24 de agosto de 2012

Ingressos e Crachás: 4 – MTV Brasil


Agora em agosto falou-se bastante na MTV. Saiu nota na Folha de SP dizendo que ela irá acabar. Esse boato de seu fim ficou mais forte nos últimos anos. O estrago que fizeram com a marca de 1999 até aqui foi grande e parece que ela não tem mais tanta força entre os jovens (não só no Brasil).

Pra mim, a MTV acabou há anos e a prova cabal foi a palhaçada que sua direção fez ignorando por completo a morte de Michael Jackson.

Assim como eu há muitos ex-MTVs que, mesmo tendo momentos de altos e baixos na emissora, têm um carinho especial por ela. São muitas histórias, principalmente em seu auge na década de 1990. Cada ex-funcionário tem certamente um livro de histórias para contar, mas infelizmente 98% delas não podem vir a público... rsrsrs.

Pelo sim, pelo não, juntei aqui alguns crachás de trabalhos exclusivos da MTV, e até onde minha memória deixa, dou um relato de cada um desses trabalhos:



1 - HOLLYWOOD ROCK 1996





A MTV transmitiu ao vivo o Hollywood Rock de 1996. Fiquei incumbido de fazer a direção dos flashes ao vivo que faríamos durante os intervalos da programação da emissora e durante os intervalos dos shows. Era a primeira vez que Chris Nicklas saia do estúdio. Ela gravava o MTV no Ar e sempre com teleprompter. De repente ela teve que fazer entradas ao vivo e recheadas de informações. Ficamos em local privilegiado, tanto em SP quanto no RJ: os flashes eram feitos do camarote.

Xeroquei zilhões de informações sobre todos os artistas participantes, sobre as outras edições do festival, e sentava com Chris para ajudá-la a estudar tudo e assim ela dava o texto com mais naturalidade (ela é ultra profissional e mandou super bem). A trabalho ia, acho, das 16h as 22h. As duas últimas atrações de cada noite eu já assistia sem precisar trabalhar.

Lembro bem dos shows de Chico Science e Pato Fú. Tocaram para praticamente ninguém, mas fizeram ótimos shows. Vi tudo duas vezes. O show do The Cure no Rio eu vi de frente para o palco e em cima de um arco muito alto que fica no sambádromo. Eu, Canisso (Raimundos) e Arci (cameraman da MTV). Esse arco ficava bem em cima do público, e era como se estivéssemos no topo de um prédio de 10 andares. Muito alto. Inesquecível.

Os shows do Black Crowes foram horríveis, assim como os do Cidade Negra.  A dupla Jimmy Page & Robert Plant foi incrivelmente magnífica.



2 - SUPER METAL FESTIVAL





No Super Metal Festival eu não trabalhei. Estava começando na direção e eu cobria férias dos diretores. Me mandaram ir para esse festival mais para observar o trabalho e aprender. O Cacá Marcondes dirigiu e era um trabalho para o Fúria Metal, programa que logo eu passaria a dirigir.

Apesar do som sofrível, os shows foram ótimos. O momento épico foi do P.U.S., ainda com a formação clássica e completamente death metal, feito com o baixista Selvagem com a perna esquerda inteira engessada. Ele tocou sentado no palco e encostado no praticável da bateria. Selvagem era um monstro no baixo, e foi incrível ver o que ele fez nesse dia. O festival aconteceu no ginásio da Portuguesa.



3 - A BARULHERA



O Festival A Barulhera rolou no Aeroanta e tinha um line up de primeira com Garage Fuzz, Pin Ups, Killing Chainsaw, Mickey Junkies e outras. Foram dois dias e os show foram bons. Nessa época eu já era diretor, tinha meus programas, mas estava ali cobrindo férias de Daniel Benevides, que dirigia o Lado B. Eu estava com Soninha, que substituía Fábio Massari, também de férias.

Fiz um especial com entrevistas e uma música ao vivo de cada banda participante, assim como fiz no Juntatribo. Com duas câmeras captei os shows. Com o material fiz um roteiro, editei, finalizei e, pronto para ir ao ar, Massari e Benevides, não quiseram usá-lo. Ou seja, é um belo material inédito e exclusivo de algumas das principais bandas do underground de São Paulo daquela época.


