1 de julho de 2019

Série O Resgate da Memória: 50 - Magazine (Revista Roll, 1983)




Os Heróis do Brazil
(Por E.L.)

A reportagem é da Revista Roll, nº 3, dezembro/1983.
(A transcrição é literal, com os erros inclusos)



O orgasmo vai caindo para molhar os chapéus garoados. De SP para o planeta, acaba de sair do forno o primeiro LP do grupo Magazine, banda que liderou os hit-parades do Acre ao Uruguay, com o bem bom hit “Eu sou Boy”. Aliás, com este estouro de execução, ficou bem mais complicado explicar qualquer estrutura programática que resulte em fórmula de sucesso. Nem kriptonita verde nem espinafre biotômico: o buraco de um disco é sempre no centro.

Kid Vinyl, condutor espiritual e vocalista do Magazine, vem, há algum tempo, escorregando no sebo de uma trajetória repleta de tentativas, demo-tapes e créditos abstratos pela ensandecida noite da Paulicéia. Kid, o renitente band-maker. Mr. Vivyl, o insistente band-leader. Verminose foi uma das bandas capitaneadas por este Lolly-Herói do Brasil-pop. Era um conjunto que pendia ligeiramente para alguns climas hard-cores, ao lado de hard-times em vários hard-stages. Para os de esgarçada memória, vale a pena lembrar do “Mocidade Independente” programa tipo supermercado de idéias, produzido por Nelsinho Motta e May East para a TV Bandeirantes, nos idos de 81, quando aconteceu o magnífico debut de Kid Vinyl e a banda Verminose.

Um prewiew daquela missão básica que o R&R brasileyro viria formalmente a cumprir pouquíssimos meses depois. E, junto destas desarvoradas previsões, lá estava o genial tape do Verminose, onde bobagens, cosmopolitismo e intolerâncias jorravam lindamente.

Toda vez que eu entro em depressão
Eu corto o braço e faço kibe crú
A minha vida não é mole não
Não é champanhe
É álcool zulu

É uma temeridade saber que convivemos com a gigantesca burrice positivista de quase todos críticos e comentaristas e resenhistas de música do Brazyl. Noventa e nove mil por cento ainda clamam, tossem e vomitam em prol de uma linha “evolutiva” da senhora MPB, que, coitada, já possui varizes até a alma

E além desta busca incenssante por “Progresso e evolução”, brandam melancolicamente por um “mapeamento musical” das quarenta e sete mil regiões brasileiras, sempre amparados por reminiscências éticas adquiridas em cantinas universitáriasAquela old old old estética que persegue uma emolduração dourada da miserabilidade (sic) sertaneja, das zabumbadas de poncho Y conga, etc e tal, etc e tal.

Fica ululantemente óbvio que o Magazine não interessa nada saber se todas cantoras nordestinas foram alimentadas na infância com danone de calango, ou se Dona Tema de Lara vai sair na trilionésima comissão-de-frente no carnaval de 1984. Salve-se quem puder.

Eu sei que você sabe que eu não sei
Que você sabe que eu sei

Bom, mas esta matéria rodopiou too much. Fazendo um retorno ao prólogo do sermão, gostaríamos de lembrar que estamos comemorando este disco; M-A-G-A-Z-I-N-E. Portanto, queridos leitores, não é necessário justificar-se altitude nenhuma. O disco do Magazine chega trazendo uma bomba de juvenília inevitável para quem tiver ouvidos e estradas limpas. É importante saboreá-lo faixa a faixa, nesta fabulosa orgia de urbanidade, que tanto poderia agradar a um sambista da Mongólia como ao garoto new-wave de Nova Iguaçú. 

Anulados estão os konceitos de “seriedade e elevação”. Para Kid Vinyl e seus demolidores rapazes (Trinkão, bateria; Lu Stopa, baixo e vocal; Ted Gaz, guitarras, teclados e vocal) todos podem e devem dançar sem pudor em cima do Cristo Redentor. Ah, e por falar nisso, “Psicodelismo em Ipanema”, hit adorável do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados é considerada pelo Kid Vinyl como “melhor música do ano”. Creio que todos nós concordamos: é literalmente impossível não se gostar desta peça do Mago Leandro. Deus salve os Miquinhos.

Freio é coisa que existe
Só pra enfenitar

O Magazine não tem medo de vespas e marimbondos, portanto podem receber (de mão beijada) todo aquele clima moleque inaugurado por Lamartine, Assis Valente, e, later, arredondado por visões e versões da Jovem Guarda, um tempo que juntou alegria aos quadris. “Para mim”, fala Vinyl, “ a Jovem Guarda foi o primeiro momento onde tomei pé naquilo que chamam de música. Adoramos tudo que foi feito e gravado naquela fase”.

Não é à toa, então, que o Magazine incluiu duas regravações de covers geniais de Wanderléia: “Meu Bem Lolly Pop” e “Não” (Juventude Twist), esta última numa antiga versão do Big Tremandão Erasmo. Surgiram duas canções geniais, altamente dançáveis e que completam um panorama exato de um Jovem Guarda revisited. Finalmente resgataram Wanderléia do exílio em Honolulu. O Magazine adora mini-saias e namoros com segundas intenções. Trata-se de um bando de maníacos.

Eu fui no laboratório de análises clínicas
Fazer meu exame de bilirrubina
No exame de urina deu criolina
Criolina na urina
Carolina na janela
Com seus olhos tão imundos É tanta dor de todo mundo
Carolina tá com Chico
Chico tá com criolina

Retomando o antigo e bom trajeto do rock, da juventude sem calça, do tabefe no cinema e da grande Inutilidade Sistemática do Tudo e Todos, os carros voltam a ficar vermelhos e os rostinhos ruborizados. O MA-GA-ZI-NE chegou derrubando as marmitas e sobrevoam lépidos e serelepes os negros tempos: fuscão, feijão e felizes ferocidades. De grão em grão, chegamos em 1984.

Você é feito de aço
Fez meu peito em pedaço
Também aprendeu matar