baseado, e teve muito blockbuster legal de assistir chapado.

Eram tempos em que os efeitos especiais estavam mudando e se percebia isso em filmes como Quando os Fantasmas se Divertem, Batman, Viagem Insólita, As Aventuras do Barão de Munchausen e Amor Além da Vida. Todos eles de alguma forma mexeram com os neurônios. O Batman evidentemente teve um ultra mega marketing. Os cinemas ainda não tinham poltronas marcadas e no Gazeta, onde assisti, foi aquela correria para pegar um bom lugar assim que abriram as portas. Eu me dei bem!

O Último Imperador eu também assisti no Gazeta, mas dessa vez não me dei bem, não. Assisti sentado bem na primeira fila! Havia a sala Gazetinha, a sala Gazeta e a sala Gazetão.

Filme muito esperado foi Uma Cilada Para Rogger Rabbit, de 1988. A interação entre filme e desenho não era novidade no cinema, mas a forma como foi feito Uma Cilada… foi uma completa inovação tecnológica e de captação que abriu caminho para outras técnicas que surgiram depois. Filme bem divertido que fazia a gente ficar pensando em como essa ou aquela cena havia sido feita.

Outros ótimos filmes que completam uma boa coletânea desses três anos são As Bruxas de Eastwick, Sociedade dos Poetas Mortos, Conta Comigo, Nascido Para Matar, Bom Dia Vietnã, Na Cama com Madonna, Um Peixe Chamado Wanda e Corra Que a Polícia Vem Aí. Esses dois últimos preciso citar porque fizeram o cinema vir abaixo de tanta gargalhada. Em Corra… teve um cara que caiu da cadeira de tanto rir. Doía a barriga! Sensacional! Acredito que esses foram os filmes que mais ri em cinema na vida.

Tiveram os épicos A Última Tentação de Cristo, Um Sonho de Liberdade, A Espera de Um Milagre, O Último Imperador, Império do Sol e Os Intocáveis. A Última Tentação… assisti no finado Cine Matarazzo, onde hoje fica o Shopping Bourbon no bairro da Pompeia. A igreja católica ficou horrorizada com A Última Tentação… mas é uma ótima história. A mesma coisa aconteceu em 1985 com o filme Je vous salue, Marie, que foi proibido pela censura. Assisti a uma cópia pirata na época e achamos o filme chato pra caetano!!! Censurar esse troço!?!

Conta Comigo (Stand By Me) eu assisti logo que cheguei em São Paulo. Não lembro qual foi a sala de cinema, mas fui com dois amigos de Brasília que também moravam em SP. Não tem efeito especial algum, mas ganha pela história e pelo elenco. Um desses amigos morava no Bexiga e saindo do cinema fomos pra lá beber e discutir o filme.

O Silêncio dos Inocentes marcou porque eu estava em Campinas e fui assisti-lo com minha namorada que estudava na UNICAMP. O cinema ficava em uma esquina com uma rua dessas de uma só via, estreita. A fila para entrar na próxima sessão estava grande e invadia a rua, onde estávamos. Ao lado do cinema tinha um boteco e algumas casas só de um lado da rua, exatamente onde estava a fila.

Na rua surgiu um opala que diminuiu a velocidade, parou em frente ao bar e disparou vários tiros. A fila se dispersou, o carro arrancou e todo mundo entrou no cinema. Ficamos todos nervosos e aguardando no hall. Vimos carros da polícia chegar, mas não sabemos o que aconteceu. Filmaço que também deixou todo mundo de queixo caído. Agora, se os tiros que vimos acertou alguém, isso eu nunca vou saber…

É muito filme bom! Tem os intensos como Coração Satânico com Robert De Niro arrebentando na interpretação do Diabo, e Mickey Rourke também excelente como anjo e em seu auge como ator; Betty Blue, Faça a Coisa Certa foram outros. Esses filmes marcaram também por causa da trilha sonora. Uma melhor que a outra.

Por falar em trilha sonora, o excelente Down by Law tem 3 protagonistas, entre eles Tom Waits e John Lurie (tem também Roberto Benigni que depois ficou bastante conhecido pelo horroroso A Vida é Bela). Waits e Lurie eram dois nomes em destaque no universo musical alternativo e descolado. O filme é maravilhoso, nem tem o que dizer sobre ele, mas nessa mesma época John Lurie veio ao Brasil com sua banda The Lounge Lizards pra tocar no Free Jazz, quando esse festival era de fato dedicado ao jazz. A noite estava lotada (sala com poltronas) exatamente pra ver o descolado e bonitão Lurie. Antes do show dele, rolou show de Oscar Castro-Neves que fez algo épico com uma banda incrível!