4 - MONSTERS OF ROCK





Por causa do Fúria Metal eu estive em todos os Monsters que aconteceram aqui. Na edição de 1994 eu e Gastão tivemos o privilégio de fazer entrevistas exclusivas com Kiss, Slayer e Black Sabbath (com o coitado do Tony Martin no vocal). Foi demais cumprimentar com aperto de mão Paul Stanley e Gene Simmons. E foi engraçado ver Jeff Hanneman jogar o cheiro de seu peido para o Kerry King cheirar. Na entrevista do Kiss Gene Simmons a certa altura pediu o encarte do Kiss My Ass (disco tributo) e, quando viu que a qualidade não era a mesma que na edição gringa e que praticamente não tinha informação nenhuma, ele deu um esculacho na gravadora, no meio da entrevista, e olhando para câmera. Falou coisas como “isso é um desrespeito com o fã do Kiss”, “isso não é certo já que a banda preza pela ótima qualidade de seus discos”, entre outras coisas. Claro que, infelizmente, não pude usar isso no programa. Sobre o Monsters de 1998 eu já escrevi aqui.

Teve a edição de 1996 também no Pacaembú, com Motorhead, Mercyful Fate, mas que eu não achei grandes coisas. Nessa a MTV não fez nada. Iríamos fazer entrevistas com os principais nomes do festival, mas Gastão ficou doente e o Fúria Metal passou em branco nessa edição.



5 - SKOL ROCK




Eu trabalhei em duas edições do Skol Rock, mas só me lembro de uma. Exatamente a que aconteceu em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski. Era a grande final e eu fiquei encarregado do roteiro e coordenação de transmissão. Não lembro bem, mas acredito que foram pelo menos 10 horas de transmissão ao vivo. Fazíamos flashes durante a programação, também tínhamos que mostrar as bandas concorrentes, o grande resultado final e, por fim, os shows de Helloween, Iron Maiden (com Blaze Bailey argh!) e Raimundos.




6 - ACÚSTICO MORAES MOREIRA



Acústico Moraes Moreira??? Teve isso??? Eu não trabalhei, só fui assistir e, por incrível que pareça,o show foi ruim.


7 - VIDEO MUSIC BRASIL







Nos VMBs nunca trabalhei com uma função específica. Eu costumava ficar atrás do palco batendo o roteiro com a direção e coordenando, a movimentação de entrada e saída de apresentadores e artistas. Quem ia pra onde, quando e como. Gostava disso. Era um trabalho insano, mas bastante divertido. Lembro do VMB em que o Racionais ganhou o cobiçado prêmio de escolha do público, no momento o grupo  tinha saído do palco e estava ao meu lado assistindo ao resultado em um monitor que tínhamos nos bastidores. Quando saiu para o Racionais, o grupo e seus agregados pulou, festejou, se abraçou, riu, e no momento em que a cortina se abriu para a banda voltar ao palco para receber o prêmio, todo mundo parou, se calou, e fez cara de mau... mudaram a postura no mesmo segundo. Nos bastidores era uma correria, principalmente com os artistas que ganhavam mais de um prêmio. Logística doida.

Das festas eu não gostava, ia sempre só pra marcar presença e sair o mais rápido possível. Não gosto de lugares que dão bebida de graça. O clima nunca é bom. Nem todo mundo sabe beber. Eu costumava ir, passear pelas pessoas, dar um oi na área VIP e tchau! A última festa que fui, de 1999, me marcou por ter encontrado Cássia Eller fora da área VIP, perdida entre o povo todo. Ela parou ao meu lado, nos olhamos, a cumprimentei, falei que era de Brasília, conversamos rapidamente e ela foi andar pela festa.


8 - CRACHÁS MTV





Até mais ou menos 1996, os crachás da MTV tinham poder. Eu entrava em muitos shows na base da carteirada. Isso acontecia até mesmo em alguns shows internacionais, e servia para todos os nacionais. Sei de gente que entrou até em grandes festivais. Mas não fazíamos isso de molecagem. Claro que era ótimo entrar em um bom show de graça, mas era trabalho também. No dia seguinte conversávamos sobre os shows no trabalho e tinha gente que não ia a determinada apresentação, mas que precisava e usava essas informações. De vez em quando até escrevíamos críticas para alguma revista.

O crachá dentro do prédio não tinha muita importância, só o pessoal da segurança que vivia pedindo para deixá-lo aparente, o que era raro...

