(Todas as reportagens da Roll sobre as bandas brasileiras são clássicas. Os textos, as fotos, arte gráfica, tudo. Arrisco em dizer que talvez esta seja a primeira reportagem sobre o Titãs. Infelizmente não há assinatura)
Dentre as cidades brasileiras São Paulo foi sempre a que teve mais tradição em termos de rock and roll. Desde os tempos dos Mutantes sua beleza/feiura urbana vem sendo cantada ao som de guitarras e sintetizadores. Mas agora chegou a vez dos Titãs dizerem qual é a de São Paulo. São os novos alquimistas urbanos; de olho em tudo, até mesmo no som de brega, na sub cultura, na cafonice que a norma culta das FMs recusa.
Dentre as cidades brasileiras São Paulo foi sempre a que teve mais tradição em termos de rock and roll. Desde os tempos dos Mutantes sua beleza/feiura urbana vem sendo cantada ao som de guitarras e sintetizadores. Mas agora chegou a vez dos Titãs dizerem qual é a de São Paulo. São os novos alquimistas urbanos; de olho em tudo, até mesmo no som de brega, na sub cultura, na cafonice que a norma culta das FMs recusa.
Numa noite de muita chuva o grupo paulista TITÃS, apresentou-se no Circo Voador. Nove rapazes que, no palco, transformam-se em gigantes elegantes desafiando a plateia com suas músicas romântico-rascantes. Nove caras a saber:
Arnaldo Antunes, coro e voz solo; Paulo Miklos, baixo; André, bateria; Branco, coro e voz solo; Tony Bellotto, guitarra; Nando Reis, coro e voz solo; Marcelo, guitarra; e Sérgio Brito, teclados. Essa rapaziada trabalhou junto pela primeira vez quando resolveu homenagear namoros e namoradas editando uma fita juntamente com poetas, artistas plásticos, outros músicos e suas declarações de amor total – a Fita das Musas. Isso rolou há dois anos. Depois, encontros esparsos enquanto cada um trabalhava em projetos artísticos variados – Paulo Miklos no grupo Bom Quixote e na Banda Performática, juntamente com Arnaldo que por sua vez andava as voltas com almanaques literários, projetos gráficos e performances. Bellotto, Marcelo e Branco formavam o Trio Maão: trabalhos musicais mutantes.
Até que há um ano resolveram se agrupar numas de agitar o repertório de vivências musicais, plástico-sexuais, instrumentais, cinematográficas, a percepção gigante da enorme São Paulo pulsante em cada um. Tome ensaio num estúdio fuleiro e genial chamado Fobus, na Barra Funda. Microfones, amplificadores, suor e versos rápidos na cabeça, meninas fugitivas, shopping centers com música ambiental distorcida. E tome ensaio. E tome apresentações – Noites New Wave e Hard-Core no SESC-Pompéia ao lado de outros grupos como Brylho, Ira, Magazine; Centro Cultural, Lira Paulistana, a extinta boate Hong-Kong, Campinas, Santos, e o sucesso total.
Mas qual é a do Titãs? Perguntarão os mais afoitos! Bem, pra sacar o astral, a frequência emotiva da música feita por esses rapazes é preciso ter em mente o seguinte: São Paulo, alguém já disse, é uma cidade sem souvenir exato, não tem um cartão postal definido. São Paulo como toda megalópole é excessiva, cheia de contrastes sociais, arquitetônicos, tecnológicos, musicais e visuais. Esquinas no céu e na terra, surpresa de becos, cruzamentos, tédio de crimes e miséria, cafonice eletrônica e asfalto derretido no quartinho de empregada.
Paraíbas e Coréias, limosines e punks, frutas plástica, ácidas pulseiras, muito dinheiro – São Paulo é gigantesca influenciando todos com tudo e é assim o som, a música titânica dos Titãs, liquidificador acelerando estilos musicais.