Fiquei estarrecido com o que vi, sem dúvida até hoje um dos melhores shows que presenciei. Pô, era o Oscar Castro-Neves, um gigante da música brasileira e mundial! Daí, ainda chocado pela belíssima apresentação de Castro-Neves, entra no palco The Lounge Lizards e começa a tocar um jazz chinfrin que, comparado ao show anterior, parecia um monte de bebês de fralda tentando fazer algum som com seus instrumentos. O tal Lurie só ficava fazendo pose no palco e assoprava vez ou outra seu saxofone. Um show de muita pose e quase nada de música.

Na 3ª música eu e meu amigo nos levantamos e saímos. Tomamos uma senhora vaia do público e demos muita gargalhada. Foi legal sair do show porque foi como ter que sair no meio do filme pra ir ao banheiro. Todo mundo viu a gente saindo, inclusive a banda hahaha. Jazz poser chinfrin não, né!?!

Antes de terminar esse texto quero registrar aqui algumas coisas da música que estavam acontecendo nesse mesmo período - lembrando que trilhas sonoras eram importantes e faziam parte do que escutávamos:

Bad - Michael Jackson, Like a Player - Madonna, The Joshua Tree - U2, Cloud Mine - George Harrison, Solitude Standing - Suzanne Vega, Sign “O” The Times - Prince, Appetite For Destruction - Guns N Roses, Terence Trent D’Arby, Talk is Cheap - Keith Richards, New York - Lou Reed, Among the Living - Anthrax, …And Justice For All - Metallica, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas - Titãs, Bora Bora - Paralamas, Ideologia - Cazuza.

Quem não assistiu a esses filmes, aconselho assistir a todos eles e, se já assistiu, assista novamente!

14 de janeiro de 2022

O Rock Brasileiro em 1962, 1972, 1992 e 2002

1982 foi um ano marcante para a cultura pop em geral, tanto no Brasil, quanto no mundo. No texto sobre as efemérides nacionais de 1982 eu contextualizo o ano com outros lançamentos na música internacional, no cinema e na televisão. Por isso mesmo, nesse texto aqui só há uma data de 82.

Como digo lá - e lembro aqui - foi o ano em que colocamos o pé, definitivamente, na década de 1980. Novidades tecnológicas e de comportamento surgiram ao mesmo tempo em que costumes dos anos 1970 que ainda tiveram sobrevida em 1980 e 1981, acabaram de vez em 1982. Na música dá pra ver a mudança sonora e visual de artistas e grupos até então progressivos: Yes, Genesis, King Crimson, Pink Floyd, Lulu Santos, Lobão...

Um som mais dançante e pop foi o que começou invadir as rádios com B-52’s, Devo, Duran Duran, New Order, Soft Cell, The Cars, Police, Culture Club, U2, R.E.M. e até Michael Jackson com Quincy Jones acrescentaram pitadas de rock e pop ao fenomenal Thriller. Depois do pós-punk e do gótico, que eram cenas com menos cores e músicas com tendências mais experimentais, a New Wave e New Romantic vieram com tudo, cheios de batidas dançantes e tudo colorido. Os videoclipes começaram a se modernizar e todo o apelo visual dessas cenas foi incorporado pelos fãs que consumiam os discos, revistas, pôsteres, até que no ano seguinte, em 1983, surgiu a MTV. Aí sim a década de 1980 fincou sua bandeira definitiva!

Mas voltemos aos anos que nos trazem datas redondas: 1962, 1972, 1982, 1992 e 2002. Não achei nada de 2012, e se achei deixei de lado por ser irrelevante. Difícil organizar tanta informação e tantos acontecimento relevantes, então antes de tudo colocarei a lista de nascimentos e óbitos. Em relação aos nascimentos, dessa lista, é impressionante o tanto de gente que nasceu em 1962 e praticamente todos os nomes fazem parte da cena de 80 ("Nasci em 62"). Há ídolos da Jovem Guarda, do progressivo psicodélico 70, da geração 80 e também da década de 1990. Há quem complete 80, 70, 60 ou 50 anos.