17 de agosto de 2012

A Verdade Sobre os Cangaceiros Butch Cassidy e Sundance Kid

Essa é mais uma história que publiquei em 2001 no falecido tantofaz.net, onde eu era editor de música.


Sentados: Sundance (esq) e Butch (dir)
Encurralados nos Estados Unidos, Butch Cassidy e Sundance Kid acabaram fugindo para a America do Sul. Daí começou uma andança por Argentina, Peru, Chile e Bolívia.

Saíram dos EUA com a roupa do corpo, seus cavalos e suas armas. Mas quando entraram no México, em direção a Hermosillo cruzaram com uma diligência abarrotada de dinheiro e, de assalto em assalto, rodaram pelo México por uns 3 ou 4 meses: Durango, Guadalajara, Cidade do México e Villahermosa. Se divertiram pacas, roubaram e gastaram muito dinheiro. Aconteceram festas, orgias. Em muitas cidades circularam na alta sociedade, colocaram chifres em homens muito importantes. Roubavam as casas que freqüentavam e assaltavam bancos ao saírem das cidades.

Saíram do México também procurados e carregados de joias valiosíssimas. Passaram por Guatemala, El Savador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá até, enfim, chegarem na Colômbia. Por todos esses países fizeram a mesma coisa que no México, e entraram na América do Sul bastante feridos de uma briga que arrumaram em uma fazenda que ficava exatamente na divisa entre Panamá e Colômbia. Além dos hematomas causados por socos e chutes, Butch havia tomado um tiro na batata da perna esquerda. Doía muito, mas não podiam parar até terem certeza de que não havia ninguém mais atrás deles. Quando finalmente isso aconteceu Sundance pôde finalmente parar e retirar a bala da perna de Butch. Foi de uma maneira um tanto desastrosa por também estar muito ferido e dolorido, mas conseguiu extraí-la. Dormiram ali mesmo no chão, do jeito que estavam.

Butch Cassidy
Cansados, foram parar em Junín, na Argentina, perto de Buenos Aires. Até lá não praticaram nenhum assalto. Estavam se garantido com as joias roubadas recheadas de diamantes e outras pedras valiosas, além de quase 15 mil dólares (o que pra época era muita grana). Chegaram lá em 1901, Butch estava com 34 anos e Sundance, com 30.

Em Junín ficaram quietos. A idéia era ir para Buenos Aires, mas havia receio de que pudesse ter gente da polícia de outros países por lá. Uma namorada argentina de Butch foi ao encontro deles em Junín. Lá ficaram por seis meses, indo esporadicamente à Buenos Aires, até que finalmente, se mudaram para a capital argentina e, perto de lá, compraram uma fazenda onde ficaram confortavelmente até acabar a grana.

Isso aconteceu no final de 1906, na mesma época em que a namorada de Butch adoeceu e resolveu voltar para a casa dos pais. Evitando as grandes cidades Butch e Sundance fizeram ao menos quatro assaltos na Argentina até entrarem no Chile. Lá fizeram a mesma coisa e foram subindo. Havia momentos de calmaria, quando paravam em algum lugar pequeno e ficavam por um ou dois meses. Por fim, saíram do Chile (perseguidos) e foram para Bolívia. Passaram por Laguna Verde e Laguna Colorada até chegarem a San Vicente, já perseguidos por um número cada vez maior de policiais. Lá aconteceu o tiroteio derradeiro de Butch Cassidy e Sundance Kid, exatamente como se relata na história e no filme estrelado por Paul Newman e Robert Redford. Estavam em um hotel descansando de uma fuga e tudo aconteceu.

Familiares de Butch dizem que eles não morreram. Não foi entregue os corpos dos bandidos, e não há qualquer tipo de registro de suas mortes: papeis, fotos, caixão, cemitério, absolutamente nada há que prove concretamente que Butch Cassidy e Sundance Kid tenham morrido em uma emboscada na Bolívia. A entrada deles no país é fato, assim como é fato que não ocorreram mais assaltos por lá após a passagem por San Vicente. Esses mesmos familiares dizem ter recebido diversas cartas tanto de Cassidy quanto de Sundance.

A verdade é que na Bolívia ninguém sabia como eram Butch e Sundance, os retratos falados eram diferentes, e os corpos furados de balas e achados na pensão foram suficientes para a polícia boliviana declará-los mortos, sem ao menos fazer qualquer tipo de documentação. Eles foram enterrados ali perto, sem qualquer cuidado. Isso aconteceu em novembro de 1908.

