12 de fevereiro de 2018

Série Coisa Fina: 23 - The Top (The Cure)

Como já deixei claro aqui em uma postagem antiga sobre o The Cure, a banda é uma de minhas preferidas e eu faço parte do time que considera Robert Smith um gênio. Gênio mesmo! (parece que Bowie também fazia parte desse time). Compositor de mão cheia, excepcional guitarrista e ótimo vocalista. Tudo isso temperado com um excelente gosto.

E depois de lançar três grandes discos: 'Seventeen Seconds', 'Faith' e 'Pornography', Robert Smith entrou em “crise existencial musical”. Esses três discos foram determinantes para o nascimento da cena gótica e depois dele todo mundo queria saber o que viria do Cure.

Apesar do Pornography ser um clássico e principal disco da discografia da banda, na época de seu lançamento, ele não foi compreendido e não teve grande sucesso. Por conta disso, depois desse lançamento a banda virou uma dupla com Smith e Lol Tolhurst.

Na época da gravação e lançamento do 'Pornography', Robert Smith estava em crise, tomando muita droga, deprimido por viajar muito e de saco cheio de tudo. Antes de gravá-lo, chegou a pensar em suicídio. Então a ideia era lançar um último disco e acabar a banda. Toda a depressão de Smith foi posta nas músicas e letras do disco, que também foi gravado sob efeito de muito LSD, álcool e outras coisas.

O resultado foi um disco absolutamente depressivo em todos os sentidos, e por isso mal recebido pela crítica. Foi só na Inglaterra que conseguiu chegar ao 8º lugar, mas na maior parte da Europa, nem perto do top 30 chegou.

Rolou uma turnê que foi desastrosa nos bastidores, pelo saco cheio de todo mundo, a ponto de Smith e Gallup saírem na mão. A turnê acabou como sendo o fim da banda, e cada um foi para um lado.

Tolhurst foi para a França pensar na vida e Smith foi tocar guitarra com Siouxsie and The Banshees.

Uma das crises de Robert Smith vinha do medo de ficar marcado como um compositor de um estilo só, e então se desafiou a compor músicas pop.

Assim, passada a crise da banda Smith e Holturst se reuniram e lançaram um single que surpreendeu todo mundo com as ultra pop “The Walk”, “Let’s Go To Bed” e “Love Cats”. E o resultado disso foi o EP 'Japanese Whispers'.

Essa foi o início da nova fase do Cure, mais pop, mas sem abandonar o lado gótico. Foi assim em toda a discografia a partir do 'Japanese'.

Mas essa foi uma fase duo. Smith e Holhurst tocavam tudo. Não abandonaram as drogas, principalmente o álcool e o LSD, mas o clima era outro. Fizeram 'Japanese' e 'The Top' quase que na mesma toada. E a ótima recepção de “Love Cats” e “Let’s Go To Bed” mostrou que o caminho estava certo.

Há até uma curiosidade que reparei enquanto desenvolvia este texto: dos 3 clipes de divulgação de 'Japanese Whispers', “Love Cats” já tem uma banda formada, enquanto os dois outros foram gravados pelo duo Smith e Tolhurst.

'The Top' foi gravado com Smith e Tolhurst tocando todos os instrumentos e mais algumas participações. É o disco mais psicodélico do Cure e tem um monte de instrumentos inusitados. Nessa época Smith começou a usar mais o violão. Tem flauta, gaita, muita percussão, timbres e efeitos de teclados dos mais variados, e Smith ainda explorou bem novos timbres de guitarra. É um disco incrível e absurdamente inspirador.

Nessa época Smith também estava gravando com Siouxsie ('Hyaena') e tinha acabado de lançar o disco do projeto The Glove.

Apesar de certa pressão, pelas composições e produção, dá pra ver que o clima no estúdio foi mais tranquilo que na gravação de 'Pornography'. 'The Top' é metade pop e metade gótico. É um divisor de águas na carreira do Cure.

Começa épico com “Shake Dog Shake” e termina épico com “The Top”. No recheio coisas incríveis como “Birdmad Girl”, “Give Me It” e “Piggy inThe Mirror”. Esse disco só teve um single, ou seja, uma música de trabalho, que foi “The Caterpillar”, cujo clipe também já tem a banda toda, a nova formação que acabou gravando o ‘Concert’ e ‘The Head on The Door’.

