24 de maio de 2016

Raimundos

Em 14 de maio tive o prazer de assistir a pré estreia do documentário ‘Time Will Burn’, que conta a história do underground do início dos 90, as bandas brasileiras que cantavam em inglês. Já no final, com os entrevistados filosofando a respeito do fim dessa geração (incluindo esse que vos escreve), a Alê Briganti, baixista do Pin Ups, cita o Raimundos, e essa citação me incomodou, e me fez escrever esse texto. Falarei dessa citação mais ao final do texto...

A Raimundêra quebrou em 19 de junho de 2001. Sei a data porque também é a data de lançamento de O Diário Da Turma 1976-1986. Nesse dia a banda/gravadora informou oficialmente a saída do vocalista Rodolfo, coisa que todo mundo já sabia há algumas semanas.

No auge da carreira, vendendo horrores, tocando nas rádios; aparecendo em programas de tv, jornais e revistas, a banda quebra. A sequência ‘Só no Forévis’ e o ‘Ao Vivo’ foi matadora em termos de mercado. Cachê gordo, agenda lotada, lançamento atrás de lançamento, boa relação com gravadora e tudo bem administrado.

Com essa segurança de presente e futuro garantidos, os integrantes da banda e da fiel equipe que trabalhava com ela, como qualquer ser humano, fizeram seus investimentos pessoais, comprando casa própria, negócios de família sendo criados, essas coisas normais, mas que necessitam de médio a alto investimento, de capital inicial, etc.

Com a repentina saída de Rodolfo, intransigente sem nem ao menos terminar a turnê do Ao Vivo (o que ao menos faria todos os envolvidos a planejarem o futuro), todo mundo ficou perdido e, sem saber o que fazer de imediato, a banda anunciou seu fim (que era incerto).

Isso tudo que falo, não vem de quem sabe tudo dos bastidores. Nada disso. São algumas coisas que vi, li e conversei com os próprios. Em 2003 também tive uma longa conversa com Rodolfo, porque fiz o making of da gravação do 2º do Rodox, e ficamos no mesmo hotel e convivendo juntos por um mês. Em uma noite ele me contou tudo o que se passou pela cabeça dele e o real motivo da saída dele, que hoje todo mundo sabe: que ele estava doente e de repente se viu fazendo evangelho no lar... Ouvi, porém questionei, e quis saber por que ao menos não foi até o fim da turnê já que estavam todos contando com aqueles shows, e ele simplesmente disse que não tinha mais forças para continuar, não estava se sentindo bem naquele papel, e estava se tornando um sofrimento. Compreendi apesar de também compreender Canisso, Digão e Fred. Claro!

Isso desmoronou a banda, e todo mundo ficou perdido. Nesses meses em que a banda ficou parada, muita coisa foi especulada, inclusive de ter Telo como vocalista, o que quase aconteceu.

Fato é que Raimundos quebrou. A equipe foi desfeita, foi cada um para seu lado cuidar da vida e dos investimentos que agora não tinham mais o capital necessário. Planos foram refeitos, mudanças foram feitas e todo mundo se acomodou a nova realidade.

Em 2001 mesmo o Raimundos voltou, mas teve que começar do zero. Recomeçar. E recomeçar com o baque que havia tido – e o tombo foi feio – não seria nada fácil. Rodolfo, Canisso, Digão e Fred tinham uma química. Tinham história. Do auge absoluto de volta para a garagem underground.

A adaptação de Digão como vocalista demorou. Não basta saber cantar.

Mas essa volta não foi só flores. Muitas coisas ainda estavam mal resolvidas entre Fred, Digão e Canisso. Marquinhos entrou. Foi lançado Kavookavala. Fracasso total. Aí depois fase conturbada, lançamento virtual fracassado, entra e sai de integrantes e futuro incerto.

E é aí que quero chegar. Na raça, na fé, no trabalho e na concentração Digão e Canisso reergueram o Raimundos.

Foi firmada uma nova formação com Digão, Canisso, Marquinhos e Caio, os shows continuaram, apesar de bem menores dos da época de sucesso, assim como o cachê que caiu drasticamente. Não foi fácil, porque os shows eram em menor número e com cachê baixo, ou seja, o trabalho era maior e a banda viajava com estrutura mínima, e sem poder fazer muitas exigências.