Butch Cassidy e Sundance Kid chegaram até San José de Chiquitos e de lá seguiram para o Brasil. Era dezembro de 1908, Butch estava com 42 anos e Sundance com 38. Estavam com bastante dinheiro e queriam ficar o mais longe possível de Argentina, Chile e Bolívia.

Uma vez em Buenos Aires eles conheceram alguns empresários brasileiros que passaram um final de semana na cidade, mas a única informação que tinham desses brasileiros era de que eram do nordeste do Brasil. Com isso olharam no mapa, viram que era bem distante e rumaram pra lá, pensando que seria fácil achar esses amigos que tinham conhecido em 1904.

Antônio Silvino é o 2º em pé (esq p/ dir)
Chegaram a Cuiabá (MT). Como não queriam perder tempo, foi apenas uma passagem rápida de uma noite para seguir viagem. Não queriam ser reconhecidos caso chegasse, nas cidades brasileiras, avisos de busca. Assim foram passando por cidades como Diamantino, Sinop (quando ainda era uma grande fazenda) e Vila Rica. Entraram em Tocantins, mas só foram parar para descansar mesmo em Piauí, mais precisamente em Canto do Buriti.
Antes de lá, durante a fuga da Bolívia eles paravam em pequenas cidades, vilas ou até mesmo fazendas, por no máximo dois dias. A história que contavam pra todos era a mesma: que eram americanos que foram tentar a sorte em minas de ouro na Argentina e Chile foram enganados e estavam indo para o nordeste com a mesma promessa de ouro. Quando perguntavam em que estado, eles apenas falavam que “era no nordeste”. Se viravam com a língua pelo tempo que ficaram na America do Sul e em Buenos Aires.

Até chegarem a Piauí eles não sabiam que tinham sido dados como mortos. Só souberam dias depois de terem chegado a Canto do Buriti. Com uma boa grana guardada, eles logo compraram terras nos arredores de Cabrobó, em Pernambuco. Passados três meses, os dois resolveram ir à Recife.

No caminho foram assaltados e perderam todo o dinheiro e os cavalos. Seriam dois dias de caminhada até Arcoverde, a cidade mais próxima. Seria, caso alguns homens do temido cagaceiro Antônio Silvino não cruzassem com Butch e Sundance. Eram cinco homens bêbados que resolveram tirar uma com “los gringos”.

Em um vacilo de bêbados, os dois inverteram a situação, tomaram as armas e botaram todos no chão. Pegaram dois cavalos, algumas das armas e disseram ser tudo emprestado e que tudo estaria no Recife. Não demorou muito para que o próprio Antônio Silvino e seu bando encontrasse os amigos americanos. O temido cangaceiro não despertou medo algum nos dois, o que era de se espantar, mesmo para forasteiros. Mas como estavam alienados, pra eles eram bandidos comuns. Mas Silvino não estava lá com más intenções, queria mesmo era conhecer os dois que deixaram cinco de seus bons homens no chão (mesmo bêbados eram perigosos).

Silvino no centro. O dia de sua prisão.
Entre doses de cachaça, conversa vai conversa vem, Butch Cassidy e Sundance Kid acabaram se tornando parte do bando. Ganharam a roupa típica do cangaceiro e junto passaram a aterrorizar o sertão pernambucano. Assumiram para o temido cagaceiro que eram procurados nos EUA, mas não disseram da passagem pela Argentina e nem das terras em Cabrobó.

Passaram três anos juntos com o bando. Isso mudou o rumo da história, pois os bandidos americanos ensinaram aos cangaceiros a atirar melhor, a brigar, a cavalgar entre outras coisas que se tornaram fundamentais para as constantes vitórias nos conflitos com a polícia, desde sempre despreparada. Os dois forasteiros americanos se tornaram uma lenda entre os cangaceiros e assim que começaram a ser falados pela polícia, resolveram abandonar o cangaço. Era 1910, Butch estava com 44 e Sundance estava com 40 anos. Para eles era hora de se aposentar. Tinham saído das novas terras para ir à Recife e voltar em poucos meses e  ficaram quase 4 anos fora. Tinham dinheiro, joias e outros bens enterrados.

