23 de abril de 2014

Sem Cena Não Há Nada

É de fato preocupante, pra quem gosta e se importa, ver como está à cena rock no Brasil. Inexistente. Tem um monte de bandas por aí, mas cena não existe. Sem cena, não há força; sem força não há interesse, e sem interesse nada acontece.

E qual o motivo de não existir cena? Aí já fica difícil de responder. Creio não haver uma resposta única, mas para se chegar em algum lugar posso dizer, o que me parece, que cada um está cuidando do seu. Vejo algumas bandas aparecendo um pouco mais na mídia, e até em portais como o UOL e G1. Legal, porém são casos isolados.

Você pode perceber que em todas as gerações, desde o início do rock nos anos 40 e 50, sempre houve as cenas. Aqui no Brasil teve a jovem guarda, o tropicalismo, o rock progressivo, os anos 80, os anos 90. Depois dos 90 acabou. Até tentaram formar uma nova cena MPB nessa primeira década dos 2000, mas não foi isso que aconteceu na prática.

A internet também ajudou a individualizar mais a divulgação. Todas as bandas se debruçam nela e ficam na esperança de algo acontecer sem precisar fazer muito esforço. Dessa forma realmente não haverá cena de nada, nunca mais.

Da parte das casas noturnas, as que existem, o tratamento com o underground é o mesmo há décadas, ou seja, escroto, sem divulgação, sem cachê ou qualquer outro incentivo. Tudo é feito por amor. Em dia de show trabalha-se mais de 12 horas, entre sair de casa e o fim do show. É cansativo e até humilhante em alguns casos, já que há gente que pensa estar fazendo um favor para o artista pequeno. Se gasta com transporte, gasolina, alimentação e, no fim, sai caro para o músico fazer um show.

Há esses festivais alternativos (que inclusive diminuíram), mas que também acabam devendo em estrutura, cachê, organização. Já vi casos nítidos de organizadores querendo aparecer mais que os próprios artistas. Enfim...

Lembro que nos anos 80 e 90, algumas casas noturnas faziam noites especiais, e organizavam pequenos festivais. Era legal. Ia gente de gravadora, pessoal que escrevia em jornais e revistas. Fazia bem para as bandas e para as casas noturnas, que também se firmavam, e tudo isso ajudava a criar e alimentar a cena daquele período. É uma ajuda mútua, e um passa a existir por causa do outro.

Naquela época as coisas eram diferentes. As bandas não podiam parar, havia show toda semana. Se você quisesse acontecer, então tinha que fazer shows. Para isso acontecer com frequência era preciso se aliar a outras bandas amigas, assim além de shows “solos”, acabava tendo vários shows em conjunto, dividindo divulgação, equipamento e todas as forças. 

Em um final de semana em Brasília dava pra ver um show de Raimundos e Little Quail juntos, em SP dava pra ver OKotô e Ratos de Porão, e assim os finais de semana aconteciam e formava-se uma cena. Nos 80 algumas bandas de SP chegaram até a se reunir para exigir cachê das casas noturnas.

Só que hoje o contexto é outro. O interesse das bandas é outro, das casas noturnas também é outro. O rock há muito deixou de ser novidade ou contestação, há muito deixou de ser criativo, até porque já foi feito de tudo, e também porque jamais será interesse da maioria jovem, como aconteceu em partes nos 80 e 90. 

Se você tem banda e quer que ela aconteça, então é melhor se mexer, criar uma turma, inventar shows e outras coisas, caso contrário, se contente em apenas brincar de tocar rock com os amigos.

9 de abril de 2014

Autógrafos

Amigos até hoje me perguntam sobre autógrafos. Aí quando digo que não tenho quase autógrafo nenhum, tem gente que fala: “mas como???”,“perdeu oportunidade”, “você é louco?”, “ah, se eu fosse você!”.

Fato é que tenho apenas os autógrafos de Angus Young (AC/DC), Ramones e Pete Shelley e Steve Diggle (Buzzcocks). Só.

Nem consigo lembrar todos os artistas que trabalhei, principalmente, claro, na MTV. Dos brasileiros é mais fácil falar com quem não trabalhei ou me encontrei por aí. Se você pensar em heavy metal, punk e hardcore nos anos 1990, a MTV falou com a maior parte que apareceu por aqui. Tive, inclusive, contato exclusivo com os artistas que vieram tocar nas edições do Monsters of Rock, Hollywood Rock, Free Jazz e outros festivais.