Nascimento: Nora Ney, Miguel Gustavo Werneck de Souza Martins*, Rogério Duprat, Demétrius, Celly Campello, Albert Pavão, Eduardo Araújo, Sônia Delfino, Evandro Mesquita, Gustavo Mullen, Gerson Conrad, Ary Dias, Baby do Brasil, Juba**, Dadi, Carlini, Nasi, Edgard Scandurra, Branco Mello, Miranda (Produtor), Fernando Deluqui, Ronaldo Passos, Frejat, Fê Lemos, Jão (Ratos de Porão), João Barone**, Guto Goffi**, Paula Toller, Paulo Ricardo, Carlos Maltz (ex-Engenheiros), Maurício Defendi (ex-Ultraje), Cássia Eller, Rogério Flausino, Dengue (ex-Nação Zumbi), Fred Castro** (ex-Raimundos), Rodolfo Abrantes (ex-Raimundos), Xande (Pato Fú).

Óbitos: Miguel Gustavo Werneck de Sousa Martins*, Sérgio Murilo, MinhoK – Celso Pucci (Jornalista e músico, ex-Voluntários da Pátria, ex-Nº2 e ex-3 Hombres), Carlos Imperial (Compositor, roteirista, produtor, apresentador e diretor), Luiz Moreno (ex-O Terço).

* Compôs “Rock’n’Roll em Copacabana”(1957), o 1º rock autoral cantado em português. O intérprete foi Cauby Peixoto. 

** São 4 bateristas que fazem no mesmo mês e em dias próximos!

Veja a lista de alguns álbuns que completam 60, 50, 40, 30 e 20 anos de lançamento: Renato e Seus Blue Caps - Twist, Módulo 1000 - Não Fale Com Paredes, Os Mutantes - Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, Clube da Esquina, Raul Seixas (compacto com “Ouro de Tolo” e “Hora do Trem Passar”), Rita Lee - Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida, Os Mutantes (compacto) “Mande Um Abraço Pra Velha”, Novos Baianos - Acabou Chorare, Cássia Eller - O Marginal, Legião Urbana - Músicas Para Acampamentos, De Falla – Kingzobullshit Backinfulleffect, Herbert Vianna - Ê Batumaré, 1º do Skank, Rodox - Estreito , Magazine - Na Honestidade, Ultraje à Rigor - Os Invisíveis, Sepultura o ao vivo Under a Pale Grey Sky e Revolusongs, Os Paralamas do Sucesso - Longo Caminho, Nação Zumbi 4º disco (o 1º sem CS), CPM22 - Chegou a Hora de Recomeçar, Charlie Brown Jr. - Bocas Ordinárias, Cássia Eller - 10 de dezembro.

Dessa lista já editada, eu contei 6 clássicos a começar por ‘Twist’ 1º do Renato e Seus Blue Caps. Esse disco, que tem uma belíssima capa, conta com a participação de Cleide Alves nos vocais, tem composições de Carlos Imperial, Erasmo Carlos, Rossini Pinto. RSBC foi de suma importância para o rock dos anos 1960 e lançou alguns clássicos. Uma edição dessa em vinil é diamante raro!

Da década seguinte há 3 grandes discos: Módulo 1000 - Não Fale Com Paredes, Clube da Esquina e Novos Baianos - Acabou Chorare. Só com os mineiros e os baianos por todo 1972 a pick up ficaria ocupada. Esses dois discos, diferente do Módulo 1000, tem a mesma direção conceitual já que os dois fazem uma mistura de rock dos anos 1960 e 70 com a MPB, a Bossa Nova, o Frevo, o Samba. Os dois fazendo essa mistura com maestria. São dois discos atemporais que podem ser chamados de obras primas numa boa. Fora o fato de que tanto um, quanto o outro, são carregados de histórias! 

Digo tudo isso sem desmerecer o ‘Não Fale Com ‘Paredes’, mas ele já é mais segmentado, dentro do universo do rock pesado e, além de ser uma referência pra quem gosta desse rock progressivo, é hoje uma raridade procurada por colecionadores do mundo inteiro. É também um grande disco, um clássico do rock brasileiro. Esse disco tem a história de ter demorado a ser lançado e, quando aconteceu, o grupo já estava ensaiando e tocando um novo repertório bem diferente do que foi gravado. Não era fácil lançar discos nos anos 1970!