Quando resolveram ir embora, estavam na Bahia. Cangaceiros de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Piauí fizeram uma grande festa e nela a dupla americana de amigos resolveu se despedir. Tranquio (como era chamado Butch Cassidy por dizer muito “thank you”) e Rapizé (Sundance Kid, por causa da palavra “happy” – Kid ria muito por não entender o que falavam) foram embora, deixando todos tristes. Para todos disseram que iam para o Ceará mas, na verdade, foram para Cabrobó. Agora queriam ficar quietos, arrumar uma mulher, construir família e plantar milho.

Butch Cassidy e Sundance Kid foram vistos no Brasil pela última vez no teatro São José, no Rio de Janeiro, na estreia da peça Forrobodó, grande sucesso da época, com música de Chiquinha Gonzaga. Diz à lenda que após a peça, Butch e Sundance foram à festa onde estava Chiquinha Gonzaga, se conheceram e passaram boa parte do tempo conversando. Chiquinha queria saber sobre os costumes americanos e, dessa conversa, encantada pelas descrições da beleza brasileira feita pelos dois amigos, surgiram os sucessos “A Brasileira”, “A Mulatinha” e “A Sertaneja”.

Os mais velhos da região de Cabrobó dizem que depois da prisão de Antônio Silvino em 1914, os americanos resolveram se arriscar e voltar para os Estados Unidos. Familiares dos famosos bandidos americanos dizem que Sundance Kid morreu em 1936, aos 66 anos; e Butch Cassidy morreu em 1938, mesmo ano do fim do cangaço e da morte de Lampião.

9 de agosto de 2012

Especial Discos Históricos 3: Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes


A Gang 90 & Absurdettes foi algo realmente diferente. Ninguém entendeu nada quando ela apareceu no Festival da Globo. Ninguém entendeu nada quando ela colocou uma música na abertura da novela das oito, na Globo. Ninguém entendia nada quando ela aparecia.

Apesar de ter um formato parecido com a Blitz, com garotas fazendo vocais, o rock da Gang 90 era mais, digamos, cabeça. Não era para um público pré-adolescente ou adolescente, como era o caso da Blitz. Júlio Barroso fazia referências literárias em suas letras (era um poeta romântico...). Algumas delas muito mais poesia do que letra. Herman Torres fez um grande trabalho com as palavras de Júlio.

Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes é um grande disco, mas que jamais iria fazer o sucesso que outras bandas fizeram, como Kid Abelha, Paralamas e Blitz. Não era um trabalho pop, mas sim algo conceitual. Apesar de ter curtido sua carreira com disco por pouco mais de um ano, Júlio Barroso, que morreu em junho de 1984, deixou marcas profundas no rock brasileiro, além de ter sido referência pra muita gente que, assim como ele, começava uma carreira.

Depois desse lançamento a Gang 90 ainda lançou outros dois grandes discos, que conseguiram dar continuidade às ideias de Júlio. Discos conceituais com forte poesia e arranjos de respeito, assim como é em Essa Tal...

Aqui transcrevi dois textos: um da revista Veja, que descreve bem a Gang e Júlio, num texto claro e objetivo. O outro transcrevi da Folha de São Paulo. Quando li, fiquei em dúvida em publicar o texto de Pepe Escobar, mas aí resolvi transcrevê-lo para mostrar o oposto do texto da Veja (confesso que não gostei e achei de difícil compreensão). Como sempre faço, transcrevi o texto original, mantendo inclusive os erros.




Folha de São Paulo – 02 de março de 1983 (4ª feira) – Ilustrada, página 33

Movimentos Falsos
Por Pepe Escobar

Duchamp – jogando xadrez com Rrose Sélavy –, Man Ray, Hans Ritchter e epígonos já declararam: há sonhos que o dinheiro não pode comprar. A começar pelos estéticos. O que está acontecendo agora? Cérebros mobiliados a prestação tentam articular seus lances de dados. Imaginários eventualmente sedutores: um ou outro brilho literário, uma ou outra dissipação consciente, um ou outro fulgor conceitual. Mas é muito pouco. Por que toda essa inquietação e tensão não consegue se transmutar em formas orgânicas de vida, esteticamente organizadas, sabotando muitos cristalizados com seu caos, vertigem e paixão?

Porque é tudo muito fácil, tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. E não é a facilidade de Paul Eluard, de amor à poesia, vida criativa. O disco “dessa tal de Gang 90 e absurdettes” – não há a mais remota semelhança com as dissonâncias crispadas e enfurecidas do Gang of Four – é apenas mais um frustrante exemplo.

