27 de dezembro de 2020

O Lado Esnobe na MTV

Os egos na MTV sempre foram aflorados. Apesar de ninguém lá ser genial, não faltava gente que se considerava a última bolacha do pacote. Eu observava essas coisas e ficava com pena da pessoa. Sabe esse lance da pessoa que se acha “a descolada”, mas não mostra ao que veio? Pois então...

A coisa toda só piorou quando, em 1994, a geração dessa década começou a se destacar e a lançar discos - tem gente que acha que ser amigo de artista lhe dá algum poder especial.

Daí um pessoal que trabalhava lá começou a ser amigo de artistas e, se o ego já era algo chato de aguentar antes disso, imagine depois!!! Mas essa coisa de se achar especial só porque conhece artista, não era e nunca foi algo apenas do universo musical, de TV e rádio, etc.

Na vida normal acontece a mesma coisa. Lembro em Brasília, depois que Plebe, Legião e Capital estouraram, muita gente que nunca teve nada a ver com a Turma da Colina se aproximou e eram justamente essas pessoas interesseiras que, uma vez próximas dos músicos, pronto, empinavam o nariz.

Eu que conhecia aquele povo todo desde moleque observava aquilo e essas pessoas mal sabiam que, na verdade, eram motivo de piada. Sabe quando a falsidade fica escrita na testa?

Enfim, iniciei esse texto com essa introdução para poder contextualizar o ambiente o qual quero dizer aqui.

Então quando entrei na MTV levei comigo, óbvio, toda minha história pessoal. Costumo brincar dizendo que tenho dois carimbos de caipira (com muito orgulho!): nasci em Piracicaba, interior de São Paulo; e cresci em Brasília, interior de Goiás.

Entrei na MTV já conhecendo os bastidores da música, desde pequeno convivendo no ambiente de ensaios, shows, gravação de demos, composições, etc. Os grupos de Brasília, desde 1983, já apareciam nas principais publicações da época como a Som Três, a Roll e a Bizz. Sempre que possível eles também participavam de programas de TV, o que era mais difícil já que eram de BsB. Mas, por exemplo, Capital Inicial participou do Fábrica do Som ainda em 1983, quando foi pra SP fazer show.

Depois surgiram outros programas jovens, principalmente na Globo e na Manchete, e o pessoal sempre participava deles: Clip Clip, Perdidos na Noite, os musicais do Fantástico (Paralamas desde 1983), e tantos outros programas da TV Manchete.

Quando cheguei à MTV meus amigos já estavam no 4º, 5º discos lançados na carreira. Quando cheguei lá já tinha minha história como músico e nem almejava mais a carreira na música. Minha história com o Rock de Brasília já existia assim como fato de eu ser o motivo da existência do Raimundos, mesmo que naquela época o Raimundos ainda não era conhecido.

Além de minha história com Brasília, eu também tinha uma história SP, porque frequentava estúdios, também tinha amigos músicos, ia em passagens de som, entrava em shows de graça, ia em festas de gravadoras, assistia a ensaios e gravações de disco...Na segunda metade dos 80 houve uma cena underground / alternativa / independente forte em SP que tocava no Aeroanta, Teatro Mambembe, Espaço Off, Broadway, Sesc, Projeto SP e outros lugares mais antigos que ainda existiam como Madame Satã e Rose Bom Bom.

Vi Raul Seixas na cadeira de rodas chegando ao estúdio Vice-Versa pra acabar de colocar as vozes no disco A Panela do Diabo; certa vez sai do Aeroanta aos papos com Caetano Veloso; frequentava camarins, rádios e TVs, e todos os estúdios profissionais; vi Titãs brigando aos berros durante ensaio para gravação do disco Jesus Não Tem Dentes...

Nunca usei essas coisas pra me gabar ou me achar especial, até porque seria ridículo. 

Então eu via aquelas pessoas na MTV se achando As Bacanas Descoladas e internamente dava risada. Achava tudo aquilo ridículo. Como eu não fazia parte de panelinha alguma, então cagava e andava para a pose que essas pessoas faziam.

Estava feliz da vida em poder trabalhar com duas coisas que eu amava: música e televisão, então minhas urgências eram outras, e não ficar fazendo pose.

Não quero aqui parecer arrogante com essas colocações, pelamordedeus, longe disso. Não sou especial e nunca me senti como tal, mas quero apenas dizer da certa “experiência” que eu já tinha com os bastidores do universo fonográfico apesar dos meus poucos 23 anos.

