18 de julho de 2023

Série O Resgate da Memória: 55 - Cláudio César Dias Baptista (Som Três, 1986)

Até a abertura econômica que aconteceu no (corrupto) Governo Collor, o Brasil tinha que se contentar com os péssimos produtos nacionais.

Em relação ao universo da indústria fonográfica, o brasileiro sofria horrores não só com instrumentos sofríveis, mas também com os acessórios e equipamentos: mesa de som, amplificadores, equalizadores, pedais, microfones, cabos, plugs... Não à toa a qualidade de gravação de muitos discos das décadas de 1970 e 1980 são sofríveis.

Cláudio César é o irmão mais velho dos irmãos Dias Baptista – Sérgio e Arnaldo – e também graças a ele que Os Mutantes manteve qualidade sonora de nível internacional.

Em uma época que era praticamente impossível importar instrumentos e equipamentos, Cláudio deu aos artistas dos 1960 e 70 uma qualidade inimaginável para àquele período.

Aqui – como homenagem a este pioneiro dos equipamentos artesanais – transcrevo uma reportagem publicada na saudosa revista Som Três de agosto de 1986:

 


 

INSTRUMENTOS

A Fábrica do Eu-Sozinho

A CCDB significa Cláudio César Dias Baptista. Sozinho ele pesquisa, idealiza, projeta, desenvolve, monta e vende uma enorme quantidade de equipamentos, desde amplificadores até câmaras de reverberação e vocoders.

Mesas de sonorização e gravação de 12, 16 ou 24 canais, amplificadores de potência monofônicos e amplificadores turbo-compressor para instrumentos musicais e vozes, câmaras de reverberação, vocoders, pedais, captadores para violões e outros instrumentos acústicos e mais de uma centena de equipamentos de áudio, com uma sofisticada tecnologia, totalmente idealizada e desenvolvida no Brasil. Aí estão os produtos CCDB, famosos entre muitos músicos brasileiros.

A marca é, na verdade, as iniciais de Cláudio César Dias Baptista, um “artesão eletrônico” que há mais de 20 anos vem desenvolvendo um trabalho pioneiro no setor de áudio. Com preços bem inferiores aos dos produtos importados do gênero, eles só são feitos por encomenda. Cláudio, que trabalha como autônomo, oferece uma garantia de 5 anos e completa assistência técnica. Com mais de 600 clientes cadastrados, ele, no entanto, diz que não tem tido problemas com seus aparelhos, utilizados por grupos e artistas como Herva Doce, Sérgio “Mutantes” Dias Baptista, Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, A Cor do Som, Blitz...

Autodidata em eletrônica e áudio, Cláudio César desde a infância mostrou habilidade para o trabalho manual, construindo telescópios óticos e fazendo aeromodelismo. Através dos pais – César Dias Baptista já falecido, foi cantor lírico e Clarisse Leite é pianista clássica – ele herdou a paixão pela música e no início dos anos 60, insatisfeito com as guitarras nacionais, começou a fabricar seus primeiros instrumentos. Logo ele já dominava a arte e a partir de 1965 passou a vender suas guitarras. Cada uma era um protótipo, sendo aperfeiçoada a cada nova encomenda, já que Cláudio não se propunha a fabricar nada em série. O seu trabalho seria conhecido através do grupo de seus irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista, mais Rita Lee, nada mesnos do que os lendários Mutantes. A guitarra “de ouro”, semi-acústica, que Sérgio Dias usou durante muitos anos, por exemplo, é um dos frutos do trabalho de Cláudio e, segundo ele, já foi considerada por músicos do mundo todo como uma das melhores guitarras do gênero.

 Tudo Sozinho

De 1965 a 1972, Cláudio fabricou cerca de 200 guitarras sólidas e mais umas 30 acústicas. Ele esteve a ponto de exportar seus instrumentos, mas a tentativa de industrialização não chegou a se concretizar devido, entre outras coisas, a um acidente com seu sócio na época. Formado em administração de empresas, na EAESP-FGV, Cláudio César acabou chegando à conclusão de que, para seus propósitos e seu tipo de personalidade, a melhor forma de atuação seria como autônomo. Daí trabalhar apenas com encomendas, sem intermediários ou lojas, como um sofisticado artesão e inventor eletrônico. Tudo passa por sua mão e além de idealizar, pesquisar, projetar, desenvolver e montar seus aparelhos, Cláudio também redige e imprime os folhetos explicativos que acompanham suas crias. Ele assegura que tudo que produz se equipara, ou é melhor, aos similares importados.

Para se ter uma ideia do trabalho deste “mago da tecnologia de áudio”, aí vai um trecho do prospecto “O Uso das Mesas CCDB”: “Até astronaves podem apresentar defeitos. A melhor cura para um defeito é preveni-lo e uma das formas de fazermos isto é conhecermos as possibilidades de defeitos e nos prepararmos para resolvê-los correta e eficientemente. Os circuitos integrados CCDB são importados (...) O resto do material é o melhor nacional (...) Uma prova de qualidade é o histórico de assistência técnica das mesas CCDB. Até a data da redação deste prospecto, de 48 mesas Flightmix já em operação, nenhuma teve assistência técnica.”