A gang é criação de Júlio Barroso, bom disk-jockey, qualificado para o papel de vodu humano. “Românticos a Gô Gô” denota as influências culturais “corretas”, assim como tudo que tem ouvido e assimilado: Kid Creole, Siouxsie, Blondie, James White, Raybeats, Bush Tetras, Talking Heads, Material, Gang of Four. No entando, a síndrome continua: o que pode um pobre garoto fazer, a não ser cantar em uma banda de rock? Mudou-se pouco. Só que agora os sonhos cheiram a naftalina.

Fascinado pelos neons e a carne fácil, o provável poeta exercita-se descompromissadamente” “Pode ser de São Paulo a Nova York / ou tão lindo flutuando em nosso Rio / ou tão longe mambeando o mar Caribe / Nossa onda de amor não há quem corte” (em “Telefone”); “Spray teu nome num muro / voado pela feliz cidade / relembro cabarés invisíveis / canções sussurros só risos / Vivo em plena velocidade / à luz de uma estrela vadia / corista cantora maldita / Voz Billie blue Holiday” (em “Mayacongo”). Ele sente um sonho estranho nas paredes do prédio, e prefere morrer de vodka do que de tédio (em “Convite ao Prazer”). Está construída a base filosófica do novo hedonismo, que junto ao cinismo – com puros e apropriados toques românticos – constitui a única possibilidade atual de sobrevivência. Agora só falta passar esta percepção para a garotada.

Pânico previsível. Ou a elaboração de um produto em vinil como ejaculação precoce. Alívio nada absurdette. Mesmo porque essas garotas não são as B-52s ou as Go-Gos. Falsos movimentos, humor ausente. Posadoras. Energia que volta para o buraco negro, assim como a música. As guitarras estão de cama, com pneumonia. A bateria não chega a ter o ataque de uma marcação de ritmo com caneta Bic. Arranjos privilegiam a previsibilidade por artes da incompetência alcançando a perfeição ao destruírem uma versão reggae da deliciosa “Perdidos na Selva”, ou a transposição de “I Know but I Dont Know” (Blondie). Morte em vida para uma gang desarticulada, contemplando apenas um miragem, muito longe de voar “spaced out in paradise” (de Clive Stevens; versão de Júlio barroso).

História de um erro, anulado em suas possibilidades estéticas pelas performances descarnadas dos personagens. A pretensão do “flash” cega um fluxo potencialmente renovador. A garotada talvez não se importe muito com isso. Pode ficar recitando “eu sei, mas eu não sei”. Com apenas um agravante: sem saber por que, como e com que fins.





Revista Veja – 24/agosto/1983 – Edição 781 – Música – página 121

A Gang Ataca
Louco Amor faz a fama de um novo grupo

Nos idos da Jovem Guarda, Júlio e Denise Barroso, dois irmãos cariocas da Lapa, sonhavam em formar o que chamavam de “um conjuntinho”. Hoje, quinze anos depois, o conjuntinho existe – e pode ser ouvido religiosamente, nas noites de segunda a sábado, em todo o território nacional. Louco Amor, de Júlio Barroso e Herman Torres, conseguiu ocupar o posto mais cobiçado do marketing da música popular brasileira – virou tema da novela das oito na Rede Globo. E hoje possibilita a seus intérpretes, a Gang 90 & Absurdettes, sonhar cada vez mais alto e mais longe. O compacto Louco Amor se aproxima do Disco de Ouro (cem mil cópias). E o LP de estréia do grupo, Essa Tal de Gang 90, já saiu do ostracismo underground para conquistar audiências mais amplas.

A aventura começou, na prática, em fins de 1980. Júlio Barroso, o mentor e principal letrista da Gang, voltou neste ano de Nova York deslumbrado com o nascente movimento new wave, florescente em casas noturnas como o Mud Club e o C.B.G.B. “Eu estava, como estou até hoje, com os pés no Brasil e a cabeça no mundo”, afirma Júlio. “Tinha certeza de que era possível unir o novo tipo de rock que estava nascendo com a música feita no Brasil.” Júlio tinha também outra certeza: a de que música não precisa ser feita necessariamente por músicos, mas, antes, por gente que goste muito de música. Baseado nessa tese, defendida entre outros pelos compositores de vanguarda John Cage e Brian Eno (líder do grupo pop Roxy Music), Júlio foi à luta e descobriu seu time numa antiga casa de rock de São Paulo, a Paulicéia Desvairada.

