9 de março de 2011

Série O Resgate da Memória: 18 - Debate Bizz Rock Brasileiro (1 de 6)

DEBATE ROCK BRASILEIRO
Revista Bizz - fev/1988


Que barulho é esse?
(NOTA: Dividi este debate histórico da revista Bizz em seis partes. Postarei uma por dia nos próximos seis dias. O texto é copiado do original e inclui possíveis erros gramaticais.)



Do Rock in Rio ao Hollywood Rock, do desbravamento do desconhecido rock nacional até o momento atual, em que as bandas brasileiras enfrentam as estrangeiras em pé de igualdade - e até se saem melhor, em vários casos! - os nossos músicos já se acostumaram a enfrentrar as condições mais adversas. Pobreza de recursos, estreiteza de visão, os vícios da mídia e a prepotência da indústria: há como superar isso tudo, fazer simplesmente música, e se fazer ouvir? Convidamos os representantes de bandas de sucesso, de bandas de muito sucesso, de bandas velhas de guerra, de bandas fora do esquema para trocarem opiniões e alfinetas... Pela ordem de entrada: Renato Russo (Legião Urbana), Herbert Vianna (Paralamas), Fê (Capital Inicial), Gutje (Plebe Rude), Charles (Titãs), Nasi (Ira!), Paulo Ricardo (RPM), Scowa (Máfia), João (Ratos ele Porão), Sanelra (Mercenárias), Carlos Maltz (Engenheiros do Hawaii) e o musicólogo Hermano Vianna foram os nossos convidados presentes (Lobão, Cazuza,Paula Toler, Marcelo Nova, Guilherme, Isnard e Roger não puderam - ou não quiseram - aparecer). Pela BIZZ, José Augusto Lemos, Jean-Yve de Neufville, Thomas Pappon (que também falou de sua experiência como guitarrista do Fellini), Alex Antunes (que, sob a alcunha ele Pereira Antunes, era vocalista elo Akira S) e Sônia Maia compareceram. As conclusões? Várias (se você for leitor atento)... ou nenhuma, para quem esperava algum tipo ele acordo dentro desse saco de gatos!

Lemos - Até o Rock in Rio, o rock brasileiro era uma coisa subterrânea... O Hollywood Rock não é um Rock in Rio II, muita coisa aconteceu - as gravadoras e grandes editoras puderam investir nisso. Mas a tendência óbvia da mídia é ir em cima do Hollywood Rock, e então pensamos em promover um debate que contribuísse para a música brasileira, e ao mesmo tempo não tivesse nada a ver com o Hollywood Rock. É mais para compartilhar as experiências de cada um aqui... Acho que os temas mídia e mercado são os que podem render mais, tanto para os leitores de BIZZ como para quem está montando banda agora. Quem quiser ser o primeiro... (silêncio geral)
Lemos - Se ninguém quer começar, então vou passar a bola para o Renato. (risos)
Russo - Eu sabia. Sempre sobra para mim.
Lemos - É, você mesmo. Isso porque você tomou uma atitude considerada esquizofrênica, ano passado. Quando a Legião estava ocupando o trono máximo, resolveu sair de cena...
Russo - A gente parou... Isso foi porque estávamos desintegrando - aconteceu tudo muito rápido, não tivemos aqueles cinco anos até começar a desintegrar por causa da estrada. A gente deixou de ser uma banda hiper-underground para ser uma das bandas de Brasília favoritas aqui em São Paulo - e houve o ano da descoberta. Com o primeiro disco era tudo novidade: ficar num hotel de duas estrelas, oba!, super legal, as viagens...Mas aí agente teve as gravações do segundo disco e veio tudo como um baque- a gravadora começou a sentir os pedidos dos lojistas, e eles viram que estava acontecendo alguma coisa ali... Então foi uma questão com a gravadora - para, a gente terminar logo o disco. Eu pessoalmente fiquei muito tempo trancado fazendo as músicas. Eu percebi que estava rolando algo a nível de massas em torno da banda, interferindo no nosso relacionamento com a gravadora, e no da gente com o público, mas a gente não parou para pensar nisso. E depois tem que dar entrevistas, tem que ter avião, aquelas coisas todas que vêm junto com o lançamento, e a gente não teve tempo de assimilar aquele disco. Entramos de coração mesmo, e o que acontecia é que, nos shows, a música que estávamos tocando era uma surpresa para nós mesmos lá, ao vivo... Isso foi uma coisa que foi juntando, juntando, juntando, a gente foi pego de sopetão. Foi quando começaram a aparecer as primeiras mudanças ruins na economia brasileira. Então,para mim foi um baque muito forte, porque primeiro era entusiasmo total, casa cheia. Depois,era apatia total... casa cheia! Isso me assustou: a gente passeando pelo Brasil inteiro, chegava em um lugar e tinha vinte mil pessoas olhando... Eu me lembro que teve o caso Mônica, por exemplo (um caso de ataque sexual e assassinato, ocorrido em 85 no Rio de Janeiro), e aí eu falei disso na introdução da "Dança", que é uma música que, fala sobre sexismo, essas coisas, e a garota, da lá, parada... Depois do show eu pensava: "Pô, o que está acontecendo com esses caras?" E depois descambou para a violência total, que culminou em Brasília, quando morreu uma garota no show da gente. Você cantando certas músicas e, de repente, o negócio descambando pra violência total. Não tinha nada a ver! Hoje em dia sei que não é só você dar o melhor si que vai puxar o melhor da platéia. Hoje em dia eu sei que você simplesmente vai puxar energia - se vai ser energia positiva ou negativa, vai depender do caráter pessoa que está lá. Isso foi um baque grande, porque eu achava que se esta cantando "Brigar pra que se é sem querer" ia todo mundo ficar numa boa, ao que só se eu fizesse uma coisa super violenta é que o pessoal iria reagir violentamente não... Como foi tudo muito rápido, a gente não teve tempo de assimilar de jeito nenhum viramos o que o povo falava da gente eu não era mais eu, era o Renato Russo. Isso também foi numa época em que o som da banda estava casando, montando casa, e juntou com aqueles problemas com a gravadora... E a gente decidiu, "olha, vamos parar aqui, senão a banda acaba". O que... eu não gostaria de mencionar isso, mas sinto que foi o que aconteceu com o RPM. Muito show,muita saturação, sabe, você tu se perdendo... Olha, nada vale isso, nada vale. Lá fora aconteceu com os Stones, depois de vinte anos; Beatles, depois de seis... e a gente foi no segundo disco. Depois veio o negócio dos Titãs, quando eles "foram presos, teve o negócio do Lobão... E a gente falou, "não, vamos ficar em casa mesmo". Estávamos expostos, não tínhamos armas, não tínhamos limusines, nada. A gente ganhou tudo, mas não tinha estrutura nenhuma para segurar... E foi bom ter parado, porque agora a gente pode voltar...


