21 de novembro de 2022

Jimi Hendrix Não Morreu em 1970

Depois que sua namorada voltou do mercado e viu Hendrix desacordado, ela ligou imediatamente para o serviço de emergência. No caminho ele sofreu um ataque cardíaco, mas os profissionais da ambulância o salvaram. 

Chegando ao hospital, já todo mundo sabendo que era Jimi Hendrix, o levaram para sala cirúrgica onde fizeram uma lavagem estomacal. Durante algumas horas Hendrix correu sério risco de perder a vida, mas conseguiu sair dessa pesadíssima overdose. Permaneceu na UTI durante dias, em coma induzido. 


A mídia enlouqueceu, os fãs acamparam em frente ao hospital e o mundo todo ficou atento à recuperação de um dos ícones do movimento hippie e da música psicodélica. Programas de debates em TV e rádio, jornais, revistas, toda mídia discutia sobre os costumes dos hippies, o consumo das chamadas drogas psicodélicas, os costumes dos roqueiros da nova cena e os reflexos do festival Woodstock. Em meio a tudo isso, comoção e muitos boatos. Até o fim de setembro foram ao menos 3 vezes que noticiaram a morte do grande guitarrista canhoto.


Pra esquentar ainda mais esse debate, no dia 4 de outubro, Janis Joplin, outro ícone do movimento hippie, também dá entrada no hospital vítima de overdose. Esse fato só colocou mais lenha na fogueira. Dois dos grandes nomes da nova música internados vítimas de overdose. A repercussão foi muito negativa  e muitos shows foram cancelados. Assim como participação em programas de televisão e coisas assim. Até mesmo as gravadoras adiaram alguns lançamentos previstos para o Natal de 1970.


Voltando para Jimi Hendrix, no final de outubro ele saiu do hospital, ainda fraco em cadeira de rodas, mas sem sequelas físicas e mentais. Foi pra casa e saiu de cena por seis meses. Claro que a mídia ficava em cima o tempo todo atrás de qualquer novidade, mas nada de shows, gravações, músicas, entrevistas, fotos. Até que um belo dia a família divulga algumas fotos dele tomando banho de mar, já forte com a mesma aparência de antes. Esse foi o início de sua volta para a música e para a mídia. Mas Hendrix era outro.

Sóbrio, com um cabelo black power curto e firme, roupas nada coloridas e sem guitarra na mão. Foi assim que Hendrix apareceu nas primeiras entrevistas. Sua volta aconteceu em maio de 1971 e evidente que todo mundo queria saber da retomada de sua carreira. Ele surpreendeu a todos: contou que recebeu visita de muitos velhos amigos dos tempos de soul music e, como resultado, ele já tinha planejado a gravação de um disco gospel com The Isley Brothers - com quem tocou e gravou antes da carreira solo.


Não que ele tivesse abandonado o rock, mas é que as visitas somadas aos velhos discos que ficava escutando em casa, o fez resgatar raízes, então naturalmente compôs algumas coisas e fez versões de outras músicas que resgatou. Pra retomar devagar, precisava de algo diferente. Nada de shows marcados e nada de pressa em fazê-los. Na verdade, ele passou 1971 praticamente no estúdio.


No Natal de 1971 saiu o disco com o The Isley Brothers e a recepção foi melhor que o esperado. Um documentário mostrando os bastidores das gravações do disco repercutiu bem e ajudou nas vendas. Shows não estavam planejados mas, por causa do sucesso, resolveram fazer dois no fim de fevereiro de 1972. O palco escolhido foi o do Apollo Theater e os ingressos foram muito disputados!

Diferente de seus trabalhos solos, nesse projeto com os Isley, não havia distorções e nem sempre a guitarra está aparente. Ela está junto com a percussão, os backing vocals, corais, baixo e teclados. Um disco gospel grandioso, com belos arranjos e produção impecável. Jimi Hendrix estava diferente, mas estava de volta ao jogo.

Retorno triunfante - apesar de alguns roqueiros radicais terem reclamado - que colocou Hendrix de volta às manchetes, mas agora por causa de sua música. Apesar dos apelos por uma turnê, nem ele e nem os Isley poderiam. Os shows do Apollo foram gravados profissionalmente e foram exibidos nos cinemas do mundo todo durante todo ano de 1972. Com esse lançamento Hendrix teve a chance de viajar pelo mundo para ajudar na divulgação. Viajou sem banda, só para divulgação na mídia: participar de programas de tv e rádio, entrevistas para revistas e jornais, ir a eventos. Viajou pelos EUA, foi para Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Holanda e Japão.