Tinha gente lá que morria de inveja quando chegava algum artista amigo meu e perguntava por mim, obrigando alguém a ligar pra minha mesa pra dizer “fulano está aqui e quer te ver". Eu não sabia desse negócio da inveja, mas um dia me disseram que isso acontecia.

Esse pessoal da MTV que falo chegava até a forçar certa amizade com artistas e que nem sempre surgia espontaneamente...  não sei explicar bem, mas fato é que não era algo 100% espontâneo.

Mesmo tendo crescido no universo do movimento punk, eu sempre ouvi e gostei de música caipira e música brasileira em geral. Nunca abri mão da boa música brasileira.

Por causa de meu pai eu escutava Alvarenga & Ranchinho, Tonico e Tinoco, Rolando Boldrin, Renato Teixeira, entre outros artistas da música caipira (que não é sertaneja!!!). Além disso, também toda aquela geração da MPB que se firmou nos anos 70. Por causa de Brasília também escutei desde cedo Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Milton e Clube da Esquina e mais um monte de coisas de raiz, bem brasileiras, de cultura local. Coisas que, por exemplo, nos anos 90 Chico Science e Mestre Ambrósio fizeram o favor de mostrar. Brasília era e é uma mistura de culturas e tudo isso sempre fez parte da vida de quem morou / mora na capital.

Quando o mercado de CD explodiu nos anos 90, eu comecei a comprar tudo que eu tinha em vinil e também a procurar coisas novas que até então eu não tinha muito acesso, digo de música brasileira. Nesse período as gravadoras resgataram muitos discos clássicos de seus arquivos e os relançaram em edições especiais, coletâneas, etc.

Isso foi uma maravilha! Assim eu saiu a caixa do Luiz Gonzaga comprei a minha.

A Vanguarda Paulista é outra cena que sempre gostei muito e que também nada tinha a ver com MTV, e tudo que saia em CD eu comprava, até porque nunca tive vinil de nenhum desses artistas, apenas fitas cassetes.

Passei a levar esses CDs para a MTV para colocar de música de fundo nos programas que eu fazia como Na Chapa e Teleguiado.

Tinha gente que tirava sarro da minha cara quando me via com um CD do Jackson do Pandeiro, quando eu colocava um CD do Almir Sater e coisas assim.

Em todos os departamentos da MTV havia aparelho de som. Eu escutava tudo o que recebia – e recebíamos sacolas e mais sacolas das gravadoras – até porque além de ser meu trabalho, eu ouvia de curiosidade, mesmo sendo Vinny ou Alexandre Pires. Era absolutamente normal também tirarem sarro da minha cara por eu escutar tudo, e não só o que não era rock descolado.

Certa vez estava eu no departamento escutando O Descobrimento do Brasil, que era o mais recente da Legião, e passou uma pessoa e fez uma piada com a situação (não lembro o que foi dito) mas eu, também na brincadeira, prontamente retruquei dizendo para a pessoa que não era eu que um dia tive pôster do Cinderalla, Skid Row e Bon Jovi no quarto. Como a pessoa era dessas que queriam ser descoladas e escutavam Beastie Boys e Beck, então ela ficou sem graça e, sem jeito, veio até mim pedir baixinho para que eu não falasse mais aquilo. Eu dei risada, disse pra ela ficar tranquila e que eu não tinha esse passado vergonhoso. Mais tarde eu disse a ela: muito grupo que você escuta hoje, eu escutava há 10 anos no minimo. Mais uma vez ela ficou pequena.

Isso era chato, ter que aguentar esse pessoal que se achava descolado só por estar na MTV. Coisa mais boba.

A mesma coisa acontecia quando me viam ler a Contigo. Tiravam sarro, pela revista ter esse perfil de fofoca de novela, mas na verdade era a principal revista sobre TV. Era onde se falava algo de bastidores, uma entrevista com Denis Carvalho aqui, Jorge Fernando ali... E ninguém se tocava disso, até eu dizer essas coisas sobre a Contigo. Aí faziam cara de bunda. Até tinham outras revistas de TV que chegavam na MTV, mas a de maior peso sempre foi a Contigo. Era uma época que não havia computador ou celular

E tinha gente lá que levava a sério essa coisa de ser amigo de artista. Tem gente que usa isso pra ficar em evidência nos bastidores. Faz parte da política, se ser descolado, de marcar território em alguma panelinha e assim conseguir trabalhos.

