Mas fora de SP, apesar de também ter as bandas americanas, não havia esse preconceito todo com a língua portuguesa. Esse preconceito era exclusivo de São Paulo. Em Brasília já havia uma cena com Raimundos, Little Quail e Maskavo Roots; em Belo Horizonte o Skank e Pato Fú; no Recife com Chico Science e Fred 04. Ao contrário do Juntatribo, o Abril Pro Rock e o Superdemo tinham mais bandas que cantavam em português.
Entre 1990 e 1993 as bandas americanas e as bandas covers dominaram o cenário, mas a partir daí a coisa começou a mudar. Acredito que muito por causa da chegada do Plano Real. A estabilidade na economia trouxe ânimo nas gravadoras para novas contratações. O rock voltou às boas vendas, e um exemplo disso é o próprio mercado com MTV; as rádios 89, 97 e Brasil 2000; as revistas Showbizz e Rock Brigade. A partir de 1994, com novo governo e a certeza de moeda estável, os festivais ganharam mais força (Hollywood Rock, Monsters of Rock, Free Jazz, BHRIF e outros).
Em 1993 já se falava em Skank, O Rappa, Planet Hemp, Pato Fú, Raimundos, Little Quail, Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a. Bandas compostas por uma rapaziada que já estava na ativa durante os anos 1980 e que desde sempre compuseram em português.
Além dessa parceria Banguela-Warner, houve também a criação, por parte da então Sony Music, do selo Chaos-Superdemo. E foi dessas duas iniciativas que surgiu uma nova cena do rock brasileiro cantado em português, e que teve a importante ajuda da MTV com todas as suas criações de incentivo.
Em 1994 o ano já abriu com a assinatura de parceria entre o selo Banguela e a gravadora Warner. O primeiro lançamento dessa parceria foi o Raimundos e aconteceu em abril, mesmo mês em que Chico Science & Nação Zumbi fez show de lançamento do ‘Da Lama ao Caos’ em São Paulo (gravado pela MTV). Em agosto veio o 'Gol de Quem?', segundo do Pato Fú. Dois meses depois, em outubro, foi a vez de ‘Calango’ do Skank e de ‘Samba Esquema Noise’ do mundo livre s/a, e em dezembro o primeiro do O Rappa. Ainda em 1994, no show de lançamento do Raimundos no Aeroanta (também gravado pela MTV), o Planet Hemp fez o show de abertura deixando todo mundo de queixo caído. Foram seis lançamentos que fizeram de 1994 um ano marcante.
Daí ao final de 1994 caiu de vez à postura americana que havia invadido a cena brasileira. O forrócore do Raimundos, o maracatu de peso do CSNZ, o dancehall abrasileirado do Skank e as esquisitices do Pato Fú e as músicas de protesto do O Rappa acabaram fazendo sucesso e incentivando outras bandas e outras contratações.
Muitas das bandas que cantavam em inglês, ou logo acabaram ou tentaram compor em português e depois acabaram. Fato é que nenhuma fez grande sucesso.
Em SP o circuito continuava o mesmo: Aeroanta, Der Temple, Dama Xoc, Garage e aos poucos surgiram outras como o Urbano no centro, Empório Cultural na Vila Madalena, o Brittania. Outras bandas também surgiram em São Paulo como Las Ticas Tienen Fuego e Los Sea Dux. O PUS e o Viper passaram a compor em português. Todo mundo continuava a se encontrar nos bares, botecos e shows da cidade, mas agora o clima tinha mudado. Todo mundo queria buscar uma chance nas gravadoras e, principalmente, na MTV. Todo mundo queria fazer clipe, porém era caro. Mas para muita banda a MTV passou a ser vista como porta de entrada para alguma gravadora. Essa mudança, pelo menos pra mim, só veio a confirmar o que um monte de gente que se dizia amante de música na verdade queria: apenas fama e massagear o ego. A música era mero detalhe.
Digo isso porque lá dentro da MTV era latente o desespero de algumas pessoas pelo sucesso, por querer aparecer. Chegava a ser triste ver as bandas americanas perdidas sem saber o que fazer no meio daquela nova cena brasileira e, pior, sem o menor jeito para compor em outra língua.
Dentro dessa cena underground paulistana 95% dos músicos iam de acordo com a onda. Faltava personalidade. Em 1993 tinha grunge que se dizia fã de Mudhoney, mas que em 1991 amava Bon Jovi. Esse mesmo cara, em 1997, passou a dizer que a música não seria nada se não fosse Jackson do Pandeiro, artista que menosprezava no auge do grunge. Eram pessoas que dançavam conforme a música.
Então o cara que tocava com sua banda grunge no Der Temple em 1993, cinco anos depois estava batalhando espaço com sua banda de frevocore ou de sambacore. E hoje provavelmente deve estar montando uma banda de happy rock. Não há problema em descobrir novos sons e mudar de gosto. O problema é depois ficar escondendo que gostava de Bon Jovi e de passar a gostar de Jackson do Pandeiro como se nunca tivesse falado mal de sua música. O problema é o desespero em fazer qualquer coisa para ter sucesso (???).
Lembro de assistir a edição do Superdemo em Brasília, em 1995, e em sua escalação tinha apenas uma banda de metal que cantava em inglês o resto todo cantava em português. Em São Paulo teve uma edição fracassada do festival que também só tinham bandas que cantavam em português: Acabou La Tequila, Cambio Negro e Rip Monsters (que já não cantava em inglês).
A cada ano que passava a MTV ganhava mais força e respeito. Em seus primeiros anos, por causa da crise e da desconfiança, ela chegou a produzir videoclipes para algumas bandas com a intenção de incentivar produções desse tipo. Acho que foi em 1994 que a MTV, também como incentivo ao mercado, inventou o Banda Sim, grupo de artistas novos que assumidamente tiveram uma força da emissora. Não lembro quais eram, mas Pato Fú, Planet Hemp, Maskavo Roots e O Rappa estavam entre elas. Isso foi legal, surtiu efeito. E pra chutar o balde de uma vez, em 1995 foi criado o Video Music Brasil.
Tudo isso deu tão certo que o mercado de videoclipes não só cresceu como também encareceu. Para as principais produtoras independentes (que trabalhavam basicamente com publicidade) o clipe se tornou uma vitrine, tendo tratamento de super produção. “Segue o Seco” de Marisa Monte é um bom exemplo.
PS: Nota-se que esse complexo de banda americana que dominou a cena paulistana fez com que nessa retomada do rock brasileiro não houvesse nenhuma banda de São Paulo entre os novos nomes que surgiram nas gravadoras em 1993-95, apesar da MTV e das grandes gravadoras estarem de olho...
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