5 de julho de 2022

Brasília Pós Sucesso

Em relação ao sucesso de Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude surgido entre 1985 e 1986, Dinho disse no meu livro ‘O Diário da Turma 1976-1986’ que a partir de certo momento começou uma corrida de cegos pelo sucesso. Iniciou uma disputa velada entre esses três grupos pra ver quem se dava melhor.

Essa mesma corrida de cegos passou a acontecer em Brasília. Sem sentido, mas aconteceu.

O triênio 1985-86-87 foi bastante intenso pra esses grupos candangos que estouraram nacionalmente ao mesmo tempo. E foi um tsunami pra quem estava em Brasília e fazia parte desse universo rock.

A oportunidade profissional desses grupos surgiu pela força que Herbert Vianna e Bi Ribeiro deram, tanto que a EMI também contratou Legião e Plebe. Depois ainda gravou disco do Finis Africae, do Arte no Escuro, e ainda cedeu os estúdios para Escola de Escândalo gravar uma demo e Dentes Kentes gravar um ensaio.

Aliás, se esses estúdios da EMI falassem, imagine o que teríamos de história dessa Turma de Brasília!

E por falar em Turma, pra quem já era da Turma da Colina ou ao menos já a conhecia, a chegada do sucesso desses grupos não foi surpresa, apenas consequência de anos de trabalho.

Quem acompanhava esse universo seja pelas antigas revistas Roll e Bizz ou escutando rádios segmentadas como a Fluminense FM no Rio, já estava acostumado a ver e ouvir, principalmente, Paralamas, Legião, Plebe, Capital e Escola de Escândalo.

Pra população de Brasília em geral foi uma total surpresa esses grupos aparecerem na mídia mainstream. Os jovens da cidade começaram a perguntar: Onde eles estão? Tem mais deles?

Tirando o pessoal da Turma e agregados, o resto dos jovens da cidade não só não gostavam desses grupos, como os repudiavam.

Até então, havia muita inveja e ciúmes entre a turma dos playboys com a Turma da Colina. Fazer parte de um grupo de rock, tocar um instrumento, sair na revista e tocar nas rádios atraía a atenção das garotas, então playboys ao contrário de gostar dos grupos, tinham raiva deles. Depois do sucesso, esses playboys passaram a gostar dos grupos, ir aos shows e a comprar seus discos.

Outros jovens da cidade que já gostavam de música viram um bom momento pra tentar fazer sucesso. Dessa forma zilhares de grupos surgiram da noite pro dia. Grupos ruins, sem tempero, sem texto, sem contexto, sem história e sem personalidade.

Houve as pessoas espertas que se aproximaram de quem era ligado à Turma da Colina. Essas pessoas ou eram músicos que queriam tentar tirar uma casquinha do sucesso procurando as amizades certas ou então pessoas que apenas queriam ganhar destaque e parecer amigas dos músicos.

Naquela época era absurdamente diferente você ter um grupo de rock ou até mesmo andar como um roqueiro. Surf, skate e rock ainda eram coisas estranhas.

Como consequência, quem queria ser diferente em Brasília, aproveitou essa onda de sucesso e colou na Turma. Comecei a ver amigos de infância, de escola, que nunca deram a mínima para rock ou música, de repente querendo montar um grupo, gravar discos de rock alternativo e ao mesmo tempo colando na Turma.

Tive um professor de português substituto que certa vez me deu um sermão por me ver com bottons do Clash, Pistols, Ramones no uniforme da escola. Eu estava na 6ª série, tinha 12 ou 13 anos. 

Anos depois o encontrei como vocalista de um grupo e até tirei sarro da cara dele - ele me puxou de canto e pediu discrição rsrs. Era um grupo local que até ficou conhecido entre o pessoal que acompanhava a cena rock da cidade e até fez show junto com Filhos de Mengele ao menos umas duas vezes, mas não vou falar o nome dele.