Em relação aos anos 1980 é preciso ler o texto O Rock Brasileiro em 1982 porque tem muita coisa boa e mereceu um texto a parte, portanto vou direto para os anos 90 que destaco apenas Cássia Eller. Lembro bem que na época o disco não foi bem comercialmente, mas foi melhor que o 1º e público e mídia começaram a falar mais de Cássia. Logo que saiu o disco um amigo de Piracicaba comprou e o que me chamou a atenção de cara foi ter músicas de Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé/PatifeBand e Jimi Hendrix.

Mas esse não foi o disco que a estourou nacionalmente. Fui a um show dela no Aeroanta, sabia que ela tinha começado a carreira em Brasília, foi do Malas e Bagagens, mas não a conhecia. Tem uma apresentação da Cássia no programa Metrópolis da TV Cultura, acho eu que de 1987. Vale muuuito a pena e é o retrato do que ela fazia nessa época. Depois, nos anos de MTV, nos encontramos e conversamos algumas vezes. Muitos amigos em comum...

Tem um momento bonito sobre Cássia Eller no especial qiue fiz com Skank e Nando Reis, durante a entrevista com o Nando quando ele fala de "All Star". Emocionante.

O último dos clássicos listados por mim é o 1º do Skank, lançado primeiramente de forma independente e depois relançado pela gravadora Sony. Tem grandes hits e também dá pra dizer que foi o pioneiro de uma cena que estava pra estourar com Planet Hemp, O Rappa, Pato Fú, Raimundos, Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a, etc.

Skank foi o primeiro grupo dessa geração 90 a lançar disco e também teve uma carreira mais linear em comparação a maior parte dela. As composições sempre foram muito bem pensadas, assim como a produção dos discos, a arte gráfica. O Skank tem suas canções pop de amor e de temas leves, mas nunca abandonou temas mais engajados, e a influência rock. Todos os discos têm as "lado b" que são maravilhosas e nunca vão tocar em rádio. Esse 1º disco é o exato espelho do que se seguiu a discografia do grupo. Sou suspeito, porque além de gostar, respeito muito o grupo.

É preciso também citar ‘Kingzobullshit Backinfulleffect’, disco doido do Defalla que é o retrato do que foi os anos 90 com o crossover, a madchester, o grunge e essas cenas que misturavam influencias diversas, de Beatles, Black Sabbath e Ramones a Run D.M.C e Neil Young. Disco lançado de forma independente em uma época em que o Brasil passava por uma turbulência do mal chamada Fernando Collor. Corajoso e, para o Brasil, um disco pioneiro. Foi nessa época que o Defalla se apresentou no Hollywood Rock.

O grupo veio para São Paulo para participar do festival e aproveitou pra fazer dois shows de lançamento do Kingzobullshit. Os dois shows na mesma noite. Um no Retrô e outro no Der Temple, casas de shows alternativas que fizeram história nos 90. Depois do show no Retrô os equipamentos, grupo e amigos se amontoaram nos carros disponíveis, incluindo meu saudoso Fusca 80.

Ainda sobre lançamentos vale o registro sobre Os Mutantes e Rita Lee. 1972 foi intenso para o grupo: Primeiro lançou o ótimo Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets; depois o grupo recebeu convite para estrear o novo estúdio Eldorado, mas como já havia lançado disco, entrou no estúdio e gravou o Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida, creditado como sendo da Rita Lee. Mais tarde foi lançado o compacto com a música “Mande Um Abraço Pra Velha”. Esse compacto foi o último do Mutantes com Rita Lee, um mês após o lançamento, Rita foi saída do grupo. 1972 mutantemente agitado!

Há 60 anos um evento chocou parte dos pioneiros fãs do rock brasileiro: a “rainha do rock” Celly Campello, que já havia anunciado o fim da carreira de cantora, casou-se com José Chacon, um contador da Petrobrás com quem namorava desde os 14 anos.

Abriu mão do glamour da vida artística para se tornar dona de casa e, antes que as feministas chiem, ela fez isso porque desejava e sua coragem está em sua atitude corajosa e independente em querer ter um tipo de vida contrária da vida de artista. Depois disso, esporadicamente aparecia em programas de TV e eventos. Em 1976 ela até se expôs bastante por conta do sucesso da novela Estúpido Cupido. Grande mulher e pioneira não só no Brasil, mas no mundo!

