Inegável que 1984 foi um ano mágico para o Barão Vermelho. Além de ter lançado o disco mais maduro da carreira com Cazuza, fez estrondoso sucesso por conta do filme Bete Balanço, o qual Cazuza e Frejat compuseram a música título. Filme e música dominaram a cultura pop brasileira do ano.
A música saiu antes do disco Maior Abandonado, em um compacto que tinha “Bete Balanço” e “Amor, Amor”. Foi o 3º mais vendido do ano com mais de 20 mil cópias. O disco passou as 100 mil cópias vendidas.
Maior Abandonado saiu em outubro. O compacto com “Bete Balanço” saiu no primeiro semestre e o filme começou a ser exibido em julho no Rio e, em setembro, em São Paulo. Ou seja, Barão Vermelho estava com tudo, voando baixo. Pra carimbar bonito esse período, veio o Rock in Rio em janeiro de 1985.
Se vivo, em 4 de abril de 2014, Cazuza completaria 56 anos.
Pra comemorar a data publico uma boa entrevista da banda para a revista Roll. Na época Barão se preparava pra entrar em estúdio para gravar o Maior Abandonado e o compacto já havia sido lançado.
Nota: Preparo outra publicação do Barão para breve. Sobre o fabuloso Declare Guerra.
Entrevista feita para a revista Roll, em 1984:
Ano 1 – Nº 8 – maio 1984
Qual é a tua Barão?
O sucesso, segundo eles próprios, veio rápido: não foi preciso batalhar. Coisa de cinema americano: eles tocaram, alguém ouviu, gostou e resolveu produzir um disco. Quase Heavy Metal, “rock de garagem”, disco base, gravado em 48 horas. O segundo, veio com mais balanço, mais trabalhado, mais “new wave”. Agora vem o terceiro e o guitarrista Roberto Frejat avisa: tem samba-funk, punk rock, etc… Qual é a sua, Barão Vermelho?
Frejat – A gente tem, cada vez menos, uma linha. Começamos bem heavy metal… ou melhor, rock pesado, hard rock. O segundo disco já foi bem mais balançado, se bem que com algumas coisas bem pesadas, mas tinha reggae, funk, blues. Era uma coisa mais “piano” (tranquila), um disco mais de estúdio. E esse terceiro que vem aí, tem de tudo: rock latino, samba funk, rock pesado, balada, punk rock…
Roll – E por que essa modificação no estilo?
Frejat – Porque… a gente, as pessoas do grupo, tem influências diversas. Eu e o Cazuza somos bastante ecléticos nessa coisa de ouvir. Por exemplo: ao mesmo tempo que Cazuza ouve Marillion, eu ouço Television e vice-versa. Eu tanto ouço rock instrumental, como rock pesado e Rolling Stones. É uma coisa bastante variada e o nosso trabalho tem que refletir isso que a gente gosta de ouvir e fazer. Está ficando cada vez menos preconceituoso. Claro, nós gostamos de rock, tocamos e vamos tocar sempre. Mas não vamos fazer só rock.
Roll – Não haveria uma preocupação mercadológica nessa variação?
Frejat – Não. Isso apenas reflete um momento nosso e acho que é assim com todo mundo. Sem falar nesse preconceito em relação ao que é rock e o que não é. Eu acho, por exemplo, Moraes Moreira, rock. Porque rock é uma coisa criativa, de mutação constante, revolucionária. Tem a ver com balanço, energia, mexe com as pessoas. Na Bahia, o trio elétrico toca e neguinho vai atrás. Rock não é um tipo de música mas, sim, um comportamento.
Roll – Não se pode negar que houve, e ainda há, uma “onda” de rock, e vocês fazem parte dela. Esse trabalho de vocês, tem mais a ver com as raízes do rock nacional, tipo Vímana, Peso, Veludo, ou com Clash, Police, Rolling Stones?
Frejat – Olha, em termos de trabalho, eu acho que o rock estrangeiro influencia mais a gente do que rock brasileiro. Mas a gente não nega as informações que nos chegaram. Quando comecei a tocar guitarra, eu vi os últimos shows do Mutantes, da Bolha e do Vímana. Depois, estes grupos acabaram, mas eu mantive aquela informação. Só que, pra mim, aquilo é rock do passado. Hoje eu não faria igual… ninguém faria. A gente acompanha, sim, o movimento de rock lá de fora, sem deixar de acompanhar o que acontece aqui no Brasil.
Frejat – Não acredito nessa coisa. Eu acho que o mundo, com os avanços tecnológicos, de comunicação, virou uma coisa só. O que acontece em Nova Iorque, você fica sabendo em dois dias.
Cazuza – Que nada, em meia hora!
