18 de agosto de 2020

A Música em 2020

Já publiquei vários textos sobre a cena musical dos últimos anos, mas a tecnologia muda tudo da noite para o dia.

Quem já leu alguns deles, sabe que em alguns falo das mesmas coisas até por ser inevitável, mas fato é que sou um pessimista quanto a esse assunto.

Aqui no Sete Doses já decretei a morte do rock e a morte da música autoral, e pedras me jogaram! Tudo bem, discussão saudável e divertida.

Em resumo, tudo no rock já foi feito, tudo na MBP foi feito, tudo no popular brega foi feito e nada mais causa impacto como causava antigamente. Por força da mídia ainda tivemos dois movimentos: o grunge e o britpop. Antes deles o Poser e Madchester na virada de 1980 pra 1990.

Porém esses últimos movimentos (não dá pra chamar de “cena”) já não eram mais uma novidade, mas sim um apanhado de tudo o que já tinha sido feito até então. Posso citar a música psicodélica, o punk rock, o hard rock e alguns outros subgêneros que eram referências pra essas gerações. Você ouve Nirvana, Soundgarden ou Black Crowes e tem a impressão de já ter ouvido aquilo em algum lugar.

Quando eu digo que a música autoral morreu, quero dizer que ela nunca mais terá a força que um dia já teve. Não é mais relevante.  Nada mais vai surpreender e, principalmente, o público hoje está interessado em muitas outras coisas. De 2010-15 pra cá muita coisa mudou e a pandemia deixou aparente o que todo mundo já via.

Tivemos os 78 rotações dos gramofones, os discos de vinil a partir de 1948, depois o CD, a música digital que necessitava de um aparelho só pra ela, e hoje a digital que você acessa de qualquer aparelho que tenha internet.

Já brinquei aqui dizendo que um dia a música estará nas partículas de ar e começo a pensar que isso será possível...

A qualidade dos artistas, seja qual for o gênero, está cada vez pior. Em minha opinião, estamos no nível ‘mais do mesmo’ desde o final dos anos 1990. Digo isso pra ser legal, mas se for realista e cruel, então digo que o ‘mais do mesmo’ acontece desde o início dos 1990.

Com tantas redes sociais a música se tornou apenas mais uma distração entre outras tantas distrações. Em cada uma dessas redes sociais há uma infinidade de possibilidades de diversão em vídeo, áudio, montagens, ilustrações, memes e outros.

São vários universos: Instagram, Facebook, Twitter, YouTube e plataformas de vídeo on demand. Fica difícil pra música competir com todas essas ferramentas e conseguir ter a relevância que um dia teve.

Hoje a ferramenta do jovem pra expressar sua opinião são essas redes e não mais a música. Esse protagonismo ela perdeu faz tempo.

Fora isso, a música sempre foi fortemente ligada a fatores sociais de comportamento. Você pode pensar no blues, no jazz dos tempos dos cabarets, o período dos standards e do jazz big band, na soul music e no rock’n’roll dos 1940 e 50, nos rocks psicodélico e progressivo, o punk rock, gótico, metal, etc.

Aqui no Brasil, além de absorver todos esses períodos, ainda nesse sentido social, também teve o samba do morro, a bossa nova, jovem guarda, a psicodelia dos anos 1970, a geração da abertura e do Rock in Rio e a geração da década de 90, do Real.

Sinceramente depois da geração 90 nunca mais houve algo marcante na parte social que pudesse fazer explodir uma nova onda como todas essas que citei. A música em todos esses exemplos era a consequência de tudo o que acontecia e, por isso, era protagonista junto com a mudança de comportamento que cada um desses períodos gerou.

Depois da internet e de todas as ferramentas tecnológicas que surgem em cada vez mais curtíssimos espaços de tempo, o jovem mudou. Seus interesses mudaram e se diluíram. Não há mais tempo para ler um livro, não há mais tempo para depender da grade de programação da televisão, não há mais tempo para se escutar um disco inteiro. Aqui ainda digo ‘disco’, pela força do costume, porque hoje nem sei como me referir às músicas lançadas de forma digital.

A mudança também aconteceu com os artistas. Há quem ainda lance um ‘álbum de músicas digitais’ com 12 a 15 composições, mas isso está mudando. Tem artistas que lançam aos poucos, de 3 em 3 ou de 5 em 5 músicas.

Vivemos atualmente um momento conturbado. Não só no Brasil, mas no mundo. Não digo apenas pela Covid-19, mas pelas brigas ideológicas. Daí você pensa: momento bom para escrever canções, mas músicas de protesto têm aos montes, mais uma não fará diferença, mesmo que for escrita pelo Bob Dylan.

Jello Biafra, ex-Dead Kennedys, lançou alguns discos recentemente, eu gosto muito, mas não causam mais o impacto que um dia já causaram.

Hoje grupos, artistas solos, músicas e lançamentos continuam surgindo. Tem de tudo aos montes. Pare pra pensar quantas músicas você conhece e que já ouviu. Nem dá pra fazer essa conta! Agora imagine hoje o quanto de coisas novas surgem e que você nem fica sabendo. Deve ser, no mínimo, o triplo do que você já ouviu.

E de tudo o que é lançado hoje, o que é relevante? O que fez a diferença? Quem mudou as estruturas? Quem trouxe novidades e novos ares? Ninguém! Nada mais se destaca! É muito de tudo do mais do mesmo!

As coisas mudaram, não dá pra querer forçar à barra! O que acontecia no universo musical até os anos 1990 ficou lá, não vai mais acontecer!

Hoje o jovem quer gravar seu vídeo, fazer seu site, suas contas digitais e abastecê-las com conteúdo autoral. Tem quem fale de política, tem quem fale de maquiagem, de saúde, de pintura, economia, pedagogia, música, há quem fique apenas dançando em frente à câmera.

O jovem escuta funk, pagode, tecnobrega, mistura tudo, não está preocupado com estilos, muito menos com bom conteúdo. Como eu disse, ele não se expressa pela música, apenas se diverte com ela no baile, no pancadão, na festa.

Pro lado do rock, da cena alternativa e underground acontece a mesma coisa. É tudo igual, com letras pobres, composições que não dizem ao que vieram.

A postura no palco é a mesma, o jeito de segurar o instrumento, as roupas, as tatuagens, a postura. Todos são iguais.

Isso é reflexo desses tempos do jovem sem foco, que tem toda informação do mundo em seu colo, mas não a aproveita. Também não se interessa mais em se engajar e que mal conhece a história do Brasil, mesmo a recente.

A música é vítima disso e pior, o jovem não quer saber dos artistas do passado. A história vai se apagando junto com os grandes clássicos e as influências que fazem a diferença deixam de existir.

Do jeito que a vida se encaminha logo ninguém saberá quem foi Tim Maia, Raul Seixas, Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto e Erasmo Carlos.

Da mesma forma como hoje não se conhece Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga, Lupicínio Rodrigues, Jackson do Pandeiro, Francisco Alves e até mesmo Carmem Miranda.

É duro, mas é verdade.