Para o rock psicodélico, mais precisamente o de Recife, 1972 foi um ano importante porque foi quando o grupo Tamarineira Village estreou. Aliás fez dois shows de “estreia”. O primeiro aconteceu na histórica 1ª Feira Experimental de Música do Nordeste e depois no bar Beco do Barato no Recife. Tudo com poucos dias de diferença. Também logo depois Tamarineira Village se tornou o fabuloso Ave Sangria. E vou dizer aqui pra quem não gosta muito de rock: esse disco tem muita influencia de MPB.

Quando se fala de rock e música brasileira dos anos 70 um dos nomes que logo surge à cabeça de qualquer pessoa é Secos e Molhados. Há 50 anos o grupo estreou a formação clássica com João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso. Aconteceu em SP, na Casa de Badalação e Tédio e foi um show só.

Tem uma data de 1982 que mantive aqui porque ela é curiosa e trata-se de Raul Seixas. Foi nesse ano que, ao entrar no palco para um show, foi acusado de ser sósia dele mesmo. Pois é! O público achou que não era Raul e ele foi preso. Quer saber o resto da história? Assista Rita Lee no papel de Raul Seixas no curta ‘Tanta Estrela Por Aí’ (1992) que está no YouTube.

Pra fechar um grande acontecimento que rolou há 20 anos. Herbert Vianna voltou aos palcos em duas canjas: uma no show de Fito Paez no Canecão e outra no Ballroom durante o show de Reggae B (projeto de Bi Ribeiro). Depois de tudo o que ele passou, incluindo a mudança física, esse fato é incrível e de tirar o chapéu. O mais emocionante de toda recuperação dele foi a força que os amigos deram. Os Paralamas do Sucesso é uma verdadeira família e ela ficou muuuito forte nesse momento. Sensacional! 

1 de janeiro de 2022

O Rock Brasileiro em 1982

Pra iniciar o ano resolvi já soltar um texto sobre o que aconteceu nos anos de 1962, 1972, 1982, 1992, 2002 e 2012 pois terão datas redondas e todo mundo adora datas redondas! Afinal o que aconteceu há 10, 20, 30, 40, 50 e 60 anos? Tem muita coisa pra comemorar em relação ao universo do rock brasileiro.

Apesar de ter as datas, quando resolvo escrever um texto assim, ele requer algumas novas pesquisas e uma organização brutal. Exatamente quando terminei de organizar o conteúdo para começar a escrever, percebi que havia muita efeméride de 1982 – coisa que eu já sabia – então com toda aquela informação, resolvi fazer um texto só sobre esse ano que foi especial e importantíssimo para o que veio a acontecer com o rock brasileiro a partir de então. Após esse texto, na semana que vem, publicarei o texto sobre os acontecimentos gerais desde 1962 (aniversários, lançamentos, curiosidades, etc). É evidente nem nesse ou qualquer outro texto sobre as efemérides do rock brasileiro, não colocarei datas específicas, estou cansado de ser roubado por gente preguiçosa que ama o copy/paste. Aproveite os hiperlinks para mais viagens no tempo. Então vamos ver o que aconteceu há 40 anos:


Ah 1982 foi um ano intenso e delicioso. Eu tinha 12 anos e o ano foi tão legal que me lembro de muita coisa. Inclusive foi o ano em que tomei minha primeira bomba na escola. Estava na 6ª série (7º ano de hoje 2021), Fernanda minha irmã foi para Itália fazer intercambio e no fim dele meus pais foram encontrá-la e ficaram por lá ao menos um mês. Por causa disso, eu e Mila (irmã mais velha) ficamos em Brasília "sozinhos". Ainda morávamos na 111 Sul (bloco D apto 203 – telefone acho que era 243-3044). Pra não ficarmos sozinhos em casa, fomos pro apê da tia Sandra e do tio Ubaldino que ficava no mesmo bloco (no mesmo prédio).

Assim chamávamos (e ainda chamamos) os amigos dos nossos pais. Tio Ubaldino era agrônomo e trabalhava na EMBRAPA com meu pai. Érica, Ricardo e Renato eram os filhos deles e nossos grandes amigos (até hoje). Estudávamos na mesma escola (Colégio Marista, onde tia Sandra era professora) e passávamos os fins de semana juntos, no Iate Clube, em churrascos pelas cachoeiras de Brasília, em casas de amigos no Lago Sul ou Norte também churrascando e boiando na piscina; ou mesmo na quadra com os amigos conversando, jogando bola, escutando um som embaixo do bloco.