Esse triênio o rock reinou na mídia, virou moda pra quem caiu de paraquedas e isso foi fortemente intenso em Brasília por causa do sucesso dos grupos e do refrão de “Vital e Sua Moto”.

Até o estouro, Brasília tinha poucos grupos de rock. Não dá pra quantificar, mas era como se em 1984 existissem 30 grupos e, de repente, em 1986 havia 500. Era no esquema quantidade nota 10, qualidade nota 0. Pra deixar bem mais claro: os grupos que valiam a pena, juntando todos, chegava a dar algo em torno de 10 nomes, no máximo.

Num piscar de olhos surgiram punks, góticos, alternativos e gente interessada em rock e suas vertentes. Também apareceu dentro da Turma uma panelinha que se achava a última bolacha do pacote por ser amiga de integrantes de Legião, Plebe, Capital. Uma baboseira. Era ridículo e chegava a dar vergonha alheia de algumas dessas pessoas. Era muito nítida a falsidade e o desejo de aparecer. O próprio Renato Russo sofreu com isso, com muitas falsas amizades, tanto em Brasília, quanto no Rio.

Inclusive entre os velhos amigos, dos tempos magros de 1980-81-82-83 não tinha essa coisa de ser “amigo de artista”, até porque não os víamos assim mesmo depois do sucesso. 

Houve a tentativa da gravadora Warner em achar algum bom nome ao lançar a coletânea “Rock Brasília, Explode Brasil”, mas tirando uns dois grupos, o resto era lixo que não existia seis meses antes da coletânea ser lançada. Dessa coletânea, de respeito mesmo, só Elite Sofisticada, e a gravadora vacilou em não lançar o grupo que naquele momento estava “voando baixo”.

Em Brasília o rock que estourou, que fez sucesso no Brasil todo, não foi o rock da cidade, mas sim o rock que era feito pela Turma da Colina. A alcunha Rock de Brasília existe e representa unicamente os grupos ligados à Turma da Colina. Ao lançar meu livro teve gente que contestou isso, mas depois viu que era verdade.

Tanto que hoje, décadas depois do sucesso, se vê que os grupos que gravaram e fizeram história são, de fato, grupos surgidos a partir da TdC, incluindo aí os que participaram da magnânima coletânea Rumores: Escola de Escândalo, Elite Sofisticada, Detrito Federal e Finis Africae.

Desses grupos Finis gravou EP independente e depois LP pela EMI; Detrito Federal lançou disco pela Polygram, produzido por Charles Gavin. Infelizmente as duas grandes promessas pós Legião-Plebe-Capital, Escola de Escândalo e Elite Sofisticada, não gravaram seus discos.

Houve outros grupos que lançaram discos nos anos 1970 e até mesmo nos anos 1980, como a Banda 69, um dos poucos bons grupos da cidade. Tinha Liga Tripa, Mel da Terra, Tellah e outros.

Nesse boom de grupos de rock algumas rádios de Brasília abriram espaço na programação pra eles (Filhos de Mengele teve “O Entediado” e “Anti-Social” muito bem executadas na programação local da Transamérica FM que apostava firme na cena da cidade), lugares novos de shows surgiram. Mas havia um problema: Eram poucos os grupos que realmente faziam algo de qualidade. 

Hoje, em 2022, há muita gente que gosta de dizer que era da Turma da Colina, que assistia aos shows e frequentava as festas, os lugares, os ensaios, mas é tudo balela. O que não falta são mentirosos que adoram se inserir nessa história. Brasília era como uma pequena cidade do interior onde todo mundo se conhecia, principalmente até a primeira metade dos 1980, então não tem como mentir sobre isso.

Eram como penetras querendo parecer descolados e íntimos dos donos da festa, mas sem saber de quem era a festa. Como disse, era algo um tanto vergonhoso. 

Depois que lancei O Diário da Turma’, surgiu mais uma leva de pessoas que nunca deram bola pra Turma, mas que gostam de falar que estavam lá. E eu continuo dando risada!

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