O nome do grupo é uma variação sobre uma velha gíria, “pedra 90”, que designa coisas boas e agradáveis. O previsto, inicialmente, era uma única apresentação no Paulicéia, com Perdidos na Selva, cujo arranjo ficou a cargo do amigo Guilherme Arantes. A reação foi boa, e o vírus do palco se apoderou da Gang. Continuaram compondo e ensaiando, e em fins de 1981 estrelaram durante quinze dias um show no Lira Paulistana – espécie de Meca por onde passam todos os grupos independentes de São Paulo. A apresentação incluía um vídeo-show em dez monitores espalhados pelo teatro. Em seguida, foi a vez do Rio – dois fins de semana no Morro da Urca, que acabaram atraindo a atenção de “olheiros” da RCA. Veio o contrato, o primeiro LP (Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes) e a novela.

Hoje, além de Louco Amor, outras músicas do LP começam a tocar insistentemente nas rádios – como Telefone, que resume a linha descaradamente romântica do grupo:

São três horas da manhã, você me liga 
Pra falar coisas que só a gente entende 
E com seu papo poesia me transcende 
Oh meu amor 
Isso é amor 
Ou, então, como Noite e Dia, que já fez carreira na voz de Marina:
No escuro do quarto, bela na noite
Nas ondas do luar
Seus olhos negros, pantera nua
quer me hipnotizar
Você está me convidando
Menina quer brincar de amar


Muita gente já pertenceu à Gang: Willian Forghieri e Antônio Pedro (da Blitz), Wander Tasso, Willie e Lee Marcucci (Rádio Taxi), Tavinho Fialho (o baixista de Arrigo Barnabé), o baterista Gigante Brasil, a vocalista Alice Pink Punk. Hoje, o time fixo das Absurdettes inclui May East (Maria Elisa Capparelli Pinheiro, paulistana, 27 anos, a “primeira vídeo-jóquei do Brasil”), Lonita Renaux (Denise Maria Barroso Chaves de Souza, carioca, 27 anos) e Taciana Barros (18 anos, santista, pianista clássica). Herman Torres, alagoano de 29 anos, é o encarregado de dar o embasamento musical do grupo. Com um LP solo já gravado pela Polygram, Torres tem músicas suas gravadas por Fagner, Amelinha, Ney Matogrosso, Vital Farias, Rosa Maria e Zizi Possi (um de seus maiores sucessos Caminhos de Sol).

O cérebro da Gang, porém, continua sendo Júlio Barroso, 29 anos, jornalista free-lancer, poeta, cantor, discotecário e radialista. Ele encara o sucesso de hoje como parte de um movimento mais amplo – o New Brega – por ele lançado e cujo objetivo é reciclar a “cafonália romântica descarada” que preenche a programação das rádios AM misturada com os elementos eletrônicos da música pop mais contemporânea. Sem abandonar a Gang, Barroso está montando um outro grupo, o Brazil, para espalhar o new brega pelo país afora. “Quero ver minhas músicas embalando prostitutas de beira de estrada no interior do Maranhão”, diz ele.









2 de agosto de 2012

Cultura Pop e Sua Linguagem


Volta e meia nós na MTV falávamos como cada um escrevia, porque em 1996 foi extinta a pequena redação do departamento de produção e cada diretor passou a escrever seu programa.

Gerava dúvida, por exemplo, no que era certo quando se falava de um disco que tinha o mesmo nome do artista. O costume é falar “lançou o CD homônimo”, mas porque não falar epônimo? Não seria a mesma coisa?

Em relação a um trabalho musical, eu não gosto de me referir a ele como CD ou álbum. Falo disco mesmo, afinal CD é disco também (disco compacto, certo?). Não gosto de álbum, quando possível prefiro achar uma palavra mais coloquial e comum a todos. Eu nunca ouvi alguém, numa conversa de boteco, dizer “você já ouviu o novo álbum de fulano?”, todo mundo diz disco ou CD. Em meus textos para TV sempre escrevo disco, mas como também faço trabalho só de texto, sem dirigir, tem diretores que na hora de gravar substitui disco por álbum. Isso também acontece quando escrevo para alguma revista, jornal ou site. Não ligo. É questão de preferência.