Era muita ralação. Digão e Canisso tem suas famílias e seus compromissos como eu e você. Passaram momentos difíceis, pois tiveram que se readaptar a um novo padrão de vida.

Diversos amigos meus, músicos profissionais, dizem que é bem difícil sair de casa, deixar a família e os filhos para cair na estrada. Mas o trabalho é esse. Foi a vida que escolheram. Com Digão e Canisso não foi diferente.

Vida de artista, principalmente no Brasil, não é nada fácil ou glamorosa. Não só músico, mas atores/atrizes, pintores, artistas plásticos, escritores... O Raimundos nunca vi parar. Mesmo no auge, a banda não parava. Era lançamento e shows, lançamento e shows. Sempre trabalhando duro.

Digão não deixou a história acabar. Pegou a bola e falou “deixa que o pênalti eu bato”. Trabalhou duro, e nesses anos todos o lado pessoal e familiar também mudou. Se tornou líder, vocalista, compositor, empresário, produtor executivo e ele, Canisso, Marquinhos e Caio seguiram tocando e amadurecendo o som e a química entre eles.

O resultado é o sucesso de ‘Cantigas de Roda’. Muita gente reclamou por ser um disco pago pelos fãs. Mas o trabalho foi sério, e pra todos valeu a pena. E outra: vivemos em um país livre, e cada um faz o que quiser com seu dinheiro.

Tiro o chapéu para meus cumpádi Canisso e Digão. Canisso, o pescador contador de história, é um irmão querido que conheço desde 1982, e Digão é outro irmão e tocamos juntos no Filhos de Mengele. Um cara super talentoso, com um ouvido que poucos têm. É um puta baterista e um puta guitarrista. Eles não deixaram de acreditar, passaram o maior perrengue, não tiveram vergonha de enfrentar o que enfrentaram, e finalmente voltaram ao lugar merecido, pelo talento e pelo trabalho árduo.

Me atrevo em dizer que se não fosse eu, nada dessa história de Raimundos teria acontecido, mesmo! rsrs Afinal Digão e Telo foram indicações minhas e deu no que deu. Digão nem deve se lembrar, mas foi pra mim que ele, escondido, mostrou os primeiros acordes que conseguiu fazer no violão (alguma música do Ramones). Não, não sou nenhum visionário. Isso foi apenas as circunstâncias naturais da vida, uma coisa levou a outra e deu no que deu.

Quanto a declaração que a Alê Briganti, ex-colega de trabalho na MTV, deu ao ‘Time Will Burn’, foi um super engano dela, pois fala que o Raimundos estava moldado para o sucesso quando assinou e lançou o 1º disco. Ultra mega engano porque, como de costume, a banda já trabalhava arduamente, visto que ela fez o 1º show em 31 de dezembro de 1987 e lançou o 1º disco em 2 de abril de 1994. Foram precisos 6 anos e 4 meses para conseguir lançar o 1º disco, ou seja, uma ralação bem maior que a do próprio Pin Ups, com todo respeito claaaro, mas para mostrar que a declaração foi um erro.

E a Raimundêra taí firme e forte, ajudando, inclusive, Rodolfo a pagar suas contas rsrs.

Abraço aos cumpádi véi!


2 comentários:

Anônimo disse...

Verdades sejam esclarecidas muito legal a história contada com clareza e transparência mas discordo com o termo "ajudando rodolfo a pagar as contas", apesar dele ter falado muita besteira as letras escritas por ele beneficiam os dois lados.

Anônimo disse...

Grande m.... que era o Pin Ups. Indie rock é uma porcaria. Essa coisa de fazer som alternativo é coisa pra homem fresco e mulher feminista mal amada. O Raimundos teve um sucesso mais do que merecido. Foi a melhor banda que já existiu no Brasil. Som com distorção no talo e porrada. E o sucesso deles foi espontâneo. E continuam excelentes até hoje. Grande merda que é ser alternativo e não fazer sucesso, e ser conhecido só por meia dúzia. Ser underground não é sinônimo de música boa. Tem muita banda que é uma bosta. Enquanto existem banda bem populares que fazem um som excelente. Como se a música insossa do Pin Ups fosse grande coisa...