BIZZ - Façam um balanço do que vocês pretendiam e o que vocês conquistaram.Marcelo - Gravamos um compacto em Salvador num estúdio pequenininho de oito canais. Aí a música começou a tocar e começamos a nos apresentar para casas cheias, Tocamos para vinte mil pessoas no Farol da Barra. E aí pintou o lance de gravar um LP que a princípio seria pela Fermata. Viemos para São Paulo para isso e quando estávamos no estúdio, uma pessoa entrou, ouviu e propôs para o Toninho (o contato da gravadora) que o disco poderia sair pela Som Livre. Como realmente acabou acontecendo. Só que depois de três meses que o disco saiu houve um problema interno lá deles. Queriam que o nome da banda fosse mudado por razões que sei lá... Era imoral, indecente, ia dificultar a penetração na mídia etc... E se fossem bons cordeiros, bons cabritos, em compensação eles dariam para a gente o sistema de mídia da Globo inteira. Não aceitamos essas pressões e pedimos as contas. Na época foi duro pra caramba. Custou vários almoços de hamhúrgueres. Vários jantares de cheese-salada.
Karl - Morada na Boca do Lixo.
Marcelo - Só que hoje, quatro anos depois, a gente olha para trás e vê que foi a decisão mais acertada que poderíamos ter tornado. Porque durante este tempo aprendemos que nossa decisão é mais importante até que a vontade de qualquer pessoa. Ficamos um ano e meio sem conseguir gravar, e o segundo LP veio pela RGE que, por mais paradoxal que pareça, é do mesmo dono da Som Livre. E quando “Joana D´Arc” virou hit de rádio e invadiu a tal da mídia e a banda vendeu 100 mil LPs fomos convidados para fazer Chacrinha... E com o mesmo nome. Porque aí a falsa moral caiu por terra. O que era indecente passou a ser sarcástico. Sabe, aquela mentalidade: “Esse nome é bom, é sarcástico, vende 100 mil cópias e a gente vai ganhar dinheiro”.
Karl - E a coisa mais engraçada é que quando a RGE resolveu relançar o primeiro LP, que tinha sido encostado pela Som Livre, o disco veio com um selinho dizendo: “Incluindo “Bete Morreu””. E essa música escandalizava todo mundo da gravadora por causa da letra violentaram Bete, espancaram Bete, ela nem se mexeu, Bete morreu.
BIZZ - Quais foram os indicadores que fizeram vocês sentir que a coisa ia acontecer, que vocês iam ser uma banda de sucesso?Marcelo - Acho que foi quando “Joana D´Arc” se tomou um hit. Este foi o ponto, porque veiculou o Camisa nacionalmente.
BIZZ - E depois de “Joana D´Arc”?
Karl - Depois disso a gente resolveu adotar São Paulo.
Marcelo - Inclusive porque a gente sentiu que a linguagem do Camisa tinha muito mais a ver com uma cidade urbana. O drive de São Paulo contribuiu e o público também.
BIZZ - E por que São Paulo?
Karl - A gente saía de madrugada na Av. São João, via aqueles anúncios de neon, aquela fumaça. Já estava todo mundo de saco cheio de menina com cabelo de Elba Ramalho, biquíni fio-dental de Ipanema, entende"? Uma coisa vulgar pra caramba. Chega a se tomar desagradável de tão vulgar que é. E hoje, um ano depois que estamos morando aqui, ninguém está pensando em sair para canto algum.
Marcelo - Somos baialistas agora.
BIZZ - Como?
Marcelo - Baianos que moram em São Paulo.
BIZZ - Falem um pouco do novo disco.Marcelo - Viva ainda é o novo disco. Viva foi uma decisão da gente de gravar um disco para os fãs, talvez até como uma maneira de reconhecimento por eles terem colocado a gente onde estamos hoje. E ele é a cara do Camisa no palco, que é o nosso habitat natural, é onde o Camisa é. Adoramos estúdios, procuramos esmerilhar aqui dentro. Mas o Camisa é, indiscutivelmente, uma banda de palco, até pela participação do público, que é tão importante quanto a nossa. E isso está registrado nesse LP.
BIZZ - Mas tinha o fato de vocês estarem devendo, por contrato, um LP para a RGE.Karl - Mas poderia ter sido um disco de estúdio!
Marcelo - E tinha chegado o momento de fazer um disco ao vivo Aliás, parece que depois que a gente fez um disco ao vivo estão saindo outros discos ao vivo também (risos).
BIZZ - Como por exemplo?Marcelo - Eu tenho ouvido... Saiu RPM, Caetano...