Lemos - Herbert...
Herbert - Faz uma pergunta então.
Lemos - Eu queria a sua visão pessoal. Os Paralamas desfrutaram de popularidade antes da Legião, vocês participaram do Rock in Rio... Então, vocês têm mais tempo de estrada para analisar.
Herbert - Não sei, esse ano todo de 87 praticamente todo, a gente fez pouca coisa aqui, estivemos muito tempo fora, viajando, e foi porque é como você estar tocando pela primeira vez... Talvez o que mais aflija o Renato é que, com o passar do tempo você vai se tornando um escravo do que já fez, tem que superar seus próprios recordes... e a coisa já não é mais fazer música, é superar ou pelo menos manter algo que você já fez, e os números, e todas as pressões... Às vezes dá vontade de parar. Mas no caso da minha banda, a gente tem uma coisa musical muito forte, uma perspectiva musical muito grande, de elementos que a gente ainda quer usar... Então, fazemos música por isso, para ver onde é que vai dar, enquanto não precisarmos trabalhar em outra coisa, pudermos ser músicos full time e ter um suporte financeiro, e toda a tecnologia e as facilidades do nosso lado. Mas certamente o país mudou, o show business está completamente diferente, não tem mais shows surpreendentes, fica tudo muito previsível... A gente já conseguiu muita coisa. Uma vez na Argentina, em um estádio de futebol lotado, abrindo para a banda mais popular do país, meia hora depois do final do nosso show ainda tinha nego em pé batendo palmas.Essas coisas valem. Mas a coisa de mercado, de gravadora, de ir em rádio, de dar entrevista... Eu não tinha vontade de vir aqui, sabia? (risos). Não tenho nada para falar. Sério. Vou até passar o Fê...
Lemos - Vai você primeiro (para Gutje), que eu ainda estou me ambientando.
Gutje - Acho que o principal problema aqui no Brasil é que todo mundo é superligado nos meios de comunicação de massa. O que todo mundo escuta nas rádios, os discos que se compram nas lojas, os filmes, tudo vem em cima da propaganda que se faz disso. O Hollywood Rock tá aí, vêm um bocado de grupos estrangeiros tocar, são bandas que já estão aí a muito tempo vêm atrasadas, e muita banda brasileira vai tocar também. Então o que acontece? Essas bandas vão estar tocando direto na rádio. As bandas que estão de fora do Hollywood Rock vão ficar fora no mercado, das rádios. Então a gente é diretamente ligado a essa coisa da mídia, e acontece isso que o Herbertdisse: desestimula a criação do artista. Se acontece um grande evento, esse evento fecha o espaço para você! Porque no Brasil não existe rádio independente, rádio alternativo, selo independente... Quero dizer, o pessoal que não está no auge do acontecimento acaba ficando meio frustrado, desestimulado a fazer um trabalho. A gente vai passar agora para o terceiro disco. Vai começar da estaca zero. Porque o que fizemos em Nunca Fomos Tão Brasileiros foi mais ou menos o que o Legião fez nesse disco novo: pegar tudo o que estava dentro do baú e soltar. Então você fica super preocupado com o que vai acontecer a partir de agora. Será que vai tocar na rádio? Será que o pessoal não vai cobrar: ´´Ah, não é a mesma coisa que você fazia antes, não é ´Até Quando Esperar´, mudou então não vou mais tocar seu disco". Tem que acontecer alguma coisa pala acabar com essa dependência do público em geral dos meios de comunicação de massa. Porque se o pessoal ficar dependendo de televisão, do que toca no rádio para consumir, para comprar disco, então vai ser um inferno... acho que as coisas só tendem a piorar...
Herbert - Vão melhorar, Gutje...
Gutje - Não, tudo bem, acho ótimo você ser otimista. Mas eu não acho que vá melhorar, cara. Acho que a iniciativa tem que partir do próprio pessoal que faz música, como o legião. Ah, é show pra caralho? Vamos parar, vamos dar um tempo. Se o lance agora é brega, então deixa o brega rolar, o brega vai rolando, rolando... Hoje eu encontrei no avião com um cara da rádio Transamérica, e ele disseque há treze pesquisadores do Ibope aqui em São Paulo, que tem uma população que deve ser de mais ou menos treze milhões. Quer dizer, é um pesquisador para cada milhão de habitantes, e é esse cara que faz a rádio X estar num Ibope assim ou assado, faz a programação assim ou assado, de brega, ou de rock, ou seja lá o que for... Que país é esse? Onde é que a gente está? Como é que a coisa vai para frente?

PARTE 2

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