24 de janeiro de 2012

Série Coisa Fina: 10 - The Cure

Esse aqui é só um humilde texto de fã apaixonado, e no caso aqui a paixão é The Cure, banda que tenho escutado muito ultimamente, mais precisamente a caixa Join the Dots (4 CDs com os B-sides dos singles de 1978 até 2000). A princípio fiquei pensando em escrever sobre algum dos discos, mas como estava difícil de decidir, resolvi então falar da banda. Até hoje foram 13 discos de estúdio e eu gosto de todos! Mas os preferidos estão entre Three Imaginary Boys e Disintegration.

O Cure tem forte influencia no Rock de Brasília (digo a geração Turma da Colina – é só escutar Legião) e praticamente cresci ouvindo a banda e aguardando ansiosamente cada disco lançado. A sorte é que a partir do Concert, a gravadora passou a lançar os discos aqui no Brasil, o que facilitou bastante. Não tinha um final de semana, uma festa, uma reunião de amigos que lá não estava o Cure.

Robert Smith é criativo demais. Mais que isso, Robert Smith é gênio! Ele deu outra direção não só para a música pop, mas também para a guitarra. Quietinho na dele, misturou timbres e efeitos que ajudaram a formar a cara do Cure (que também tem a presença do baixo na frente, como uma boa banda pós-punk. Baixos maravilhosos de Michael Dempsey e Simon Gallup - incluindo também os gravados por Smith). Ele toca com diversas guitarras, mistura os pedais flanger, corus, phaser e outros. Os acordes, riffs...

Me arrepia escutar “The Kiss” que abre o Kiss me, Kiss Me, Kiss Me, lançado em 1987 sucedendo o The Head On The Door que é o grande sucesso da discografia e que botou o Cure no topo. Não bastasse, Kiss Me... era vinil duplo. Na sequência, em 1989, veio outra chapoletada na cabeça, que foi o Disintegration. Clássico absoluto mesmo já sendo o 8º de estúdio.

Cure sabe trabalhar os recursos de estúdio. Explora muito bem a reverberação, os efeitos, timbres e todas as possibilidades que tem na mão. Eu adoro as vozes que Robert Smith grava, os efeitos, as segundas e terceiras vozes. Registro aqui também os teclados bem usados, com timbres incríveis, alguns até de chorar de tão bom.

Além do som, o Cure sempre teve bom gosto na parte visual, as capas, pôsteres, fotos e os incríveis videoclipes. As cores, as fontes, texturas. Tudo muito bem pensado e de bom gosto. Sempre inspirador.

A banda passou por várias fases e formações, chegou até mesmo ser uma dupla apenas com Smith e Lol Tolhurst. Aliás Lol é amigo de Smith desde os 5 anos, ficou na banda até o Disintegration. Era impossível imaginar o Cure sem o Lol, assim como não dava pra imaginar Ramones sem Dee Dee. Saiu, até onde sei, por consumo excessivo de álcool e drogas que começaram a atrapalhar nos compromissos da banda.

Depois do Pornography, Smith temendo não saber mais compor músicas pop, se desafiou a escrevê-las. Compilou várias delas no Japanese Whiaspers, coletânea de singles lançada em 1984, que tem “The Lovecats”, “Let’s Go to Bed”, “The Walk” e “The Upstairs Room”. A imprensa volta e meia dizia que Smith não era capaz de escrever canções pop e isso também o motivou. Daí em diante o Cure passou a misturar em seus discos músicas góticas e pop, de uma forma única, com direção e unidade sonora. Isso se vê em todos os discos a partir de The Top até hoje.

Nesse vácuo de mudança de rumo, quando o Cure era só uma dupla, a banda quase acabou, mas os dois seguraram a onda, carregaram o piano juntos, compunham, entravam em estúdio, produziam, co-produziam e tocavam tudo.

Nessa mesma época Robert Smith tocou com Siouxsie and the Banshees, gravou disco, saiu em turnê e ainda fez o projeto paralelo The Glove. Parecia que ele estava de saco cheio do Cure. Mas seguiu e acabou vendo “The Lovecats” chegar em 7º lugar na parada geral da Billboard.

Daí o Cure gravou e lançou The Top, mas ainda era só Smith e Tolhurst (acompanhados de muita bebida e drogas). O resultado acabou se tornando um clássico psicodélico do Cure e da música pop, e que mostra perfeitamente a mudança na sonoridade da banda.

Cada disco tem sua particularidade. Lembro de duvidar que pudesse vir algo bom depois de Kiss Me... e calei a boca quando ouvi Disintegration. Na época em que a banda estourou aqui no Brasil a deixei um pouco de lado. O visual de Robert Smith, que já era uniforme dos góticos na Europa, também virou mania aqui. Tudo era “Boys Don’t Cry” e “In Between Days”. Lembro que cheguei em SP na época do 1º show da banda aqui (31/03/1987). Não sei porque não fui, mas certamente pela febre que estava, eu não iria mesmo. Não me arrependi. Vi a banda nos anos 1990, quando ela não estava em tão boa forma. Esse miolo entre Wish e Bloodflowers foi meio esquisito, apesar de Wild Mood Swings ter coisas boas. É uma banda que não precisa, mas continua a fazer bons discos.

