Os Heróis do Brazil
(Por E.L.)
A reportagem é da Revista Roll, nº 3, dezembro/1983.
(A transcrição é literal, com os erros inclusos)
O orgasmo vai caindo para molhar os chapéus garoados. De SP para o
planeta, acaba de sair do forno o primeiro LP do grupo Magazine, banda que
liderou os hit-parades do Acre ao
Uruguay, com o bem bom hit “Eu sou Boy”. Aliás, com este estouro de execução,
ficou bem mais complicado explicar qualquer estrutura programática que resulte
em fórmula de sucesso. Nem kriptonita verde nem espinafre biotômico: o buraco
de um disco é sempre no centro.
Kid Vinyl, condutor espiritual e vocalista do Magazine, vem, há algum
tempo, escorregando no sebo de uma trajetória repleta de tentativas, demo-tapes
e créditos abstratos pela ensandecida noite da Paulicéia. Kid, o renitente
band-maker. Mr. Vivyl, o insistente band-leader. Verminose foi uma das bandas
capitaneadas por este Lolly-Herói do Brasil-pop. Era um conjunto que pendia
ligeiramente para alguns climas hard-cores, ao lado de hard-times em vários
hard-stages. Para os de esgarçada memória, vale a pena lembrar do “Mocidade
Independente” programa tipo supermercado de idéias, produzido por Nelsinho
Motta e May East para a TV Bandeirantes, nos idos de 81, quando aconteceu o
magnífico debut de Kid Vinyl e a banda Verminose.
Um prewiew daquela missão
básica que o R&R brasileyro viria formalmente a cumprir pouquíssimos meses
depois. E, junto destas desarvoradas previsões, lá estava o genial tape do
Verminose, onde bobagens, cosmopolitismo e intolerâncias jorravam lindamente.
Toda vez que eu entro em depressão
Eu corto o braço e faço kibe crú
A minha vida não é mole não
Não é champanhe
É álcool zulu
É uma temeridade saber que convivemos com a gigantesca burrice
positivista de quase todos críticos e comentaristas e resenhistas de música do
Brazyl. Noventa e nove mil por cento ainda clamam, tossem e vomitam em prol de
uma linha “evolutiva” da senhora MPB, que, coitada, já possui varizes até a
alma.
E além desta busca incenssante por “Progresso e evolução”, brandam melancolicamente
por um “mapeamento musical” das quarenta e sete mil regiões brasileiras, sempre
amparados por reminiscências éticas adquiridas em cantinas universitárias. Aquela old old old estética que
persegue uma emolduração dourada da miserabilidade (sic) sertaneja, das
zabumbadas de poncho Y conga, etc e tal, etc e tal.
Fica ululantemente óbvio que o Magazine não interessa nada saber se
todas cantoras nordestinas foram alimentadas na infância com danone de calango,
ou se Dona Tema de Lara vai sair na trilionésima comissão-de-frente no carnaval
de 1984. Salve-se quem puder.
Eu sei que você sabe que eu não sei
Que você sabe que eu sei
Bom, mas esta matéria rodopiou too much. Fazendo um retorno ao prólogo
do sermão, gostaríamos de lembrar que estamos comemorando este disco;
M-A-G-A-Z-I-N-E. Portanto, queridos leitores, não é necessário justificar-se altitude
nenhuma. O disco do Magazine chega trazendo uma bomba de juvenília inevitável
para quem tiver ouvidos e estradas limpas. É importante saboreá-lo faixa a
faixa, nesta fabulosa orgia de urbanidade, que tanto poderia agradar a um
sambista da Mongólia como ao garoto new-wave de Nova Iguaçú.
Anulados estão os
konceitos de “seriedade e elevação”. Para Kid Vinyl e seus demolidores rapazes
(Trinkão, bateria; Lu Stopa, baixo e vocal; Ted Gaz, guitarras, teclados e
vocal) todos podem e devem dançar sem pudor em cima do Cristo Redentor. Ah, e
por falar nisso, “Psicodelismo em Ipanema”, hit adorável do João Penca e Seus
Miquinhos Amestrados é considerada pelo Kid Vinyl como “melhor música do ano”.
Creio que todos nós concordamos: é literalmente impossível não se gostar desta
peça do Mago Leandro. Deus salve os Miquinhos.
Freio é coisa que existe
Só pra enfenitar
O Magazine não tem medo de vespas e marimbondos, portanto podem receber
(de mão beijada) todo aquele clima moleque inaugurado por Lamartine, Assis
Valente, e, later, arredondado por
visões e versões da Jovem Guarda, um tempo que juntou alegria aos quadris.
“Para mim”, fala Vinyl, “ a Jovem Guarda foi o primeiro momento onde tomei pé
naquilo que chamam de música. Adoramos tudo que foi feito e gravado naquela
fase”.
Não é à toa, então, que o Magazine incluiu duas regravações de covers
geniais de Wanderléia: “Meu Bem Lolly Pop” e “Não” (Juventude Twist), esta
última numa antiga versão do Big Tremandão Erasmo. Surgiram duas canções
geniais, altamente dançáveis e que completam um panorama exato de um Jovem
Guarda revisited. Finalmente
resgataram Wanderléia do exílio em Honolulu. O Magazine adora mini-saias e namoros
com segundas intenções. Trata-se de um bando de maníacos.
Eu fui no laboratório de análises clínicas
Fazer meu exame de bilirrubina
No exame de urina deu criolina
Criolina na urina
Carolina na janela
Com seus olhos tão imundos É tanta dor de todo mundo
Carolina tá com Chico
Chico tá com criolina
Retomando o antigo e bom trajeto do rock, da juventude sem calça, do
tabefe no cinema e da grande Inutilidade Sistemática do Tudo e Todos, os carros
voltam a ficar vermelhos e os rostinhos ruborizados. O MA-GA-ZI-NE chegou
derrubando as marmitas e sobrevoam lépidos e serelepes os negros tempos:
fuscão, feijão e felizes ferocidades. De grão em grão, chegamos em 1984.
Você é feito de aço
Fez meu peito em pedaço
Também aprendeu matar
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