Durante essa turnê de divulgação, por mais que tentassem, nenhum jornalista conseguiu arrancar do guitarrista seus planos futuros. O máximo que ele falava era: “não posso falar nada pra não estragar.” Mas essas viagens foram ótimas pra ele que foi a lugares que não conhecia e, sem o peso de ter que fazer shows ou outras obrigações musicais, Jimi Hendrix chegou a tocar em alguns momentos em televisão e rádio. Tocou violão, brincou em um piano e até tocou “Purple Haze” em um programa de TV do Japão acompanhado de dois músicos sósias de Mitch Mitchell e Noel Redding. Apesar do clima descontraído, fizeram um puta som e foi a primeira vez que Hendrix tocava algo de seu repertório clássico desde sua overdose.


1973 iniciou com um anúncio bomba tanto para os fãs, quanto para imprensa: Hendrix havia formado um novo grupo, o The Soul Experience, resgatando seu projeto solo inicial, mas agora sem seu nome mas sendo uma super banda formada com  Billy Preston nos teclados e piano, Buddy Miles na bateria, James Jamerson no baixo, The Flirtations nos backing vocals e Robert (Willie) White na guitarra base. James e Robert eram músicos da Motown e formavam a famosa The Funk Brothers. A 1ª entrevista coletiva do grupo foi um evento digno de um grande concerto de rock.

Na entrevista, que aconteceu em 20 de janeiro de 1973, eles revelaram que já estavam tocando há três meses. A conversa começou com Hendrix, Miles e Preston em uma festa na casa de Berry Gordy (o dono e fundador da Motown Records). Foi algo despretensioso que deu certo. Anunciaram repertório para um disco duplo com composições novas de Jimi Hendrix, de Soul Experience e versões da soul music, e turnê durante o ano todo.


Evidente que foi outro estouro de vendas. Além da banda base, havia percussão, sopros e cordas. Quincy Jones foi o responsável pela produção e foi ele quem se convidou. Mais uma vez Hendrix dispensou as distorções que estão em momentos pontuais. As duas últimas músicas do discos preencheram o Lado D e se tornaram clássicos do Gospel Progressivo, inclusive porque são as duas únicas músicas desse estilo.


Entre pré-produção e término das gravações, o grupo ficou em estúdio de fevereiro até maio e o disco saiu no início de setembro de 1973. A partir daí rolou o esquema clássico “divulgação e shows''. Foi uma turnê de poucos e bons shows. Estados Unidos, Japão e Europa. Dividiram palco com Stevie Wonder, Aretha Franklin, The Staple Singers, Ike and Tina Turner, Temptations e outros grandes nomes da soul music.


Hendrix estava sóbrio. Todo mundo perguntava pra ele se era difícil ficar nessa condição em um ambiente em que há drogas com facilidade. A resposta era sempre a mesma: depois da overdose e do coma, ele voltou sem vontade, como se aquilo não fizesse parte dele. Apesar disso, a genialidade musical continuou a mesma.

Mesmo quando ainda consumia de tudo, houve um período em que ele não usava nada antes dos shows, nem maconha. Isso foi um conselho de Bill Graham, dono da famosa casa de shows Fillmore, que Jimi experimentou e percebeu que, de fato, sua performance era melhor estando sóbrio. Ele se sentia bem, estava bem e assim pode ver o quanto estava entregue às drogas, quase que um suicida.


Se afastou de certas pessoas e esses projetos os quais agora estava envolvido eram bons porque ele dividia a atenção com os outros músicos. Com os Isley e com Soul Experience, o peso não estava inteiro em seus ombros. Então voltar dessa forma o ajudou a também entender o que era os anos 70 antes de voltar com tudo. Tanto que das 15 faixas do disco, apenas três ele assina sozinho. A maior parte eram composições surgidas nas jams que viraram ensaios. Riffs, letras, arranjos, tudo foi feito em grupo. Tudo aconteceu perfeitamente bem. Os shows foram ótimos, o clima entre os músicos era excelente. Foi um ano muito bom para Hendrix e já na fase final da turnê , ele começou a receber convites para participar de gravações e discos.


