24 de maio de 2012

O Fim da Música Autoral!?!

Há anos penso a respeito do fim da música autoral. Não quero dizer que ninguém mais irá compor, não é isso. Mas acredito que a música autoral não vai mais fazer sentido. Vai cada vez mais perder o impacto, a importância. Hoje tem muito mais artistas que há 10, 20, 30, 40, 50 anos. Bandas de rock, grupos de MPB, artistas solos, cantoras, música instrumental, jazz, chorinho, pop, sertanejo, toneladas de tudo. O resultado disso é também toneladas de músicas e letras parecidas.

É só prestar atenção no que ouvimos hoje nas rádios e trilhas de novelas. Sei lá de quem é a culpa disso, mas a qualidade das composições brasileiras, seja qual for o gênero, está cada vez pior e caindo vertiginosamente nesses últimos dez anos, incluindo aí compositores consagrados.

Minha teoria, que já expressei aqui em um dos textos da Série Mais do Mesmo, é que todas as notas já foram tocadas, todos os acordes já foram inventados e todas as combinações possíveis entre eles também. Pode perceber que é cada vez mais raro surgir algo bom e diferente, assim como não surgirá mais nenhum bom letrista. Não teremos mais um Noel Rosa, Cazuza ou Chico Buarque.

Como letrista, quem se destaca nos anos 1990? Marcelo Yuka, Lenine, Pedro Luís (e a Parede), Gabriel O Pensador, Chico Science. Não há comparação com décadas anteriores. É também um ótimo time, mas não tem nem de perto a mesma força.

(Por favor, quando cito nomes, leve em consideração que acabo não lembrando de todos que gostaria de citar e posso até esquecer de citar alguém de suma importância).

A música começou a mudar quando Luiz Caldas apareceu com “Fricote” (Nega do cabelo duro...) e quase dez anos depois, em 1995, apareceu o É o Tchan! que acabou descendo ainda mais o nível. Nesse mesmo período Mamonas Assassinas vendia milhões de discos por segundo, e junto a tudo isso o pagode bombava. Todos esses nomes faziam letras de duplo sentido. Para o lado do rock tinha o Raimundos. Tudo isso foi dando um outro contexto para a música brasileira. E não adianta mais usar um instrumento diferente, um batom diferente, isso não engana mais o público. Foi nos anos 1990 que o papel da música brasileira mudou. Lembro até de pegar um CD de um artista bacanudo dos anos 1990 para escutar na MTV e, lendo as letras no encarte, me deparei com palavras como, por exemplo, derrepente.



As músicas de amor, hoje dominadas pelo sertanejo, pelo baby rock e pelo pagode, são todas iguais sem a menor sensibilidade e profundidade. Versos óbvios, palavras óbvias. O brasileiro não lê e isso fica evidente nos artistas que escrevem.

Em se tratando de rock então! Quem gosta de um bom rock brasileiro está perdido há tempos. Esse gênero está sem rumo, mais marginalizado que nunca, sem menor chance de voltar ao mainstream (como muitos gostariam). Também nem precisa, porque não tem muita coisa boa, tá tudo igual, com um ou outro nome mais legal, mas mesmo assim nada fenomenal. Não temos mais a figura do frontman, aquele que segura o público, que leva o show, que faz acontecer, que mata a cobra e mostra o pau, que tem postura, que nasceu pra coisa. Tá tudo sem tempero, sem coragem, sem tesão.


Fico questionando se vale a pena o artista perder tempo compondo músicas novas que sequer serão escutadas, mesmo que gravadas. Já ouvi da boca de grandes compositores do rock que não querem mais saber de compor e lançar discos. Tem artista que já perdeu o tesão e compõe, se muito, três músicas por ano.

Em SP o que há agora é uma onda de shows com repertórios especiais executados por bandas e artistas de médio porte. E são shows legais. O Mombojó com o China tem o Del Rey com repertório dedicado à Roberto e Erasmo Carlos, o pessoal da Nação Zumbi tem o show só de Jorge Benjor, o Vanguart fazendo Beatles Iê Iê Iê, Pública com Oasis, etc. Não são bem bandas cover como no início dos 1990, são shows homenagens muito divertidos. Esses shows pagam as contas! É isso que tem interessado muito as pessoas que vão, lotam as apresentações, entram na vibe e se divertem pacas.

Em questão de música já temos de tudo para nos satisfazer: canções de amor, política, comportamento, sexo, malandragem, nossa rotina, nosso humor, filosóficas. As grandes canções já foram compostas, as grandes letras já foram escritas.