Bem, daí eu e Mila fomos pro apê dos Máximo Machado e lá foi uma zona! Tio Ubaldino e tia Sandra também tiraram férias e foram viajar. Todo mundo deu um foda-se para os filhos (no bom sentido), nós adoramos e foi uma maravilha. Não à toa tomei pau na escola!

Foi o ano da inesquecível Copa de 1982 com aquele timaço com Zico, Sócrates, Éder, Toninho Cerezo, Falcão, Serginho, Júnior, Leandro, Oscar, Luizinho e Valdir Perez.

Assistimos o fatídico jogo com a Itália no meu apartamento já vazio porque estávamos indo para a 203 Norte (bloco K apto 402(?) nº do telefone começava com 256). Aquela sala gigante do apê da 111 com uma galera lá, gente em pé, gene sentada no chão, cerveja no isopor e televisão pequena (não me lembro de quem era). Foi uma tristeza só. Nunca mais vi nada sobre esse jogo e essa Copa. Se passa algo na TV eu mudo. Na 1º foto desse texto sou eu e Fernanda em 1982 já no apé da 203 Norte.

Era início de 1982 e tudo estava mudando. Não acho exagero dizer que 1982 foi o ano da ruptura com os anos 1970. Digo isso em relação a cultura pop e universo jovem, mas essa ruptura aparece também em outras áreas. Comportamento, roupas, cinema, música – com os equipamentos e tecnologia que envolviam essas duas áreas do entretenimento em franca evolução.

Foi o ano de ótimos filmes de ficção como Tron, Blade Runner e E.T. – O Extraterrestre. Ainda teve Cat People – A Marca da Pantera, Conan – O Bárbaro, Rambo, Poltergeist, Tootsie, Pink Floyd – The Wall, Liquid Sky e Rio Babilônia. Depois de assistir Tron eu saí do cinema de queixo caído e com mil perguntas. Cat People e Liquid Sky (o qual já escrevi aqui) são obras primas!

Na TV também tinham bons programas como o Som Pop, Quem Sabe, Sabe! e a boa e velha Sala Especial (ainda se produzia pornochanchada). Em 1982 estrearam na TV as novelas Final Feliz, Sétimo Sentido e Sol de Verão; a ótima minissérie Quem Ama Não Mata; e os icônicos programas Viva Noite (do Gugu) e o excelente e inovador Comando da Madrugada do saudoso Goulart de Andrade. Todos esses programas e novelas também fazem parte da mudança de comportamento que estava acontecendo, seja pelo texto, temática, figurino, dinâmica, trilha sonora, etc.

Faziam grande sucesso os programas de humor de Chico Anysio e Jô Soares; e ainda tinha Os Trapalhões.

Pra terminar essa importante contextualização é bom registrar também que 1982 foi um bom ano para a música internacional. Foi o ano que surgiram nomes como Metallica, Public Enemy, Run D.M.C. e The Smiths. Em relação aos lançamentos há grandes clássicos: Thriller (Michael Jackson), The Number of The Beast (Iron Maiden), Rio (Duran Duran), Pornography (The Cure), Tug of War (Paul McCartney), Creatures of The Night (Kiss), Iron Fist (Motorhead), Plastic Surgery Disasters (Dead Kennedys), 1999 (Prince), Combat Rock (The Clash) e The Gift (The Jam). Há muito mais, mas esses já dão uma ideia do que foi aquele ano.

Vindo para o Brasil, dá pra dizer tranquilamente que 1982 foi o ano inicial do rock da geração 80 e foi graças ao que aconteceu nesse ano que o nosso rock fez a história que fez e do jeito que fez. Um ótimo exemplo da intensidade dos acontecimentos é o Barão Vermelho: entre janeiro e dezembro o Barão fez seu 1º show, estreou no Circo Voador, gravou e lançou o 1º disco.

O ano começou com o mega hit “Garota Dourada” do Rádio Taxi, que nessa época também era grupo de apoio da Rita Lee. Lee Marcucci e Wander Taffo, só tinha feras e veteranos no grupo. Não era um grupo dos 80 propriamente dito, mas foi muito importante nesse período, pra abrir as portas ao que viria logo a seguir. Nesse ano, além do compacto, o Rádio Taxi também lançou seu 1º disco. Nesse biênio 1982-83 o grupo fez enorme sucesso, tocava em todas as rádios, estava sempre na TV e nas trilhas sonoras de filmes e novelas, e com agenda cheia (ainda mais quando estourou “Eva”).