Escutar Cure é tudo de bom. Uma boa festa não pode deixar de tocar Cure. Inclusive, pra mim, escutar Cure é relembrar de todas as festas que já fui, as boas baladas, os rolés de carro por Brasília, as noitadas em Piracicaba (minha terra natal). A cada disco uma fase diferente da vida, e certamente é isso que me faz sentir bem, mesmo os sons mais depressivos me trazem bons sentimentos.

E se você quer um caminho o próprio Robert Smith o dá dizendo que a essência do Cure está em três discos: Pornography (1982), Disintegration (1989) e Bloodflowers (2000).


PS1: Em 2012 o The Cure entrará para o Rock’n’Roll Hall of Fame.

PS2: Será lançado, também em 2012, o CD e DVD Reflections, resultado de duas noites de shows em Sydney onde a banda tocou na íntegra os três primeiros discos: Three Imaginary Boys, Seventeen Seconds e Faith. Os shows tem a participação de Lol Tolhurst e Roger O’Donnell. A cada disco uma formação diferente no palco.





23 de janeiro de 2012

Palestra Rock Brasília

No dia 27 de janeiro (sexta) estarei no SESC Santo André para uma palestra sobre o Rock de Brasília (dentro do projeto 'Da Letra do Som'). Estarei acompanhado pela dupla 2 Por 4, de Johnny Monster e Alexandre Alja, meus grandes irmãos de São Paulo, que tocarão influencias diretas da Turma da Colina como Clash, Specials, Cure e Ramones, além do rock candango (como a 1ª versão de "Prova" do Capital Inicial).

A palestra começa às 20h e vai até 22h. Todos estão convidados. Maiores informações:
http://www.dgabc.com.br/News/5936077/noites-de-som-e-literatura.aspx

PS: Breve notícias frescas sobre a 2ª edição de O Diário da Turma 1976-1986.


17 de janeiro de 2012

Série O Resgate da Memória: 25 - As Apostas Para 1987

25 anos a Folha de São Paulo aproveitou o início do ano para fazer uma previsão do que poderia se tornar sucesso entre nomes da nova geração do rock brasileiro e nomes veteranos, principalmente da cena paulistana. Nenhuma das apostas vingou, nenhum desses nomes fez grande sucesso, apenas colocaram hits efêmeros nas paradas. 1987 foi o ano do declínio dos planos econômicos mirabolantes do Governo Sarney. A forma como o texto é escrito também mostra o quanto a mídia especializada precisava amadurecer.


Gravadoras Escolhem Grupos de Sucesso Para 1987

Gueto, Patife Band, Cabine C, Obina Shock e Nau são algumas das bandas que estão sendo preparadas para conquistar o mercado

Folha de São Paulo
Sábado, 17 de janeiro de 1987
Caderno Ilustrada
Por Mário César Carvalho (da reportagem local)

Façam as suas apostas! O mundo da música é um jogo – ainda que muitas vezes os dados sejam viciados em doses maciças de dinheiro e cartas marcadas com golpes de publicidade. 1987 será o ano do funk, aposta da gravadora WEA, que possui em seu cacife um dos grupos com maior carga plutônica do ano, o Gueto. Os moleques são infernais no palco, cruzam a bateria de Padre Miguel com rap do Harlem e toques de heavys na guitarra. Gang 90 e Etiópia, que até o ano passado se classificavam de dark, também atacarão de funk. A WEA colocará ainda na mídia a Patife Band, um mix de punk destilado, atonalismo e deboches. De Brasília deve colar o pop de Finis Africae.

O ano marca também a entrada de um novo selo no mercado que pretende virar a mesa do hit parade. Trata-se do Revoluções, criado por Paulo Ricardo e Luiz Schiavon, ambos do RPM. A primeira cartada do Revoluções chama-se Cabine C e deve chegar em março às lojas. Ciro Pessoa, vocalista e letrista do Cabine, e um dos poucos autores da “new generation” que consegue criar letras que combinam refinamento poético, ironia e cinismo – o que não é pouco.

A RCA preferiu a via lisérgica para conquistar ouvidos jovens. Está apostando no Violeta de Outono. A CBS segue uma trilha semelhante com o grupo Nau. Este ano parece que as gravadoras despertaram de um sono profundo e não incluíram a palavra recesso em seus planos de metas. Sorte do consumidor: deverá haver um espaço para uma série de novas tendências. Mas não se iluda com a bateria de marketing das gravadoras e suas nebulosas cortinas de fumaça. Abaixo um guia para orientar ouvidos nesse turbulento ano que se inicia. Um detalhe: não confie em bola de cristal. A rampa que leva ao sucesso funciona como uma espécie de pau de sebo. A seguir a ficha dos predestinados.