Cada um faz o que quer. Eu não tinha e não tenho nada a ver com isso. Só não aceitava a arrogância desse pessoal que queria parecer o que não era e ainda se achar no direito de tirar sarro do que não era "descolado".

Esse troço de fazer pose, ao mesmo tempo em que é ridículo, também é triste, por isso, o meu sentimento era de pena dessas pessoas.

1 de dezembro de 2020

O Rock Brasileiro em dezembro...

Já escrevi textos sobre os principais acontecimentos de vários meses. Alguns não escrevi, e agora pretendo preencher os que ainda faltam. Dezembro é um deles...

Para o mercado de entretenimento dezembro é sempre um bom mês, já que há o Natal e as vendas de tudo em geral aumentam, e isso não é diferente para o mercado fonográfico.

Dezembro é mês de boas energias por ser férias escolares, ter férias coletivas, festas de Natal e réveillon, viagens para praia, clima de missão cumprida, etc. Então lançamentos, shows, eventos são sempre bem vindos!

A chegada do verão que é a estação das tendências, é também ponto inicial para novos projetos. É quando muitas áreas fazem o balanço do ano, no caso da música, por exemplo, sempre há listas dos melhores, dos destaques, essas coisas.

Tem muita gente que acha que essa coisa de listas e premiações só foi acontecer nos anos 1990 com o Video Music Brasil da MTV, mas essas listas/comemorações/premiações já existem desde a década de 1960. A Jovem Guarda teve muita força, ganhou espaço nas mídias da época e elas faziam seus especiais, sejam em listas de revistas e jornais, seja nas rádios ou em programas de TV. Nos 80 havia a votação da Bizz, mas não conta muito já que era manipulada...

Os anos 1970 foram bastante ricos nesses eventos e também em shows.  Durante alguns anos no miolo dessa década acontecia em SP a Semana do Rock’n’Roll com shows e depois o TroféuRock que era a premiação do melhor do ano. Raul Seixas, O Terço, Joelho de Porco, Secos e Molhados, Som Nosso de Cada Dia e tantos outros se apresentaram e/ou ganharam prêmios.

Ao contrário do que muita gente pensa, o rock brasileiro dos anos 1970 foi bastante ativo com lançamentos festivais e shows. Muitos desses shows aconteciam em teatros já que não havia lugares específicos para rock.

Para se ter uma ideia em 1974 foram gravados cerca de 20 discos de grupos brasileiros, aconteceu algo em torno de 300 shows e mais de um milhão de cópias vendidas de discos de rock brasileiro.

Foi em dezembro de 1972 que o Secos e Molhados com a formação clássica estreou. Outra grande estreia que aconteceu no mesmo ano foi a do grupo de Recife Tamarineira Village que, dois anos depois se tornou o cultuado Ave Sangria. Fato de suma importância para o Rock Psicodélico do Recife e do Brasil! Foi também em dezembro que o Ave Sangria fez o lendário show ‘Perfumes Y Baratchos’.

Essa coisa de eventos especiais está na raiz da história do rock brasileiro. Foi em dezembro de 1956 que aconteceram dois grandes fatos para sua história. O 1º foi a realização do 2º Grande Concerto Brasileiro de Jazz que aconteceu no RJ e pela 1ª vez um grupo, no caso o Grupo Farroupilha, tocou temas de rock.

O outro foi a estreia nos cinemas do filme ‘Ao Balanço das Horas’, o famoso ‘Rock Around The Clock’. Foi por causa desse filme que em outubro de 1955 foi gravado o 1º rock no Brasil, e era a música tema do filme aqui no Brasil interpretada pela cantora de boleros Nora Ney.

O impacto na vida dos jovens foi tão grande que em São Paulo o então prefeito Jânio Quadros proibiu a exibição do filme. O rock é um fenômeno também por ter esse poder de incomodar mesmo não fazendo parte do mainstream.

Ao mesmo tempo em que tudo isso acontecia, Agostinho do Santos gravou “Até Logo, Jacaré”, regravação ultra bem sucedida de “See You Later, Alligator”, lançada em janeiro de 1957. Ou seja, logo em seu 1º anos de vida, o rock brasileiro já invadiu o verão como nova tendência. Depois disso ele nunca mais parou!