Esse novo jeito de compor de Robert Smith deu certo e seu auge foi o ‘The Head on The Door’, quando o Cure finalmente, no sexto disco de estúdio, alcançou sucesso mundial e se tornou uma banda do mainstream.

‘The Top’ não está entre os favoritos de Robert Smith, mas é de suma importância pra carreira do The Cure. Com ele Smith teve liberdade – se sentiu mais a vontade - para explorar novas formas de composição. Você pode perceber que existe um ciclo entre ‘The Top’ e o ‘Kiss Me Kiss Me Kiss Me’, com os discos fazendo essa mistura do gótico e do pop, mas com direção e personalidade.

Por tudo isso ‘The Top’ é daqueles discos que ao terminar a audição, você o coloca inteiro novamente. E a cada audição vai descobrindo elementos novos nas músicas. Belíssimo disco.

Robert Smith é gênio também por saber explorar bem todas as possibilidades que um estúdio oferece.







2 de fevereiro de 2018

Filosofando a Cena Atual

Tulipa Ruiz
Há algo que vem acontecendo nos últimos anos e que eu, sinceramente, acho engraçado. Falo desses eventos sobre música que vem acontecendo com mais frequência. Rodas de debates sobre o mercado independente, o mercado mainstream, o que fazer para dar certo, novos negócios... sei lá. Pra mim um monte de blá blá blá. Já participei de uns dois desses: em um fiquei praticamente calado e no outro apenas contei em detalhes como era difícil conseguir gravar uma demo nos anos 80.

Uma coisa é você juntar donos de selos independentes já consolidados com altos executivos (e/ou ex) de grandes gravadoras e pequenas que estão começando algo sério, e junto a todos eles artistas já consagrados no mainstream, artistas consagrados independentes e tals. Fazendo coisa séria mesmo, com cachês, taxa de inscrição, pocket show especiais, debates, palestras. Nunca vi nada sério assim.

Certa vez Pepe Escobar escreveu na Folha de SP que o rock se debatia em gueto e que dele não sairia. Todo mundo ficou puto, foram atrás dele e tudo. Nasi até deu porrada nele! O tempo mostrou que Pepe estava completamente errado, como as cenas dos anos 80 e 90 mostraram. O mundo era outro, o contexto outro. Ainda havia muito por vir no universo da cultura pop. Muito!

Mas se Pepe falasse isso hoje, ele estaria completamente certo. Pego emprestadas as palavras dele: hoje a cena rock/pop brasileira se debate em guetos e assim vai ser.

Não adianta ficar criando eventos que discutam o mercado, a cena independente, a mídia, redes sociais e blá blá blá. Muitas vezes o que serve pra um, não serve pra outro. É tudo muito simples e se resume de forma curta e grossa em ter talento. Ponto!

Desde o início dos 2000 quando o Napster destruiu o modelo de mercado fonográfico que havia, a ideia de ter rock brasileiro  no mainstream novamente morreu.

Veronica Decide Morrer
Não só isso, mas o mundo mudou. Até a chegada da internet e de toda essa revolução tecnológica que ainda vivemos, poucas eram as opções de diversão do jovem, e a música era a principal válvula de escape nesse contexto. Depois, com o surgimento de outras ferramentas tecnológicas, novas profissões, novos modelos de negócios, novas formas de diversão (viajar ficou bem mais fácil, por exemplo), o interesse do jovem se diluiu em outras coisas, e a música perdeu muito sua importância.

Tenho uma filha que logo irá completar 17 anos. Ela não compra cd ou vinil, e nunca se viu obrigada a escutar um álbum inteiro. Consome música virtual e são faixas soltas. Ela não está nem aí se o álbum tem um conceito, se gostou só de 2 ou 5 músicas, é com elas que vai ficar. É assim com essa nova geração que nasceu junto com o Napster. Ela vai em shows, mas sempre em festivais, como o Lollapalloza, que tem a dinâmica igual a dessa geração: tudo ao mesmo tempo agora.