O último show deste projeto aconteceu em outubro de 1974 e depois disso todo mundo saiu de férias. Não havia planos para entrar novamente em estúdio, a ideia era apenas o disco e a turnê. A missão estava cumprida. Nas últimas entrevistas todos deixaram a possibilidade de uma nova reunião aberta. Jimi não falou pra ninguém, mas a essa altura ele já estava com vontade de tocar rock novamente.


Saiu de férias com a família, levando seu violão, e passou o resto do ano na praia. Porém nesses últimos meses de 1974, pensou bastante no futuro e até fez contatos.


No início de fevereiro de 1975 Jimi Hendrix fez o anúncio que muitos fãs esperavam desde sua volta: o The Jimi Hendrix Experience estava de volta e reformulado com Billy Preston nos teclados e piano, Jack Bruce (ex-Cream) e Don Brewer no lugar de Buddy Miles que tinha compromisso já marcado com sua banda Electric Flag. Don, apesar de tocar no Grand Funk Railroad, foi chamado em um período de folga do grupo.

Dessa vez eram composições unicamente do Hendrix, todas rock. Era o velho Jimi Hendrix, mas com influência do rock progressivo. Resgataram um rock cru, sem muitos efeitos. Gravaram dois discos (75 e 76), os dois no esquema ao vivo no estúdio e muitos shows pelo mundo. Em 1977 saiu um disco ao vivo referente a turnê de 76. Após lançar o 3º disco de estúdio no final de 1978 o grupo terminou seus compromissos de shows em julho de 1979 e tirou férias, porém não voltou mais porque seus integrantes foram trabalhar em outros projetos. Esse 3º disco, recheado de convidados, se tornou um grande clássico com grande vendagem no mundo todo. Dele participaram Eric Clapton, Keith Richards, Little Richard, Chuck Berry, Robert Fripp, Roger Watts, John Bonham e Jimmy Page, Stevie Wonder, Betty Davis, entre outros.


Depois da overdose Jimi Hendrix realmente mudou, se considerava um cara de sorte e via essa segunda chance como uma oportunidade de ouro e foi por isso que ele se cercou de amigos no palco e no estúdio. Depois de ter feito esse retorno triunfante e intenso do Jimi Hendrix Experience, ele considerou seu ciclo no rock terminado, pelo menos naquela concepção.


Hendrix entrou na década de 1980 tranquilo com seu passado e sem negar o futuro. Participou de diversos discos e gravações e continuou tocando com seus amigos. B.B. King, Bo Diddley, Muddy Waters e outros grandes guitarristas dividiram palco com Hendrix em festivais de Jazz, de Blues; velhos roqueiros e os novos dos anos 80 também tocaram e gravaram com ele. Ao longo dessa década de 80, Jimi lançou apenas mais 3 discos, todos eles de Jazz e Blues, também recheados com participação de grandes músicos desse universo.
 
Em 1981 ele, juntamente com Eric Clapton, Stevie Wonder, Norman Watt-Roy (The Blockheads) e Buddy Miles se juntaram em um projeto onde ficaram por duas semanas em um daqueles casarões nas redondezas de Londres. Esse encontro resultou em dois discos memoráveis lançados em 1982 e 1983 que mistura músicas autorais, releituras e covers que variavam entre a soul music e o soft rock.

A partir dessa década Jimi Hendrix resolveu se divertir mais e se preocupar menos com a carreira. Surpreendeu o mundo gravando o solo da música “Beat It” de Michael Jackson no disco Thriller; veio ao Brasil pela primeira vez para participar do festival Rock in Rio de 1985 em um show antológico junto com George Benson; participou do Live Aid e do Woodstock de 1994 também fazendo um show antológico com todos seus grandes clássicos e que saiu em CD. Ao longo dos anos continuou tocando e gravando. Jimi morreu em 2004, aos 62 anos, depois de um ataque cardíaco. De todas as drogas que tomava, ele só não havia abandonado o cigarro e a cerveja. Como deixou muito material gravado desde os anos 1970, até hoje, pleno 2022, ainda há lançamentos inéditos.