Roll – E o que acontece em Nova Dehli, também se sabe em meia hora?
Cazuza – Mas isso não importa. Se eu vivesse a mil e tantos anos atrás, ia querer saber o que acontecia em Roma, ia querer estar lá. Hoje, o centro do mundo é Nova Iorque, o que há de mais moderno, mais atual, acontece lá, e em Londres.
Roll – Como caixa de ressonância pode ser, mas não é bem assim na qualidade da produção. Você tem artistas indianos, australianos, brasileiros, jamaicanos, arrasando lá fora, não é?
Cazuza – Aí rola um processo de diversificação, de descoberta, e esses caras influenciam também…
Frejat – É o que está acontecendo, ou deve acontecer, com o rock brasileiro: as pesoas vão buscar um caminho próprio, uma identidade como que seria o som brasileiro. Não adianta você ouvir o Clash, os Stones, e tentar fazer igual, porque se eles estivessem no Brasil, estariam tocando no Western, no Circo Voador…
Roll – Isso tem a ver com aquela questão da colonização cultural…
Frejat – Pois é, mas os que ficam tem qualidade. Não é por acaso.
Roll – Vocês acham que tem muita gente embarcando na onda do rock?
Cazuza – Tem. Inclusive porque isso interessa às gravadoras. Investir no rock é uma coisa que se tornou mercadológica e tem nego aí que não é roqueiro e resolveu tocar rock, mas não é uma coisa de coração…
Frejat – E o público sente no ato. A coisa mais fácil de você passar ao público é a falta de sinceridade. Mas, esses grupos, esses caras, vão ser de uma música só, de um ou dois compactos…
Roll – Voltando à questão mercadológica, como é a transa de vocês com imposições de mercado, modismos, tendências, pressões?
Frejat – A nossa gravadora nunca interveio na criação. Nunca chegaram e nos disseram o que fazer. Eles até podem chegar e dizer, como já aconteceu, que o disco era “anti-comercial”. Mas nós gravamos assim mesmo.
Cazuza – Inclusive porque alguns discos, não importa o quanto vendem, são considerados discos de catálogo. Ou seja, quando o grupo estourar, eles vendem de novo.
Roll – E a crítica, como é a transa de vocês com ela?
Frejat – Até que nós tivemos sorte com a crítica. As piores foram “médias”, a não ser uma do jornal O Dia. Mas não importa, porque ninguém deixa de comprar um disco por causa de uma crítica ruim…
Roll – E o início de vocês, foi difícil?
Cazuza - Não, eu considero fácil. A gente não precisou batalhar nada, veio tudo na mão. A crítica elogiava, as pessoas mais legais diziam que o Barão era o maior barato. Aí pintou o Zeca (Ezequiel Neves) e disse que ia produzir um disco da gente e pronto…
Roll – Vocês dizem que tem gente aí penando pra gravar um LP, tipo o Lobão e o João Penca, porque “quem faz um trabalho revolucionário é difícil de ser aceito”. E vocês, fazem um trabalho mais “comportado”?
Cazuza – É uma coisa mais balançada, porque a gente acha que o brasileiro, o sul-americano em geral, dança pelo quadril. Já os americanos, os europeus, tem aquela coisa de sacudir o corpo e balançar a cabeça. Então o rock brasileiro tem uma tendência a se latinizar, tipo o que o Lulu Santos está fazendo. É uma coisa de balanço, gostosa de dançar, e a gente quer botar o povo pra dançar gostoso…
Frejat – É o lance de você abrir espaçø pro maior número de pessoas…
Cazuza – É o que todo artista quer: tocar pro maior número possível de pessoas. O Brasil é um país mulato, moreno; então, o nosso rock tem que ser moreno…
Frejat – (risos) É isso aí…
Roll – Pra tocar para o maior número de pessoas vocês abrem “concessão” ao programa do Chacrinha?
Cazuza – Não, claro que não é concessão. O Chacrinha é o máximo, é o programa de maior audiência, um programa super descontraído, como o Brasil. Chacrinha é um monumento do país e esse papo de concessão é típico de alguém que não conseguiu colocar uma música no Chacrinha, no Fantástico e fica grilado com quem consegue.
Roll – Sucesso imediato, Caetano e Ney Matogrosso gravando músicas de vocês. Não foi rápido demais?
Frejat – É… costumam dizer que a gente ainda estava e está meio “verde” para o sucesso. Ainda bem. O Zeca (Ezequiel Neves) é que diz: “ainda bem que eles estão verdes, porque tudo está maduro, neste país, está caindo de podre…”. É isso: somos jovens, o Cazuza, o mais velho, tem 26, e o mais novo, o Dé, tem 19 anos. E daí?
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