Acredito que o grande último disco a ser tocado da primeira a última música foi As Quatro Estações da Legião Urbana que, quando saiu o V com a música “Teatro dos Vampiros”, ainda tocava nas rádios “Se Fiquei Esperando Meu Amora Passar”. Isso era reflexo da força do público diante da obra lançada. Depois esse tipo de coisa acabou. Essa força das músicas diante do público foi se esfriando. Hoje grava-se um CD com 14 músicas para aproveitar, se muito, duas. O jabá sempre existiu, mas havia discos que eram mais fortes que o esquema de divulgação. De meados da primeira década dos anos 2000 pra cá música autoral foi perdendo músculo, o mercado fonográfico foi perdendo folego (mas o jabá sempre firme e forte).

No Top 100 brasileiro da Billboard Brasil de maio/2012 há músicas com os seguintes títulos: “Assim Você Mata o Papai”, “Lê Lê Lê”, “Eu Quero Tchu Eu Quero Tcha”, “Tcha Tcha Tcha”, “Balada (Tchê Tchê Re Re)” e “Qui Belê”. Ou seja, pra quem já teve “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”, “Alegria Alegria”, “Vai Levando”, “Eu Nasci há Dez Mil Anos Atrás”, “Detalhes” e “O Tempo Não Pára”, tá osso, né não?

Pra que então fazer música nova?

19 de maio de 2012

Série Coisa Fina: 13 - Diana & Marvin


A Soul Music é incrível. Adoro, sou fã e já escrevi aqui a respeito, mesmo sem muita propriedade. Tenho um arquivo respeitável de Soul, com clássicos conhecidos e obscuros. Sam Cookie, Smokey Robinson, Temptations, Supremes, Wilson Pickett, Al Green, The Isley Brothers, a lista vai longe. Isso é música que se escuta pra ficar de bem com a vida. É de fato música da alma. Toca fundo e desperta bons sentimentos.

Em dias que necessito de energia extra, já saio de casa ouvindo. Alguns discos pegam mais que outros. Esse é o caso de Diana & Marvin, lançado em 26 de outubro de 1973, depois de mais de dois anos de gravação. Diana Ross e Marvin Gaye começaram gravando juntos, mas ao longo do tempo as coisas foram mudando. Diana ficou grávida, Marvin tinha projetos em andamento, inclusive enquanto faziam Diana & Marvin os dois lançaram discos. Por isso, as gravações terminaram com eles gravando separadamente.


Incomodava também Diana Ross o fato de Marvin Gaye fumar maconha no estúdio. Pediram para ele parar por conta da gravidez de Ross, mas ele falou que sem maconha não cantava.

A ideia do disco surgiu em 1970, mas só começou a ser gravado em 1971. Não era uma tarefa fácil juntar os dois principais nomes da Motown, até porque a princípio Marvin Gaye não queria mais fazer duetos. Não tinha nada contra Ross, pelo contrário, mas suas duas últimas parceiras não tiveram um final feliz. Ele temia por Diana Ross. Mas foi convencido e topou.

Receado de clássicos é perfeito para escutar principalmente naqueles dias tensos, de energia pesada, de aborrecimento, saco cheio. A sonoridade, os arranjos, a produção, direção musical e, claro, as incríveis e maravilhosas interpretações de Diana Ross e Marvin Gaye, tudo isso o faz ser um álbum perfeito, grandioso. Deveras romântico. Lindo. São dois monstros da Soul Music em um grande momento.

 Em 2001 foi lançada uma edição remasterizada com quatro músicas bônus que são tão maravilhosas quanto às lançadas originalmente. Diana & Marvin é mais uma referência fundamental para quem quer fazer rock, pop, MPB e até mesmo pra quem gosta do metal mais pesado da terra. É música do bem, que faz bem.

 

10 de maio de 2012

Série Coisa Fina: 12 - The Gift (The Jam)

De um ano pra cá tenho escutado muita coisa que eu escutava no início da minha adolescência em BsB. Os resultados desse flashback são os posts do The Hurting (Tears For Fears), The Cure e Husker Du. Agora é a vez de The Jam/The Gift e, se continuar assim, ainda vou carimbar o blog com Dead Kennedys, Stranglers, Joy Division/New Order, Talking Heads...