Um tempo atrás rolou uma conversa sobre esse assunto no programa Redação no canal Sportv. Programa matinal que fala do universo do futebol e aborda as manchetes dos principais jornais do mundo, apresentado pelo meu ex-colega de sala na PUC, André Risek. Na bancada discutia-se se era certo um jornalista pegar o autógrafo de uma personalidade que esteja fazendo uma entrevista ou algo do tipo. Alguns jornalistas não ligavam, mas outros disseram ser errado, porque um dia você vai pegar o autógrafo e no outro essa pessoa faz algo errado, e aí levantavam a hipótese do autógrafo influenciar na hora da isenção na notícia. Se você pede autógrafo e foto para o Ronaldo após uma entrevista, e amanhã ele é apontado em irregularidades. Será que você seria capaz de mostrar a acusação contra ele e investigá-lo a fundo?

Na música pode acontecer, por exemplo, de você pegar um autógrafo, depois falar mal de um disco novo, e ter que entrevistar o artista novamente. E aí, como fica? E eu deixei de pegar zilhares de autógrafos por basicamente dois motivos: 1) Timidez, 2) Por ser trabalho.

Tem amigo que fala que eu poderia ficar rico com autógrafos de artistas que já morreram, pois valem mais no mercado. Coisa mais mórbida!

O Ramones deu entrevista para o Fúria todas às vezes que veio ao Brasil, acho que pelo menos quatro (desde que a MTV entrou no ar em 1990).Devo ter feito pelo menos três entrevistas. Em uma delas eu pedi autógrafo por pensar ser a última do grupo aqui (foi a penúltima). Eu estava de camiseta branca, peguei uma caneta ao final da entrevista, depois que a câmera já estava desligada. Fim do trabalho. Estiquei a camiseta e os quatro assinaram nela. Confesso que não fazia questão do autógrafo de CJ, mas tive que pegá-lo pois estava bem ao lado de Marky e ia ficar mal eu não pedisse à ele. Mas o que ficou na memória foi ver a cara de Joey e Johnny enquanto assinavam minha camiseta!

Com Buzzcocks foi a mesma coisa. Pô, cresci escutando punk rock e Buzzcocks eu escuto desde meus 12 anos, ou até antes. Pete Shelley e Steve Diggle assinaram a capa do Singles Going Steady. Também no estúdio após a entrevista e câmeras desligadas. À noite vi o show da banda em um Aeroanta vazio. Foi lindo!

Com o Angus foi no hotel onde a banda estava hospedada, se não me engano na Rua Augusta. Eu, Gastão e amigos fomos ao show no Pacaembú, e só tivemos confirmação da entrevista, como dizem, aos 46 minutos do segundo tempo! Foi difícil. Queríamos Angus, mas iam tentar o que fosse. Lembro de nos contarem meio com pesar dizendo: “mas olha, só vai ter um da banda, ok”, e eu e Gastão: “quem?”, “ah, só o Angus Young, tudo bem?”. hahaha. Saímos pulando é claro.

No meu universo punk cabiam três bandas metal: AC/DC, Van Halen e Motorhead. Então pegar o autógrafo de Angus foi como pegar o autógrafo de Joey Ramone ou de Pete Shelley.

Angus assinou meu Let There Be Rock, que escolhi a dedo. O que foi mais emocionante nesse autógrafo é que, como sempre, o pedi após o fim do trabalho. Assim que dei a capa e a caneta para Angus, o operador de áudio me pediu ajuda e comecei a enrolar o cabo de um dos microfones. Assim que entreguei o cabo, Angus Young me cutucou nas costas e me chamando pelo nome com um forte sotaque: “Paolo!”. Olhei pra ele que me entregou a capa e a caneta. E eu embasbacado agradeci. Incrível! Coisa de fã. kkk

Mas eu não gostava de pedir autógrafo e tietar. Poderia ter pego todos que quisesse, mas sempre optava por uma postura mais profissional. Entrevistei zilhares de vezes Iron Maiden + Bruce Dickinson solo e nunca peguei nada de ninguém da banda. Pelo contrário, já contei aqui que dei uma revista Bizz para Steve Harris por ele estar na capa. Ele estava sentado ao meu lado na sala de espera do aeroporto em Curitiba, enquanto eu lia a revista.

Kiss, Metallica, Slayer, Megadeth, Alice Cooper, Black Sabbath, Ozzy Osbourne, Robert Smith, Lou Reed. Difícil lembrar de tudo. Já era prazer estar ali dirigindo um programa com essas personalidades, tendo contato direto com elas, então não sentia necessidade de mais nada. Ter a postura profissional até me aproximava mais deles. Eles viam seriedade e conhecimento ao mesmo tempo. E era assim que eu me mostrava fã.

Resumindo, eu sou contra ficar de tietagem com o artista que você está trabalhando. Até porque o artista tem que se mostrar receptivo, e a minha postura 100% profissional até já me ajudou na hora de enfrentar artistas mal humorados, que são muitos.



