6 de julho de 2013

Série O Resgate da Memória: 32 - Os Templos do Rock (Revista Veja, 1983)

Revista Veja - edição 794 - 23 de novembro de 1983


Os Templos do Rock

São Paulo consagra as casas noturnas de vanguarda que reúnem shows, vídeos e pistas de dança.

Quando John Travolta vestiu um terno branco e sapatos de plataforma para viver Tony Manero, o dançarino-galã do filme Os Embalos de Sábado à Noite, em 1977, os jovens do mundo inteiro seguiram-lhe os passos e foram tomados pela febre das discotecas. Hoje, porém, dançar ao som de uma batida repetitiva e sob luzes estroboscópicas – características daquelas casas noturnas – tornou-se, para a maioria dos jovens, algo tão distante quanto dançar um minueto num baile da corte do imperador. Nos novos templos dos embalos de sábado à noite, as luzes pisca-piscas foram substituídas por monitores de vídeo que exibem filmes musicais ou aventuras de James Dean. O ritmo tonitruante do som discoteque deu lugar ao rock de vanguarda. E os dançarinos, além de evoluir ao som de discos e fitas, podem também vibrar com shows ao vivo dos conjuntos musicais do momento, sem que para isso precisem instalar-se em mesas ou poltronas.

Essas são as características das “casas de rock”, boates que surgiram em Nova York há três anos, consagrando locais como Ritz e Peppermint Lounge, e que aportaram em São Paulo nos últimos meses, onde se tornam uma novidade cada vez mais concorrida. Como o Studio 54 em Nova York ou a boate paulista Papagaio, nos áureos tempos das discotecas, as casas de rock reúnem uma variada fauna de frequentadores. Ali se acotovelam desde punks até artistas, ou desde jovens estudantes até pessoas da sociedade em busca de novas emoções. Assim, na pista de dança do Rose Bom Bom, por exemplo, a mais concorrida das casas de rock paulistas, é possível se encontrar lado a lado o baterista Edgard Scandurra, titular dos grupos Ira e Ultraje a Rigor, e o ator Raul Cortez, mais habitualmente visto na elegante boate Gallery. “Às vezes troco o Gallery pelo Rose porque lá tenho a oportunidade de bater um bom papo com pessoas diferentes e com pontos de vista engraçados”, explica Cortez.

ATRAÇÃO EXTRA -  Instalada numa das esquinas mais badaladas de São Paulo, a das ruas Haddock Lobo e Oscar Freire, em frente à célebre churrascaria Rodeio, o Rose Bom Bom foi inaugurado em janeiro deste ano e hoje recebe uma média de 1 000 pessoas por fim de semana, que pagam de 5 500 (homens) a 4 500 cruzeiros (mulheres) para entrar na casa. Além dos vídeos, bares, shows e pista de dança, o local oferece ainda máquinas de flipper, uma pequena butique com brincos, chaveiros, cintos e outros acessórios e, ao final da madrugada, uma atração extra: o café da manhã. “As casas de rock viraram febre”, constata Ângelo Leuzzi, 27 anos, proprietário do Rose Bom Bom, que se encarrega pessoalmente de trocar os discos e fitas que animam a casa.

O segundo ponto mais concorrido nessa nova geografia da jovem noite paulista é a casa de rock Napalm, instalada na rua Marquês de Itú, nas fronteiras do bas-fonds da cidade. Bem menos luxuoso que o Rose Bom Bom, o Napalm, em compensação oferece uma vantagem: trata-se da casa que mais se parece às equivalentes americanas. Se no Rose a música brasileira também tem vez, no Napalm ouve-se exclusivamente as últimas novidades da new wave. A segurança da casa, como no lendário Mudd Club de Nova York, é feita por punks, que zelam para que o local não entre qualquer tipo de drogas ou que se cometam excessos alcoólicos. E o preço mais acessível – 1 800 cruzeiros pagos na entrada – permite que a frequência seja ainda mais eclética.

Numa noite de sábado, por exemplo, pode-se encontrar na pista de dança do Napalm a punk Márcia Mont Serrat e o decorador e milionário Rodolfo Scarpa dançando ao som do mesmo rock. Márcia, 19 anos, exibe uma vistosa correntinha que sai da orelha direita e vai até o nariz. Ela trabalha durante o dia como relações-públicas de uma loja de tatuagens e, à noite, prefere o Napalm e qualquer outro bar: “Os outros clubes tem muitos burgueses”, diz. Já Rodolfo Scapa ressalva que o Gallery é “insubstituível pra passar a noite e fazer contatos”. Mas acrescenta: “Quando quero dançar mais solto e animado, vou ao Napalm”.

CELEIRO DE GRUPOS – Na esteira do sucesso de locais como o Rose Bom Bom e o Napalm, a moda de casas de rock já chegou a Santos, onde o Heavy Metal, instalado num antigo cinema à beira da praia, reúne 800 pessoas por noite em torno de grupos de sucesso e de um imenso telão de vídeo. E já despertou a atenção de Ricardo Amaral, o maior empresário da vida noturna do país. Juntamente com seu sócio e irmão Henrique Amaral, Ricardo abriu seu templo roqueiro, o Clash, na Avenida Faria Lima, onde mantinha até há poucos meses o Colorido, um bar gay. “O Colorido entrou no vermelho e resolvi abrir um espaço para o rock”, explica Henrique. Acertou em cheio: hoje o Clash atrai multidões em busca de sua mirabolante pista de dança, onde uma bateria de luzes giratórias e coloridas reproduz o clima de euforia de um festival de rock ao ar livre. “A música e a iluminação são as melhores de São Paulo”, garante o artista gráfico Caio de Medeiros Filho, 25 anos, que costuma fazer animadas evoluções na pista do Clash com Lilian, sua namorada.

Por enquanto, as casas de rock são uma exclusividade de São Paulo – no Rio de Janeiro não há lugares como esses. Se a influencia, porém, já se expande além da vida noturna de São Paulo, as casas de rock começam a influir também na música brasileira. Isso porque além de apresentar atrações consagradas na área do rock, como os grupos Paralamas do Sucesso e Kid Abelha e Seus Abóboras Selvagens, seus palcos se transformaram num celeiro de novos grupos e artistas, que encontram platéias sempre entusiasmadas para ouvir seus trabalhos. Alguns desses grupos ensaiam os primeiros passos no profissionalismo com propostas originais. É o caso do Azul 29, presença habitual do palco do Rose Bom Bom, que combina com muita habilidade recursos eletrônicos – como os teclados computadorizados – e as letras que mostram um panorama ácido da vida das grandes cidades. Ou do grupo Ultraje a Rigor, que parte da estrutura simples e direta do punk rock e a satiriza com trejeitos em cena e com letras bem-humaradas.

Além desses conjuntos, que já se tornaram grandes atrações no circuito dos clubes – o que lhes abriu as portas para compactos de estréia –, há grupos de nomes curiosos como Titãs do Iê Iê, As Mercenárias ou Capital Inicial, que divertem as platéias com shows onde combinam um visual descabelado a rocks balançados. Alguns desses grupos são formados pelos próprios frequentadores das casas de rock, que, assim, acabam por oferecer uma atração a mais: quando algum artista desperta uma atenção especial da platéia, é sempre possível, após o espetáculo, dividir com ele um bate-papo ou um drinque no balcão.






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