Por isso não adianta fazer rodas de discussões teóricas sobre o que fazer na cena musical atual, como se destacar, como cuidar de seu negócio (no caso sua carreira musical ou selo). Acabou, a cena musical, seja ela qual for nunca mais vai existir como existiu. Não vai ter mais nem a metade da força que já teve, principalmente o rock e o pop.

Vou dar o segredo do sucesso para a atualidade: vai fazer muito show, grave suas composições com qualidade, disponibilize-as nas plataformas digitais. Se forem boas, todo mundo vai escutar. Aí pronto. Acabou. Vai trabalhar! hahaha

Naverdade hoje em dia nem adianta mais fazer um monte de shows. Eu vejo um monte de coisas novas que são bem legais, que têm tudo pra todo mundo sair cantando, tocar no rádio, na novela... no entanto, nada acontece.

Não torço contra. Adoro música, pô! Adoraria ver uma nova cena rock/pop invadindo o mainstream. Quer tocar, fazer um som, então ok, faça isso, mas não espere que suas músicas parem a multidão. Isso não vai acontecer. Não está fácil nem pra quem já tem o nome consolidado no mercado.

Em 2015 iniciei um projeto que não acabou. Um documentário musical onde conversei com músicos e executivos. Os executivos apostavam que o rock voltaria com tudo em 2016/17, incluo aí executivos de peso, que têm influencia no mercado. E o que aconteceu? Adiantou a Globo fazer “reality show” com banda de rock, novela com trilha rock ? Isso não pega mais. Como falei, o contexto é outro.

Eu também acho uma pena ver artistas talentosos com pouco público ou com público segmentado, sem espaço na mídia, mas a realidade é essa e pronto. Vejo jornalista tentando forçar uma cena e isso é errado. Debates e eventos não vão fazer a menor diferença para a cena alternativa.

Sei de artistas grandes que já venderam horrores – discos de ouro e tals, mas que hoje são um desastre de vendas com seus produtos físicos, mas que vão muito bem nas plataformas digitais. Recentemente o Ira! fez uma coletiva para lançar o DVD ‘Ira! Folk’ e te digo que só foi o César Gavin do Vitrola Verde (seu trabalho independente). O RPM lançou disco de inéditas, ninguém falou nada, a banda acabou de novo e segue o jogo. O Roger (Ultraje) e Kiko Zambianchi são do time que também não se preocupam mais em lançar álbuns novos. Se pintar uma música nova ok, incorpora no show e segue o baile.

O mesmo acontece com os artistas menores em relação aos seus lançamentos. A grande diferença está na agenda, claro! O artista consagrado que não vende mais vive dos cachês de seus shows, o artista independente é obrigado a ter outro emprego pra poder pagar os boletos.

Amo a Tulipa Ruiz, já vi trocentos de seus shows, é uma artista fabulosa, suas letras, seu domínio de palco, composições, produção, arte e design de seus álbuns. Pra mim disparada ela é a melhor de sua geração. Um talento que não se via desde Marisa Monte e Cássia Eller. E mesmo com sua grandeza artística ela não vai chegar onde Marisa e Cássia chegaram. Deveria, e muito. Mas não é mais uma realidade possível no nosso país.

O que aconteceu com a cena 80 e 90 também tem muito a ver com o momento político e econômico do país. Em uma a abertura, em outra o Real... parece ser aquela coisa de estar no lugar certo, na hora certa.

E o futuro vai ser esse, porque na hora que os consagrados forem embora, vai restar os independentes, e cada um com seu público e será absolutamente normal essa situação.

Por isso digo, não adianta ficar inventando debates sérios sobre a cena musical independente (ou não), ou sobre o futuro dos negócios, ou como criar uma cena.... É jornalista que gosta desse blá blá blá. Artista quer mostrar sua arte, e se possível viver dela.

No universo do futebol muitos são os jogadores, mas poucos são os que recebem mais que dois salários mínimos. Na música é a mesma coisa.

Hoje, mais que nunca, se você quiser fazer música deve ser por amor, e só por amor (como acontecia com a cena dos 70, onde não havia apoio, mas todo mundo se virava).

PS: Festivais alternativos não servem pra nada! Apenas se debatem em guetos.