O que Paul Weller (e The Jam) fez pelo rock foi algo tão forte que seu nome é citado como influência até hoje, principalmente entre as bandas do Reino Unido, desde cenas como Madchester e Britpop, e agora com Art Brut e Arctic Monkeys. Aqui no Brasil, como influencia direta, dá pra citar Legião Urbana, Plebe Rude, Ira!, Camisa de Vênus e Paralamas do Sucesso.

The Gift é o último disco lançado pelo Jam, em março de 1982, e de maior sucesso. Ele colocou a banda no topo das paradas inglesas e fez de "Town Called Malice" o grande hit comercial do Jam. Depois do lançamento aconteceu a turnê e a banda acabou no final do mesmo ano. Tem gente que considera The Gift um disco irregular. De fato há outros discos do Jam bem mais significativos, mas ele é especial pra mim porque foi, junto com End of the Century (Ramones), um dos primeiros discos que comprei . É daqueles que conheço cada acorde, e até o tempo de intervalo, no vinil, entre uma música e outra. Tudo. Esse disco é bem diferente dos outros, não só pelas composições, mas também pelos efeitos e pedais que Weller usou nas guitarras, abrindo mão de seu timbre clássico em algumas faixas.

Tem também um pezão na black music como o soul e o funk. Arranjo de metais. The Gift é mais próximo do Style Council do que do In the City (primeiro do Jam). O disco inclusive foi gravado em um clima de insatisfação de Buckler e Foxton com as composições.

Mas o Jam foi esperto, assim como o Clash, e sempre mostrou coisas novas a cada lançamento. Sempre evoluindo. E Paul Weller conseguiu juntar o mod sixties, com o lado mais hard do pub rock e a energia do punk rock. Mais ou menos isso. Em resumo, trouxe evolução para o rock inglês.

The Gift tem essa coisa de brincar com outras sonoridades, como o lance latino de "The Planners Dream Goes Wrong", a boa e velha mistura de rock e soul, além de uma sonoridade pós-punk que volta e meia aparece. É um disco meio doido, no bom sentido, mas com boa produção e direção musical.

Na verdade todos os discos do Jam são ótimos e cada um tem sua particularidade. Foram apenas seis discos de estúdio lançados entre 1977 e 1982. Paul Weller nesse período reinventou a forma de tocar guitarra, assim como Bruce Foxton trouxe para o baixo novas possibilidades (no final dos 1980 ele tocou no Stiff Little Fingers). Era um trio de muita energia ao vivo e, como já disse, uma das principais referências do rock inglês, o que, venhamos e convenhamos, não é pouca coisa.

Como fiz no Pixies, registro aqui que das 68 músicas gravadas pelo Jam em seus LPs oficiais, 59 foram compostas por Paul Weller. Quer sentir a influência do The Gift? Escute então "A Dança" da Legião Urbana e escute "Precious"; escute "Sonhar Com Quê?" do Ira! e escute "Running on the Spot" (que inclusive o Paralamas a toca em alguns shows).

PS: Ninguém me tira da cabeça a ideia de que a capa do Synchronicity (The Police) foi inspirada na capa de The Gift.

3 de maio de 2012

Rock Brasileiro: 2 - Reflexões {2}

Ave Sangria
Fui à lojas de discos de vinil. Para ser mais exato, em cinco lojas, cinco sebos. Achei legal ver em todas elas discos de rock brasileiro expostos ao lado de clássicos estrangeiros. The Jet Black's, O'Seis, Renato e Seus Blue Caps, Rita Lee. E até coisas mais obscuras e underground como Os Brazões, Flaviola e o Bando do Sol, Bixo da Seda, Ave Sangria e Módulo 1000. Um resgate muito importante. Isso me parece que tem um empurrão causado pelo interesse de europeus, americanos e japoneses. David Byrne, Kurt Cobain, Belle e Sebastian, Beck citam influencias da música brasileira.

Cresci com meus pais escutando de tudo: Serge Gainsbourg, Frank Sinatra, Willie Nelson, Rolando Boldrin, Alvarenga e Ranchinho, Tonico e Tinoco, Chico Buarque, Maria Bethânia, Soul Music, Glenn Miller, Duke Ellington, Elis Regina, a cena de San Francisco, soft rock, Gilberto Gil. Um monte de coisas (bossa nova não!).