1 de abril de 2014

Série O Resgate da Memória: 36 - Entrevista Barão Vermelho 1984

Inegável que 1984 foi um ano mágico para o Barão Vermelho. Além de ter lançado o disco mais maduro da carreira com Cazuza, fez estrondoso sucesso por conta do filme Bete Balanço, o qual Cazuza e Frejat compuseram a música título. Filme e música dominaram a cultura pop brasileira do ano.

A música saiu antes do disco Maior Abandonado, em um compacto que tinha “Bete Balanço” e “Amor, Amor”. Foi o 3º mais vendido do ano com mais de 20 mil cópias. O disco passou as 100 mil cópias vendidas.

Maior Abandonado saiu em outubro. O compacto com “Bete Balanço” saiu no primeiro semestre e o filme começou a ser exibido em julho no Rio e, em setembro, em São Paulo. Ou seja, Barão Vermelho estava com tudo, voando baixo. Pra carimbar bonito esse período, veio o Rock in Rio em janeiro de 1985.

Se vivo, em 4 de abril de 2014, Cazuza completaria 56 anos.

Pra comemorar a data publico uma boa entrevista da banda para a revista Roll. Na época Barão se preparava pra entrar em estúdio para gravar o Maior Abandonado e o compacto já havia sido lançado.

Nota: Preparo outra publicação do Barão para breve. Sobre o fabuloso Declare Guerra.



Entrevista feita para a revista Roll, em 1984:
Ano 1 – Nº 8 – maio 1984

Qual é a tua Barão?

O sucesso, segundo eles próprios, veio rápido: não foi preciso batalhar. Coisa de cinema americano: eles tocaram, alguém ouviu, gostou e resolveu produzir um disco. Quase Heavy Metal, “rock de garagem”, disco base, gravado em 48 horas. O segundo, veio com mais balanço, mais trabalhado, mais “new wave”. Agora vem o terceiro e o guitarrista Roberto Frejat avisa: tem samba-funk, punk rock, etc… Qual é a sua, Barão Vermelho?

Roll – Como vocês definem a linha, o estilo do grupo?
Frejat – A gente tem, cada vez menos, uma linha. Começamos bem heavy metal… ou melhor, rock pesado, hard rock. O segundo disco já foi bem mais balançado, se bem que com algumas coisas bem pesadas, mas tinha reggae, funk, blues. Era uma coisa mais “piano” (tranquila), um disco mais de estúdio. E esse terceiro que vem aí, tem de tudo: rock latino, samba funk, rock pesado, balada, punk rock…

Roll – E por que essa modificação no estilo?
Frejat – Porque… a gente, as pessoas do grupo, tem influências diversas. Eu e o Cazuza somos bastante ecléticos nessa coisa de ouvir. Por exemplo: ao mesmo tempo que Cazuza ouve Marillion, eu ouço Television e vice-versa. Eu tanto ouço rock instrumental, como rock pesado e Rolling Stones. É uma coisa bastante variada e o nosso trabalho tem que refletir isso que a gente gosta de ouvir e fazer. Está ficando cada vez menos preconceituoso. Claro, nós gostamos de rock, tocamos e vamos tocar sempre. Mas não vamos fazer só rock.

Roll – Não haveria uma preocupação mercadológica nessa variação?
Frejat – Não. Isso apenas reflete um momento nosso e acho que é assim com todo mundo. Sem falar nesse preconceito em relação ao que é rock e o que não é. Eu acho, por exemplo, Moraes Moreira, rock. Porque rock é uma coisa criativa, de mutação constante, revolucionária. Tem a ver com balanço, energia, mexe com as pessoas. Na Bahia, o trio elétrico toca e neguinho vai atrás. Rock não é um tipo de música mas, sim, um comportamento.

Roll – Não se pode negar que houve, e ainda há, uma “onda” de rock, e vocês fazem parte dela. Esse trabalho de vocês, tem mais a ver com as raízes do rock nacional, tipo Vímana, Peso, Veludo, ou com Clash, Police, Rolling Stones?
Frejat – Olha, em termos de trabalho, eu acho que o rock estrangeiro influencia mais a gente do que rock brasileiro. Mas a gente não nega as informações que nos chegaram. Quando comecei a tocar guitarra, eu vi os últimos shows do Mutantes, da Bolha e do Vímana. Depois, estes grupos acabaram, mas eu mantive aquela informação. Só que, pra mim, aquilo é rock do passado. Hoje eu não faria igual… ninguém faria. A gente acompanha, sim, o movimento de rock lá de fora, sem deixar de acompanhar o que acontece aqui no Brasil.

Roll – Essa não seria, como muitos gostam de dizer, uma postura de “colonizado”?
Frejat – Não acredito nessa coisa. Eu acho que o mundo, com os avanços tecnológicos, de comunicação, virou uma coisa só. O que acontece em Nova Iorque, você fica sabendo em dois dias.
Cazuza – Que nada, em meia hora!