Hoje há até uma nova forma de lançamento que é o virtual, onde não cabe falar disco, CD e nem álbum. Quando é assim eu escrevo “lançou um novo trabalho direto na internet” ou “lançou 14 novas músicas em seu site”.

Quando o caso é nome de grupo musical, não sei se vai da preferência de cada um, isso já é discutível, eu escrevo sempre me referindo de forma oculta à banda ou grupo. Por exemplo, quando me refiro ‘ao’ Titãs coloco o singular: “o Titãs lançou novo disco...”, ou seja, “o (grupo) Titãs lançou novo disco...”.

Veja no texto que transcrevi sobre As Aventuras da Blitz. Os jornalistas escrevem ‘o’ Blitz, porque na época era mais comum se referir as bandas (ou grupo) de rock como conjunto. Por isso era “o (conjunto) Blitz”. Isso hoje soa estranho, mas era assim que todos escreviam. Era ‘o’ Legião Urbana, ‘o’ Plebe Rude. O termo banda passou a ser mais usado nos anos 1990 e prevalece até hoje. Apesar de doer demais ouvir ou ler coisas como “desde setembro ‘a’ Fresno está em estúdio”, “ontem ‘a’ Cachorro Grande tocou músicas novas”, acho horrível, assim como não dá pra dizer “a Barão Vermelho” ou “a Raimundos”. Na verdade errado não está, mas aí deve se prevalecer o bom senso.

Quando a banda tem um artigo no nome eu uso a chamada elisão, que é a supressão de vogal: “o disco d’Os Inocentes”, “o show d’O Rappa”.

Para televisão sempre dou preferência à escrita que se aproxima da palavra falada. Quando é para mídia impressa, consigo usar palavras que cabem apenas no papel.

Não gosto e não acho certo o uso do plural: “os Titãs chegaram de viagem”, “os Raimundos lançaram novo clipe”. Dessa forma mais parece que você se refere aos integrantes . “Os (oito) Titãs chegaram de viagem”, “os (quatro) Raimundos lançaram novo clipe”. É errado? Pode não ser, mas eu não gosto. Tudo bem, os oito Titãs realmente chegaram de viagem ou lançaram um disco, mas eles todos estão dentro de um grupo chamado Titãs. Os oito formam ‘o’ grupo Titãs. Não seria esquisito escrever ou falar "depois do show os NXZero voltaram para o hotel?". Então...

A mesma coisa serve para os grupos que tem no nome artigo no plural: “foi nesse dia que a banda Os Inocentes entrou em estúdio”, “Por isso o grupo Os Paralamas do Sucesso cogitou um show extra”. Discutível, não?

Agora, uma coisa que me irrita profundamente, mas muito mesmo, tanto na fala quanto na escrita, é quando a pessoa começa se referindo ao grupo no singular e, do nada, vai para o plural: “Metallica acabou de chegar de viagem, os caras estavam cansados”, “U2 lançou disco novo, os caras piraram de vez”, “daqui a pouco tem show do Red Hot Chili Peppers e dizem que o show dos caras...”. Jesuuuuuuuiiis, o que é isso? Realmente não entendo. Mas......... gosto é gosto. Já teve gente que inclusive me deu um toque para escrever os textos de determinado trabalho dessa forma. Como eu já havia escrito, pedi à ele para que mudasse na hora da gravação, assim delicadamente não precisei fazer isso.

Hoje leio resenhas de discos, e volto para os anos 1980. Parece que estou lendo Som Três, Roll, Bizz. Os termos, a construção, as comparações, as invenções de termos. Muito ruim. As melhores críticas são as mais, digamos, autorais, onde a pessoa que escreve tem mais domínio, mais leitura, portanto, mais repertório no vocabulário. Como dizia, entre outros, Renato Russo, é difícil escrever de forma simples. É preciso tanto repertório quanto para escrever difícil. Isso fica claro nessas críticas que, em uma comparação esdrúxula, parece entrevista com jogador de futebol depois do jogo, que são todas iguais. Tenho amigo que estudou jornalismo comigo, e que não lia sequer dois livros por ano. Aí fica difícil, não?

Cada um tem seu vício, seu jeito de escrever, seu estilo. E cada leitor tem sua preferência. Eu gosto de textos simples, diretos, coloquiais, objetivos. Seja em jornal, revista, internet ou livro.