Dos anos 1980 o melhor eram os shows, por causa do som que, mesmo sendo ruim, era melhor do que estava em disco. Até o final dos 1980 poucas bandas conseguiram gravar discos com ótima qualidade sonora. Por isso, o que acontece é de pessoas redescobrindo discos dessa época e quando vão escutar rola uma decepção. Já escrevi sobre isso por aqui. Aí nos anos 1990, por conta de tanta novidade vinda do Reino Unido e EUA como a cena eletrônica, Madchester, Grunge, Britpop, quem estava formando sua banda, acabou indo direto para essas influências, principalmente as duas últimas cenas citadas.

Durante toda a década de 1980 os jornalistas que escreviam sobre música faziam questão de deixar claro o preconceiro. Pela economia, pela política, a cultura sofreu um baque no final dos 1980 e início dos 1990. Muitos dos que esrtavam começando, não vendo futuro aqui, compunham em inglês. Bandas cantando em português só ressurgiram junto com o Real, em 1994. O Raimundos com forró, o Skank com Clube da Esquina, O Rappa e Planet Hemp com o samba dos morros e da Lapa, a malandragem carioca e CSNZ o Maracatu.

Mas acredito que o pontapé inicial do que se tornou hoje a influência da música brasileira mais antiga nos trabalhos de bandas e artistas solos foi o aparecimento do Los Hermanos. Queira ou não a banda resgatou o samba, a bossa nova e também um pouco da mpb dos anos 1970. Particularmente eu não gosto, mas não posso negar essa influência.

As bandas do Rio Grande do Sul sempre tiveram forte influência da Jovem Guarda, Marcelo D2 o samba, tem uma nova geração que é mais ligada na Tropicália e na mpb70. É nítido isso em quem faz rock com mpb e vice versa. Os gringos mostraram interesse e isso fez despertar a curiosidade dessa geração surgida com LH e que agora vai mais longe na busca pelos artistas e discos mais raros, como quem diz "quem é você gringo que quer saber mais que eu, que sou brasileiro."

Também conheço algumas bandas que mesmo sendo 100% rock, citam Clara Nunes, Noel Rosa, Ney Matogrosso, Vinícius de Moraes. É bom ver essa valorização, mas digo sem querer ser nacionalista. Nada disso. Sou roqueiro, ultra fã de ingleses e americanos. Só que também valorizo tudo isso, pesquiso desde 1997 e muitos discos que eu não tinha acesso na época consegui através da internet, principalmente, nos 10 últimos anos. Mas essa influência não se restringe só a bandas do underground dos 1960 e 1970. Tem também os nomes ditos marginais como Arnaldo Baptista, Itamar Assumpção, Jards Macalé, Tom Zé, Sérgio Sampaio.

Em todas essas lojas eu vi gente garimpando, incluindo alemães e japoneses. Mas pra você que quer achar pérolas a dica é não ir nesses sebos mais conhecidos. Há lugares que sabem colocar o preço, mas há lugares que não, principalmente em pequenos sebos de bairros, digamos, menos comerciais e mais residenciais. Há brechós com discos, mesmo que poucos. Já achei muitas coisas boas em lugares mais especializados em objetos antigos e roupas usadas, e com pouquíssimos e ótimos discos vendidos por 3, 5, 10 reais no máximo.

Mas fato é que durante muitos anos nos 1990, 90% das bandas ignorava a música brasileira e só depois que a nova cena estourou em 1995 é que um monte de bandas que cantavam em inglês passaram a amar Jackson do Pandeiro e Tom Zé. Nessa época aqueles que mostravam gosto pelo rock brasileiro, mpb, forró, chorinho e até mesmo Tropicália eram escrachados pelos "grunges" e "alternativos", que com o fim dessas cenas, passaram a admirar exatamente do que antes riam e depreciavam.

Por isso hoje é bom ver que as novas gerações não tem vergonha e preconceito da música brasileira, pelo contrário, hoje são influências assumidas e a garimpagem por títulos raros vai além do colecionismo, também é expectativa de que possa se tornar uma nova influencia. Lembro, por exemplo, de escutar Loki? em 1987, com 17 anos e a cabeça rodar com o que pra mim era novidade. Em poucos dias estava eu com todos seus discos solos comprados, e por um preço baixo, já que na época ele estava completamente esquecido. Hoje as coisas mudaram. Vai achar o Build Up da Rita Lee. Quase impossível, e ainda pode chegar a 350 reais.

Hoje, eu que fiz parte da turma dos 1990 que tomava porrada por gostar de mpb, tenho a alma lavada de ver que esse preconceito que escrevi aqui acabou. Agora, se essas influencias são bem ou mal usadas, isso é outra história.