12 de junho de 2018

Quando o Rock Brasileiro Morreu?

Eu vi o rock brasileiro morrer. Acompanhei sua agonia de perto. Errado pensar que sua morte é recente...

Eu tenho minha conta das efemérides do rock brasileiro. Pesquisa única que iniciei em 1998. A data inicial da pesquisa é 24 de outubro de 1955, dia em que Nora Ney gravou “A Ronda das Horas”, versão de “Rock Around the Clock”. Não uma versão em português, mas versão em inglês mesmo.

Essa foi a primeira vez que um rock foi gravado no Brasil. Apesar do sucesso instantâneo (puxado pelo filme), demorou um pouco para a coisa toda engrenar.

Mas depois disso veio a 1ª geração do rock, 2º a jovem guarda, 3º os anos 70, 4º a geração 80 e 5º os anos 90. Grosso modo é isso. Pra mim, acaba aí.

Nas minhas efemérides os últimos nomes a pesquisar foram Los Hermanos, Pitty, Cachorro Grande e Autoramas e paro por aí. Pesquiso a geração posterior, apesar de absolutamente irrelevante, mas não publico nada dela.

Você pode me falar de um monte de bandas recentes e/ou artistas solos (havia citado aqui alguns nomes, mas resolvi tirar). Fato é que se juntar todo mundo de hoje (não dá pra falar 'cena') não dá mesma relevância histórica de bandas dos 70 e 80 que estavam no chamado 2º escalão. Não atinge o mesmo número de pessoas, não fala pra muita gente, não é vanguarda, não dita modas, não tem um bom texto, sequer trazem novidades seja na composição, no texto, no arranjo, na harmonia...

Desculpe por ser direto. Falar assim não significa que eu não goste delas ou de outras recentes. Vou a shows de bandas novas e relativamente novas, tem algumas que gosto muito e fico entristecido em ver que não acontecerá nada com nenhuma delas.

Vejo shows com muita gente, todo mundo cantando as músicas e tals, mas é nitidamente uma coisa de gueto, para alguns poucos. Em SP, onde moro, tem um circuito bom de shows com as unidades do SESC, o Centro Cultural, algumas outras boas casas noturnas com música ao vivo que surgiram recentemente... lugares não faltam.

Bom ver que há novamente um circuito. Há bandas do underground que conseguem fazer uma agenda de shows e tocar com certa frequência. Legal. Ok. Mas nunca mais vai acontecer de um músico de rock com sua banda autoral viver somente de sua música. Pode haver exceções, raras. Mas como houve nos 80 e 90, de uma porção de bandas surgirem juntas e ter uma carreira profissional de lançamentos, shows, divulgação, bons cachês, reconhecimento nacional, etc... isso nunca mais.

Depois da geração 90, acabou a história do rock aqui no Brasil. Não foi feito nada de muita relevância desde então, e também não aconteceu nenhuma cena.

O que eu vejo de último suspiro do rock brasileiro, aconteceu na segunda metade dos 90, que são essas bandas que citei no inicio do texto, e ainda acrescento, claro, CPM22 e Charlie Brown Jr.

Pronto. Acabou. Fim.
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E se você pensar bem, tirar o coração, perceberá que na verdade, a história toda acaba nos anos 1990 com CSNZ, Raimundos, Planet Hemp, Pato Fu, O Rappa, mundo livre s/a, Skank...

Digo isso porque todas elas formaram uma cena que girou em torno do Juntatribo, Superdemo, Abril Pro Rock e do grande boom da MTV que, juntamente com essa galera, saiu do underground. Não dá pra não citar a situação econômica do país naquele período. A estabilidade do Real permitiu que as gravadoras voltassem a contratar bandas de rock, coisa que não acontecia desde 1989-90.

Killing Chainsaw
Vi bem de perto essa morte. Eu ainda estava na MTV e dou aqui um depoimento enxuto que ilustra a morte:

Essas bandas todas que estouraram nos 1990 citadas aqui acima, todos os integrantes envolvidos nelas começaram a carreira ainda nos 80, e nunca deixaram de cantar em português. É uma turma que ainda tocava por amor, ralou, juntou grana pra gravar demo, pagou pra tocar e dependia de amigos para ajudar na divulgação. Só pra dar alguns exemplos, John Ulhoa já tocava em 1982 com o Sexo Explícito; Marcelo Lobato tocava com Fausto Fawcett; Fred 04 também na atividade já no início da década de 80; Digão tocava com Filhos de Mengele em 1986 e Raimundos começou em 1987; D2 e Skunk; Pouso Alto/Skank... tava todo mundo lá.

Essas bandas aproveitaram os festivais e o novo boom da economia + MTV + gravadoras e tals. Nunca abriram mão do som que faziam e o faziam sem saber no que ia dar e se ia dar em algo.

Com o estouro dessa geração, surgiram trocentas zilhões de asquilhões de bandas fazendo as mais diversas misturas. Muitas bandas que cantavam em inglês passaram a compor em português. Lembro de gente dessas bandas indo à MTV entregar material novo "olha, mudamos o repertório..." rã rã... Era um desespero por sucesso que dava pena ver... E o momento da morte é esse!

Eu criei o Ultrassom MTV e fiz sua direção por uma temporada. Era tanto material que uma pessoa foi contratada para ajudar a ouvir e já fazer uma seleção. Fitas e CDs não paravam de chegar e lotavam caixas e caixas que ocupavam armários. Não era pouca coisa, não.

E mesmo assim era absurdamente difícil achar algo bom. Eu precisava de apenas duas bandas por programa, que era semanal, e era muito difícil achar material bom no meio de tudo aquilo.

E foi nesse momento que percebi que a razão do rock existir havia acabado, havia se perdido. Todos ávidos pelo sucesso, foda-se a música. Letras horrorosas, composições cheias de clichês, sem personalidade alguma e o pior de tudo: não tinha história, não tinha coração.

Grosso modo os anos 90 foram duas cenas: uma underground que começou exatamente em 1989-90, com todas aquelas bandas que surgiram cantando em inglês; e outra que é essa que citei acima, que ao contrário do underground internacionalizado, cantava em português e valorizava a língua.

Depois dessas duas cenas, as coisas foram acontecendo soltas, surgindo um nome aqui e outro ali até finalmente tudo morrer de vez.

Em 2015 fiz um trabalho onde conversei com muita gente da música, inclusive executivos de gravadoras. Todos eles afirmavam que 2016 seria a volta do rock no mainstream. Estamos na metade de 2018 e não há nenhum sinal de que algo nesse sentido irá acontecer.

Ter gente aí fazendo rock não significa que ele não esteja morto. Como disse, perdeu todo o sentido, do que representava, da contestação, e de todo o contexto que o cercava, inclusive das dificuldades. Nada do que era fazer rock existe hoje.

Então fim. :)