1982 também ficou marcado por uma parceria que foi vista de forma errada pelo público e pela mídia, mas que apesar disso ajudou imensamente na divulgação do rock brasileiro: Eduardo Dusek e João Penca & Seus Miquinhos Amestrados. O disco ‘Barrados no Baile’ lançado em 1983 foi o estopim do que começou a ser construído um ano antes. Dusek viu show do João Penca, propôs a parceria e a apresentou ao público no festival MPB-Shell 1982. No mesmo ano estrearam no Rio o show “Barrados no Baile”. Aqui no blog transcrevi uma matéria sobre essa parceria publicada na Pipoca Moderna. “Cantando no Banheiro”, “Rock da Cachorra” e a própria “Barrados no Baile” se tornaram hits eternos.

Esse humor era algo bastante característico de alguns artistas no Rio e a irreverência dessa parceria estava muito próxima ao que a Blitz fazia.

Que fique claro: nesse período tudo era novidade pra nós brasileiros!

É preciso lembrar também que nessa época o rock brasileiro era underground. Único grupo a chegar ao mega estrelato nesse início foi Blitz mas, como o próprio Lobão havia previsto, estava fadado a ser algo efêmero.

De fato, o humor que marcou esse início de rock brasileiro não durou muito, mas foi de suma importância por abrir o caminho nas mídias. Por falar nisso 82 foi quando A Maldita Fluminense FM estreou. Também foi o ano de inauguração do Circo Voador que iniciou as atividades no Arpoador e depois se transferiu para a Lapa, e foi na Lapa que ele fez história.

O Circo era mídia também porque todo mundo que tocava lá aparecia, de alguma forma, nas revistas especializadas da época, tocava na Fluminense e ganhava certo respeito de toda comunidade rock. Eu não preciso listar os artistas que tocaram tanto na Fluminense, quanto no Circo Voador, porque praticamente todos passaram pelos dois.

Ter essa visão macro de tudo o que aconteceu por conta das efemérides é muito legal porque você consegue ver algo surgindo até o momento em que ela explode! Quem estava imerso nesse universo musical, em 82, já sabia que algo iria acontecer. Era questão de tempo.

Digo isso porque o que vou mostrar a seguir dá a exata dimensão do que foi 1982 para o rock brasileiro. Olha alguns dos nomes que surgiram: Camisa de Vênus, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, Os Paralamas do Sucesso, Voluntários da Pátria, Inocentes (1º show), Kid Abelha e Ultraje à Rigor.

Lançaram o 1º disco: ‘Grito Suburbano’ (coletânea punk com Inocentes, Olho Seco e Cólera), o clássico EP ‘Violência e Sobrevivência’ do Lixomania, ‘Tempos Modernos’ do Lulu Santos, Barão Vermelho, 1º compacto do Agentss, Herva Doce (“Erva Venenosa”), Blitz com ‘As Aventuras da Blitz’ e Lobão com ‘Cena de Cinema’.

Você pega 12 nomes dessas duas listas e acrescenta apenas mais uns 4 e pronto: terá o primeiro time do rock da geração 80. 2/3 dos principais nomes do nosso rock começou a traçar seus planos de dominar o mundo em 1982.

A maioria desses nomes já vinha tocando desde 1978-80, mas foram se moldar em 1982. É o caso de Titãs, Kid Abelha, Lulu Santos, Legião Urbana, Capital Inicial e alguns grupos punks de SP.

Ao mesmo tempo, em relação ao comportamento do jovem, os patins eram moda, mas as discotecas estavam no fim. Casas noturnas alternativas e danceterias começavam a dominar a noite e foi nelas que essa nova geração do rock começou a tocar.

Perceba que neste ano grandes grupos começaram a compor seus repertórios iniciais, que depois viriam a ser recheados de clássicos que tocam nas rádios até hoje. Esse é o caso de Ultraje à Rigor, Paralamas, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, Camisa de Vênus, Gang 90 & Absurdettes, entre outros.

Por toda sua importância pode haver quem diga que 1982 ainda não acabou, mas ele teve um fim sim. Em 1983 muitos desses grupos, ainda no underground, lançaram seus 1º compactos e discos, mas isso é história para 2023.