6 de dezembro de 2010

Série Anos 1990 SP: 9 – 1994 O Ano da Mudança

Então a cena roqueira brasileira entrou nos anos 1990 com cara, jeito e postura de rock americano. Não havia outra maneira, pelo menos era o que se pensava em SP. Ou sua banda cantava em inglês ou estava fora da moda. Até tinha uma ou outra que se arriscava no português, mas era peixe fora d’água, vista com certo desdém.

Mas fora de SP, apesar de também ter as bandas americanas, não havia esse preconceito todo com a língua portuguesa. Esse preconceito era exclusivo de São Paulo. Em Brasília já havia uma cena com Raimundos, Little Quail e Maskavo Roots; em Belo Horizonte o Skank e Pato Fú; no Recife com Chico Science e Fred 04. Ao contrário do Juntatribo, o Abril Pro Rock e o Superdemo tinham mais bandas que cantavam em português.

Entre 1990 e 1993 as bandas americanas e as bandas covers dominaram o cenário, mas a partir daí a coisa começou a mudar. Acredito que muito por causa da chegada do Plano Real. A estabilidade na economia trouxe ânimo nas gravadoras para novas contratações. O rock voltou às boas vendas, e um exemplo disso é o próprio mercado com MTV; as rádios 89, 97 e Brasil 2000; as revistas Showbizz e Rock Brigade. A partir de 1994, com novo governo e a certeza de moeda estável, os festivais ganharam mais força (Hollywood Rock, Monsters of Rock, Free Jazz, BHRIF e outros).

Em 1993 já se falava em Skank, O Rappa, Planet Hemp, Pato Fú, Raimundos, Little Quail, Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a. Bandas compostas por uma rapaziada que já estava na ativa durante os anos 1980 e que desde sempre compuseram em português.

Além dessa parceria Banguela-Warner, houve também a criação, por parte da então Sony Music, do selo Chaos-Superdemo. E foi dessas duas iniciativas que surgiu uma nova cena do rock brasileiro cantado em português, e que teve a importante ajuda da MTV com todas as suas criações de incentivo.

Em 1994 o ano já abriu com a assinatura de parceria entre o selo Banguela e a gravadora Warner. O primeiro lançamento dessa parceria foi o Raimundos e aconteceu em abril, mesmo mês em que Chico Science & Nação Zumbi fez show de lançamento do ‘Da Lama ao Caos’ em São Paulo (gravado pela MTV). Em agosto veio o 'Gol de Quem?', segundo do Pato Fú. Dois meses depois, em outubro, foi a vez de ‘Calango’ do Skank e de ‘Samba Esquema Noise’ do mundo livre s/a, e em dezembro o primeiro do O Rappa. Ainda em 1994, no show de lançamento do Raimundos no Aeroanta (também gravado pela MTV), o Planet Hemp fez o show de abertura deixando todo mundo de queixo caído. Foram seis lançamentos que fizeram de 1994 um ano marcante.

Daí ao final de 1994 caiu de vez à postura americana que havia invadido a cena brasileira. O forrócore do Raimundos, o maracatu de peso do CSNZ, o dancehall abrasileirado do Skank e as esquisitices do Pato Fú e as músicas de protesto do O Rappa acabaram fazendo sucesso e incentivando outras bandas e outras contratações.

Muitas das bandas que cantavam em inglês, ou logo acabaram ou tentaram compor em português e depois acabaram. Fato é que nenhuma fez grande sucesso.

Em SP o circuito continuava o mesmo: Aeroanta, Der Temple, Dama Xoc, Garage e aos poucos surgiram outras como o Urbano no centro, Empório Cultural na Vila Madalena, o Brittania. Outras bandas também surgiram em São Paulo como Las Ticas Tienen Fuego e Los Sea Dux. O PUS e o Viper passaram a compor em português. Todo mundo continuava a se encontrar nos bares, botecos e shows da cidade, mas agora o clima tinha mudado. Todo mundo queria buscar uma chance nas gravadoras e, principalmente, na MTV. Todo mundo queria fazer clipe, porém era caro. Mas para muita banda a MTV passou a ser vista como porta de entrada para alguma gravadora. Essa mudança, pelo menos pra mim, só veio a confirmar o que um monte de gente que se dizia amante de música na verdade queria: apenas fama e massagear o ego. A música era mero detalhe.

Digo isso porque lá dentro da MTV era latente o desespero de algumas pessoas pelo sucesso, por querer aparecer. Chegava a ser triste ver as bandas americanas perdidas sem saber o que fazer no meio daquela nova cena brasileira e, pior, sem o menor jeito para compor em outra língua.

Dentro dessa cena underground paulistana 95% dos músicos iam de acordo com a onda. Faltava personalidade. Em 1993 tinha grunge que se dizia fã de Mudhoney, mas que em 1991 amava Bon Jovi. Esse mesmo cara, em 1997, passou a dizer que a música não seria nada se não fosse Jackson do Pandeiro, artista que menosprezava no auge do grunge. Eram pessoas que dançavam conforme a música.

Então o cara que tocava com sua banda grunge no Der Temple em 1993, cinco anos depois estava batalhando espaço com sua banda de frevocore ou de sambacore. E hoje provavelmente deve estar montando uma banda de happy rock. Não há problema em descobrir novos sons e mudar de gosto. O problema é depois ficar escondendo que gostava de Bon Jovi e de passar a gostar de Jackson do Pandeiro como se nunca tivesse falado mal de sua música. O problema é o desespero em fazer qualquer coisa para ter sucesso (???).

Lembro de assistir a edição do Superdemo em Brasília, em 1995, e em sua escalação tinha apenas uma banda de metal que cantava em inglês o resto todo cantava em português. Em São Paulo teve uma edição fracassada do festival que também só tinham bandas que cantavam em português: Acabou La Tequila, Cambio Negro e Rip Monsters (que já não cantava em inglês).

A cada ano que passava a MTV ganhava mais força e respeito. Em seus primeiros anos, por causa da crise e da desconfiança, ela chegou a produzir videoclipes para algumas bandas com a intenção de incentivar produções desse tipo. Acho que foi em 1994 que a MTV, também como incentivo ao mercado, inventou o Banda Sim, grupo de artistas novos que assumidamente tiveram uma força da emissora. Não lembro quais eram, mas Pato Fú, Planet Hemp, Maskavo Roots e O Rappa estavam entre elas. Isso foi legal, surtiu efeito. E pra chutar o balde de uma vez, em 1995 foi criado o Video Music Brasil.

Tudo isso deu tão certo que o mercado de videoclipes não só cresceu como também encareceu. Para as principais produtoras independentes (que trabalhavam basicamente com publicidade) o clipe se tornou uma vitrine, tendo tratamento de super produção. “Segue o Seco” de Marisa Monte é um bom exemplo.

Já a partir de 1995 ninguém mais lembrava dos negros anos de 1990 a 1993. Parecia outra década. O rock brasileiro ganhou uma nova força, e até virou mania buscar sonoridades brasileiras para misturar com rock (olha a falta de personalidade!). Pra completar essa mudança de cenário, lá fora o grunge morreu e o britpop começava a invadir o universo pop.

PS: Nota-se que esse complexo de banda americana que dominou a cena paulistana fez com que nessa retomada do rock brasileiro não houvesse nenhuma banda de São Paulo entre os novos nomes que surgiram nas gravadoras em 1993-95, apesar da MTV e das grandes gravadoras estarem de olho...









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