GUETO – De Santana, zona norte de São Paulo, para as paradas de sucessos. Esse parece ser o destino do Gueto, uma banda que saiu direto dos porões de São Paulo para a WEA. Eles tem uma força como He-Man às avessas, e devem estourar “Ensaio Gral”, uma das músicas do grupo, tem a estrutura de uma (sic) samba-enredo, mas o que desfila na passarela é um misto de hip hop, funk e pitadas de Heavy Metal. Um verdadeiro samba do criolo doido para agradar gregos, troianos, assírios e caldeus. Atacam em dose dupla em 1987: um mini LP pela WEA, que deverá chegar em junho às lojas, e participam com duas músicas na coletânea “Não São Paulo 2”, do selo iindependente Baratos Afins, com previsões de desembarcar em março nas lojas se a crise do vinil não continuar.

CABINE C – Transitam das tormentas a delicadeza num piscar de olhos. Sem escalas vão do orientalismo de “Jardins das Gueixas”, que nos shows deverá ser cantada exclusivamente em japonês, às penumbras dos poetas malditos do século passado. Luiz Schiavon, tecladista do RPM, assina a produção do disco, que conta com a participação especial de Fernando Deluque, guitarrista do RPM, e Akira pilotando seu “stick”, um instrumento que combina baixo e guitarra numa única peça. Conquistam pela qualidade poética das letras e elaboração musical. O disco estará nas lojas em março.

VIOLETA DE OUTONO – Extraíram o lirismo de Pink Floyd, guitarras psicodélicas e alucinação dos anos 60 e conseguiram uma alquimia ímpar. A delicadeza às vezes remete aos acordes do grupo inglês Durutti Column. Outras vezes são monocórdios. Mas já se transformaram em “cult band” em São Paulo. O disco da banda, que saiu do selo independente Wop Bop e entrou na RCA, deve sair em março.

OBINA SHOCK – Fazem parte da linha de frente da ofensiva negra. O disco da banda, editado pela RCA, saiu no final do ano passado, mas só deve bater na mídia no baixo verão. Pura estupidez. Obina Shock é uma usina dançante vinda direto da África, pelo menos em disco. Dois padrinhos pesos-pesados devem puxar as vendas do grupo – Gilberto Gil e Gal Costa. Ambos cantam no disco.

NAU – O vocal valquírico de Vanji (sic) é a principal força do grupo. Também vem em dose dupla – um LP pela CBS, batizado de Nau, e participação com duas músicas na coletânea “Não São Paulo 2”. O Nau investe na delicadeza e possui músicos que sabem tocar.

FINIS AFRICAE – Autor de pops facilmente degrutíveis – a música “Armadilha” já está emplacando no rádio –, o grupo deve dar o pulo do gato neste ano. Também trocaram um selo independente (Sebo de Discos) (sic), por uma gravadora multinaconal, a EMI-Odeon. É mais um representante do rock candango que deverá chegar às paradas.

PATIFE BAND – A cabeça musical da banda é Paulo Barnabé, irmão de Arrigo. São dublês de punk no palco. Mas não se limitam a vomitar palavras de ordem, costuradas a guitarras a 120 por hora. Adoram brincar de atonalismo, funk, samba e humor barra pesada. Pode agradar adolescentes pelo simulacro de violência.


‘Azarões’ que podem ganhar o público
Como nas mesas de pôquer ou nas corridas de cavalos, a trilha que leva ao sucesso é repleta de acasos. Sorte dos azarões. Correndo ao lado da mídia, como aconteceu com o Camisa de Vênus, eles podem conquistar o público e chegar ao disco de ouro. Abaixo, os possíveis azarões de 1987.

INOCENTES – Trata-se do primeiro grupo que freqüentou as fileiras do punk rock a ser contratado por uma multinacional, a WEA. Pode agradar adolescentes rebeldes. Sinceridade e letras ácidas são as principais armas da banda.

365 – Conseguiram emplacar uma canção tola na 89 FM, batizada de “São Paulo”. Caso se aproximem das origens da banda (o punk), e cruzem artilharia hardcore com novas influencias, podem correr na mesma faixa que os Inocentes e ganhar a simpatia dos jovens enfurecidos. Esta gravado pela Continental.

HAI KAI MUSIC – É o primeiro torpedo da ofensiva amarela a se transformar em disco. Akira, do ??? Akira S e As Garotas que Erraram está transformando em pulsos eletrônicos cerca de 20 clássicos do hai kai, todos serão cantados em japonês por Mineike. Do outro lado do disco atacam com popaços, também em japonês. A colônia deverá adorar e o resto do público poderá ir no rastro – afinal o Japão está na moda. As músicas são refinadíssimas.

GANG 90 – Já freqüentou as paradas quando Júlio Barroso era vocalista do grupo. Totalmente reformulado, pode encontrar um público disposta a ouvir funk. A qualidade de produção do próximo disco está praticamente garantida – está nas mãos de Edgard Scandurra, guitarrista do Ira!

GRIND’S (sic) – Grupo de skate punk do ABC, poderá atingir as paradas carregada pelos skatistas, uma moda que deverá atravessar ???. Fazem a linha protesto tipo Dead Kennedys. O disco da banda sai no meio do ano pelo selo independente Ataque Frontal.