Sérgio Murilo, Beat Boys e outros artistas da 1ª geração do rock brasileiro tiveram lançamentos em dezembro. Assim como artistas da Jovem Guarda como Renato e Seus Blue Caps, Sérgio Reis, Roberto Carlos e outros tantos.

Lembrando que aqui não falo de todos os lançamentos!

Mas mesmo assim dezembro foi mês de lançamento de músicas como “Brotinho de Biquini”, “Coração de Papel”, “Meu Bem Não me Quer”, “Negro Gato”, “Eu Te Darei o Céu Meu Bem”.

Lançar hits no verão é até tradição. Nos anos 80 houve uma chuva torrencial deles. Um dos mais significativos foi “Uma Noite e Meia” da Marina Lima. Mas assim com,o no início de toda essa história, muitos hits do rock 80 começaram a tocar em dezembro e janeiro.

Blitz, Legião, Lobão, Ultraje, Paralamas, Hanoi Hanoi, Brylho, Cazuza, Barão... a lista de artistas que colocaram hits chiclete as rádios vai longe!

“Pro Dia Nascer Feliz”, “Será”, “Faroeste Caboclo”, “Egotrip”, “Inútil”, “Rock Europeu”, “Somos Quem Podemos Ser”... Tem um monte delas. Essas citadas foram lançadas em dezembro, mas há muitas outras que foram lançadas em discos durante o ano, mas que estouraram no verão.

Desses lançamentos vale destaque para “Pro Dia Nascer Feliz” do Barão Vermelho. Soltar no mercado esse compacto foi um belo tiro da gravadora já que o Brasil vivia o clima da abertura política e também estava completamente envolvido pelo clima do Rock in Rio. Outras duas músicas que chegaram ao Rock in Rio absolutamente estouradas foram “Óculos” do Paralamas, e “Inútil” do Ultraje. Inclusive Paralamas tocou ‘Inútil” no Rock in Rio e citou o Ultraje. Apesar de Roger Moreira estar no palco assistindo ao show, ele não foi chamado para participar.

Também não citei mais músicas do Legião pra não parecer que estou “enchendo linguiça”, já que a maioria dos discos do grupo foram lançados no fim de ano.

‘Que País é Este?’, ‘V’, ‘O Descobrimento do Brasil’, ‘Músicas para Acampamentos’ foram discos lançados propositalmente pensando nas compras de Natal, mas praticamente todos os discos – tirando o 1º - chegaram às lojas no 2º semestre.

Seguindo esse exemplo, dos anos 1990, o Skank lançou os dois primeiros discos também em dezembro. Ainda dessa geração o 1º do O Rappa também saiu no mês do Natal.

Em dezembro também há datas de nascimento e morte de artistas.

Foram quatro os falecimentos: Em 1983 Claudio Killer, tecladista do João Penca, morreu em um trágico acidente doméstico por causa do gás aberto; em 1989 o compositor e hitmaker Joe Euthanázia morreu em um acidente de carro (Entre outras, “Tudo Pode Mudar” e “Mintchura” são dele); em 2001, a mais impactante delas que foi a de Cássia Eller que, apesar de já ter então 10 anos de carreira profissional, estava em plena ascensão com os lançamentos do ‘Acústico” e do ‘Com Você...’. A mais recente aconteceu em 2018 que foi a morte do guitarrista Guto Barros que tocou na Blitz e no Lobão e Os Ronaldos.

Foram tristes perdas e todas pegaram público, amigos e familiares de surpresa.

Entre os nascimentos destaco o aniversário da inigualável Rita Lee, a eterna ‘Princesa do Rock’ (já que Celly Campello é a Rainha). Bem na virada do ano comemoramos também essa ótima data!

E não é por ser 31 de dezembro o último dia do ano que as coisas não acontecem!

Houve shows de estreia de artistas nos anos 70, e também houve com artistas que estouraram nos anos 90.

Digo estouraram nos anos 1990 porque o Raimundos, que surgiu nos anos 1980 e fez seu 1º show no réveillon 1987/88 na casa do Gabriel Thomaz, só foi fazer sucesso na década seguinte.

Agora, provavelmente a data mais curiosa de todas, até por ter acontecido em 31 de dezembro, é essa: depois de uma discussão com o grupo, André Jung saiu do Titãs, com quem gravou o 1º disco. Poucas semanas depois ele entrou para o Ira!

Essa foi a saga do rock brasileiro em dezembro, e que venha um ano novo cheio de amor e saúde pra todo mundo!