O Circo Voador pegou fogo, lá dentro a tempestade depositava seus raios. Os Titãs são nove caras que compõem em duplas, trincas, quádruplas, nonas eletrizantes, uma música feita por nove pessoas, molotov certeiro. E tome ensaio, agora na casa do André que montou um estúdio digno, beleza pura. Novos alquimistas estão chegando, urbanos sorrateiros, refinando, trabalhando o caldeirão urbano-musical. O som do grupo muda, muda muito, arranjos transformam-se duas, três vezes. Tudo é exaustivamente transado, pensado, vivência calculada, pose que encanta totalmente estranha, onda de chuva irresistível. Tudo é pensado, retransado, cada repertório de show mastigado, decantado, alquimizado até a perfeição pra poder acontecer, bater nas pessoas.
Nove rapazes elegantes desafiando plateias com suas músicas romântico-rascantes. Com suas versões hilariantes e líricas de Physical, Yellow River, Balada de John e Yoko que acabou virando Balada de Cristo o os Ocos. Novos alquimistas urbanos de olho em tudo. Até no som de brega, a sub-cultura, o cafona que a norma culta da FM recusa. Sonhos de Cauby, Fuscões pretos, canções caídas de construções nas bocas desdentadas de gente vestida em cores berrantes quadriculadas – outra face do som urbano-Brasil-paulista refletida na música dos Titãs. Claro que devidamente eletrocutada, romantizada no funil do rock. Novos alquimistas urbanos.
Letras poderosas que te pegam pela goela, românticas – “Não posso mais ficar assim ao seu ladinho/Por isso colo meu ouvido no radinho de pilha/Pra te sintonizar/Sozinha numa ilha/ Sonífera ilha/Descansa meus olhos/Sossega minha boca/Me enche de luz” – ou agressivos versos de desenho heavy metal – “Bichos saiam dos lixos/Baratas me deixam ver suas patas/Ratos entrem nos sapatos/Dos cidadãos civilizados/Pulgas habitam minhas rugas/Oncinha pintada/Zebrinha listrada/Coelhinho peludo/ Vão se fuder/Porque aqui na face da terra/Só bicho escroto é que vai ter”.
Feroz eletricidade do lixo civil. Circo Voador pegou fogo com os Titãs numa noite chuvosa, elétrica, tempestuosa, o som certeiro de nove rapazes elegantes desafiando as plateias com suas músicas romântico-rascantes. São Paulo gigantesco passando pelo funil do rock titânico.
Bateria – Casio – guitarras – baixo – vocais e dança louca – gritos e suspiros. Rapazes estraçalhando nos vocais, nos trejeitos corporais, pose punk, fantasia new além. Para os Titãs não interessa cair na pasteurização radiofônica, ou melhor, fazer um som com sofisticação tecnológica de estúdio sem potência primitiva mínima, que é o que a cidade de São Paulo faz com toda transa cultural: reduz a potência primitiva, São Paulo gigantesca. Um grupo sem radicalismos, nem pasteurização nem a bobagem de se esquivar ao mercado, ao circuito comercial.
Nazi do grupo IRA disse uma vez: “Os Titãs não são comerciais mas são comerciáveis”, é isso aí, tirar proveito par fazer uma revolução sorrateira, sem moralismos musicais, sem ética cultural porque hoje em dia nas megalópoles é até brincadeira recusar a mistura, a mixagem, a edição, o cruzamento de tudo. São Paulo gigantesca passando no funil do rock Titãnico. Um grupo onde podem surgir outros grupos plásticos ou musicais, de onde surgiu um grupo de esposas – o “Meninas do Centro” o grupo feminino mais sofisticado e experimental de São Paulo – esposas dos Titãs. O Circo Voador pegou fogo numa noite chuvosa com nove rapazes transformando-se em gigantes elegantes desafiando a plateia, com seu som romântico-rascante. São Paulo gigantesca passando pelo funil rock dos Titãs.
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