Roll – E o que acontece em Nova Dehli, também se sabe em meia hora?
Cazuza – Mas isso não importa. Se eu vivesse a mil e tantos anos atrás, ia querer saber o que acontecia em Roma, ia querer estar lá. Hoje, o centro do mundo é Nova Iorque, o que há de mais moderno, mais atual, acontece lá, e em Londres.

Roll – Como caixa de ressonância pode ser, mas não é bem assim na qualidade da produção. Você tem artistas indianos, australianos, brasileiros, jamaicanos, arrasando lá fora, não é?
Cazuza – Aí rola um processo de diversificação, de descoberta, e esses caras influenciam também…
Frejat – É o que está acontecendo, ou deve acontecer, com o rock brasileiro: as pesoas vão buscar um caminho próprio, uma identidade como que seria o som brasileiro. Não adianta você ouvir o Clash, os Stones, e tentar fazer igual, porque se eles estivessem no Brasil, estariam tocando no Western, no Circo Voador…

Roll – Isso tem a ver com aquela questão da colonização cultural…
Frejat – Pois é, mas os que ficam tem qualidade. Não é por acaso.

Roll – Vocês acham que tem muita gente embarcando na onda do rock?
Cazuza – Tem. Inclusive porque isso interessa às gravadoras. Investir no rock é uma coisa que se tornou mercadológica e tem nego aí que não é roqueiro e resolveu tocar rock, mas não é uma coisa de coração…
Frejat – E o público sente no ato. A coisa mais fácil de você passar ao público é a falta de sinceridade. Mas, esses grupos, esses caras, vão ser de uma música só, de um ou dois compactos…

Roll – Voltando à questão mercadológica, como é a transa de vocês com imposições de mercado, modismos, tendências, pressões?
Frejat – A nossa gravadora nunca interveio na criação. Nunca chegaram e nos disseram o que fazer. Eles até podem chegar e dizer, como já aconteceu, que o disco era “anti-comercial”. Mas nós gravamos assim mesmo.
Cazuza – Inclusive porque alguns discos, não importa o quanto vendem, são considerados discos de catálogo. Ou seja, quando o grupo estourar, eles vendem de novo.

Roll – E a crítica, como é a transa de vocês com ela?
Frejat – Até que nós tivemos sorte com a crítica. As piores foram “médias”, a não ser uma do jornal O Dia. Mas não importa, porque ninguém deixa de comprar um disco por causa de uma crítica ruim…

Roll – E o início de vocês, foi difícil?
Cazuza - Não, eu considero fácil. A gente não precisou batalhar nada, veio tudo na mão. A crítica elogiava, as pessoas mais legais diziam que o Barão era o maior barato. Aí pintou o Zeca (Ezequiel Neves) e disse que ia produzir um disco da gente e pronto…

Roll – Vocês dizem que tem gente aí penando pra gravar um LP, tipo o Lobão e o João Penca, porque “quem faz um trabalho revolucionário é difícil de ser aceito”. E vocês, fazem um trabalho mais “comportado”?
Cazuza – É uma coisa mais balançada, porque a gente acha que o brasileiro, o sul-americano em geral, dança pelo quadril. Já os americanos, os europeus, tem aquela coisa de sacudir o corpo e balançar a cabeça. Então o rock brasileiro tem uma tendência a se latinizar, tipo o que o Lulu Santos está fazendo. É uma coisa de balanço, gostosa de dançar, e a gente quer botar o povo pra dançar gostoso…
Frejat – É o lance de você abrir espaçø pro maior número de pessoas…
Cazuza – É o que todo artista quer: tocar pro maior número possível de pessoas. O Brasil é um país mulato, moreno; então, o nosso rock tem que ser moreno…

Roll – Depois do socialismo moreno, vem aí o rock moreno?
Frejat – (risos) É isso aí…

Roll – Pra tocar para o maior número de pessoas vocês abrem “concessão” ao programa do Chacrinha?
Cazuza – Não, claro que não é concessão. O Chacrinha é o máximo, é o programa de maior audiência, um programa super descontraído, como o Brasil. Chacrinha é um monumento do país e esse papo de concessão é típico de alguém que não conseguiu colocar uma música no Chacrinha, no Fantástico e fica grilado com quem consegue.

Roll – Sucesso imediato, Caetano e Ney Matogrosso gravando músicas de vocês. Não foi rápido demais?
Frejat – É… costumam dizer que a gente ainda estava e está meio “verde” para o sucesso. Ainda bem. O Zeca (Ezequiel Neves) é que diz: “ainda bem que eles estão verdes, porque tudo está maduro, neste país, está caindo de podre…”. É isso: somos jovens, o Cazuza, o mais velho, tem 26, e o mais novo, o Dé, tem 19 anos. E daí?