BIZZ - E do novo, novo disco, este que vocês estão gravando aqui.Marcelo - Estamos começando ainda. Inaugurando este estúdio.
BIZZ - Então falem das diferenças entre este e os outros LPs.
Karl - Está ligado à própria evolução dentro do nosso trabalho. Somos cinco, seis com o Petê (empresário). Trabalhos há quase cinco anos juntos. E a integração da banda, a sonoridade das guitarras, as idéias... está tudo melhor. Não moramos mais na Boca do Lixo, não dividimos apartamento. Acho que as mudanças têm a ver muito com nossa mudança de vida.
Marcelo - Se você observar o primeiro LP, ele é um pau só do começo ao fim.
Karl - O segundo já vem com um melhor tratamento de estúdio.
Marcelo - Além da diversificação rítmica. Tem reggae, rap, balada... O terceiro já é ao vivo. E esse novo disco é como eu falei: estamos começando agora e só temos as bases prontas.
BIZZ - Na época em que formaram a banda, vocês fizeram uma versão de "Negue", além de outras músicas que têm elementos da MPB. Como a MPB entrou no trabalho de vocês?Karl - O objetivo de ´Negue" era dilacerar... O Marcelo queria conseguir ser mais dramático que Maria Bethânia cantando. E acho que ele conseguiu.
Marcelo - Se o Camisa tem um texto, vamos dizer, sério, como é o caso de "Metástase", ele também tem um lado super sacana, que é o lado de "Silvia", "Negue"... do deboche... Não somos cinco intelectuais tentando fazer som dos Smiths, Cure, U2, enfim, que tenha similar lá fora. O Camisa pode ser uma banda ótima ou uma porcaria de banda, mas ela tem características próprias. Não parece com absolutamente ninguém. Tem identidade. E, também, o Camisa sempre foi misturado. Aldo, por exemplo, gosta do U2. Gustavo de heavy metal, do Rush. -. Karl gosta de Pete Townshend, Lou Reed. Quer dizer, essa coisa de mesclar sonoridade sempre acompanhou a gente. E o fato de a MPB ter vindo misturado também está incluído nisso. E da admiração que todos nós temos por Raul Seixas. Tanto que nesse LP vamos fazer uma regravação de uma música dele.
BIZZ - Qual?Karl - Não sabemos ainda. Tem duas ou três. Não decidimos.
Marcelo - Inclusive quando a gente leu na BIZZ, onde Raul dizia que ele não gostava de ninguém. só do Camisa de Vênus, porque era a única banda que não se permitia fazer esse joguinho das Globos da vida, ficamos super orgulhosos. O velho ídolo dizendo que nós somos os melhores.
BIZZ - Vocês disseram uma vez que o único brasileiro que prestava era o que vinha de Brasília e da Bahia.
Marcelo - Na verdade o lance era chamar atenção para o fato de que não só no Rio e São Paulo as coisas aconteciam. Essa linguagem que parece estar concentrada especificamente no Rio - linguagem para criança de 10 anos de idade. E uma brincadeira. Grupo de faixa etária entre 20 e 30 anos, às vezes, até mais de 30 cantando musiquinha com letra de Menudo para garotinho de 10, 12 anos curtir. Mas, por outro lado, como o Camisa está sozinho, não estamos integrados a nenhum movimento de rock. Nosso lance sempre foi à parte, cada um faça o que quiser. Já rasgamos nosso contracheque faz tempo! Raríssimas bandas eu paro para ouvir e dizer: gostei. Gosto de Replicantes. Acho que eles têm uma coisa de desenho animado do rock que eles passam e acho isso super legal. E do Capital Inicial. Os textos do Renato Russo eu gosto muito. Acho que o Legião não encontrou ainda a sonoridade deles. Mas acho que têm competência para encontrar. No primeiro disco a coisa ficou meio U2 agora está meio Smiths...
Gustavo - Gosto também do Clemente, dos Inocentes.
Marcelo - E do Lobão. Se o Raul é um gênio, Lobão é febril – 42º de febre o tempo todo. Nesse ponto acho até que a gente se identifica um pouco - no lance de não ser sócio de clube nenhum. Outro dia uma revista veio me convidar para fazer uma entrevista. Chamava HV. Éramos eu, Arnaldo, Renato Russo, Paulo Ricardo, Herbert Vianna... Liguei para lá, agradeci a lembrança do meu nome e disse: Primeiro, querida, eu não tenho saco para discutir constituinte do rock com ninguém!". Sim, porque juntar esse pessoal você acha que é para o quê? "E. segundo", disse ainda. "eu já passei dos 30. Não faço parte da jovem-guarda!"