1 de janeiro de 2022

O Rock Brasileiro em 1982

Pra iniciar o ano resolvi já soltar um texto sobre o que aconteceu nos anos de 1962, 1972, 1982, 1992, 2002 e 2012 pois terão datas redondas e todo mundo adora datas redondas! Afinal o que aconteceu há 10, 20, 30, 40, 50 e 60 anos? Tem muita coisa pra comemorar em relação ao universo do rock brasileiro.

Apesar de ter as datas, quando resolvo escrever um texto assim, ele requer algumas novas pesquisas e uma organização brutal. Exatamente quando terminei de organizar o conteúdo para começar a escrever, percebi que havia muita efeméride de 1982 – coisa que eu já sabia – então com toda aquela informação, resolvi fazer um texto só sobre esse ano que foi especial e importantíssimo para o que veio a acontecer com o rock brasileiro a partir de então. Após esse texto, na semana que vem, publicarei o texto sobre os acontecimentos gerais desde 1962 (aniversários, lançamentos, curiosidades, etc). É evidente nem nesse ou qualquer outro texto sobre as efemérides do rock brasileiro, não colocarei datas específicas, estou cansado de ser roubado por gente preguiçosa que ama o copy/paste. Aproveite os hiperlinks para mais viagens no tempo. Então vamos ver o que aconteceu há 40 anos:


Ah 1982 foi um ano intenso e delicioso. Eu tinha 12 anos e o ano foi tão legal que me lembro de muita coisa. Inclusive foi o ano em que tomei minha primeira bomba na escola. Estava na 6ª série (7º ano de hoje 2021), Fernanda minha irmã foi para Itália fazer intercambio e no fim dele meus pais foram encontrá-la e ficaram por lá ao menos um mês. Por causa disso, eu e Mila (irmã mais velha) ficamos em Brasília "sozinhos". Ainda morávamos na 111 Sul (bloco D apto 203 – telefone acho que era 243-3044). Pra não ficarmos sozinhos em casa, fomos pro apê da tia Sandra e do tio Ubaldino que ficava no mesmo bloco (no mesmo prédio).

Assim chamávamos (e ainda chamamos) os amigos dos nossos pais. Tio Ubaldino era agrônomo e trabalhava na EMBRAPA com meu pai. Érica, Ricardo e Renato eram os filhos deles e nossos grandes amigos (até hoje). Estudávamos na mesma escola (Colégio Marista, onde tia Sandra era professora) e passávamos os fins de semana juntos, no Iate Clube, em churrascos pelas cachoeiras de Brasília, em casas de amigos no Lago Sul ou Norte também churrascando e boiando na piscina; ou mesmo na quadra com os amigos conversando, jogando bola, escutando um som embaixo do bloco.

Bem, daí eu e Mila fomos pro apê dos Máximo Machado e lá foi uma zona! Tio Ubaldino e tia Sandra também tiraram férias e foram viajar. Todo mundo deu um foda-se para os filhos (no bom sentido), nós adoramos e foi uma maravilha. Não à toa tomei pau na escola!

Foi o ano da inesquecível Copa de 1982 com aquele timaço com Zico, Sócrates, Éder, Toninho Cerezo, Falcão, Serginho, Júnior, Leandro, Oscar, Luizinho e Valdir Perez.

Assistimos o fatídico jogo com a Itália no meu apartamento já vazio porque estávamos indo para a 203 Norte (bloco K apto 402(?) nº do telefone começava com 256). Aquela sala gigante do apê da 111 com uma galera lá, gente em pé, gene sentada no chão, cerveja no isopor e televisão pequena (não me lembro de quem era). Foi uma tristeza só. Nunca mais vi nada sobre esse jogo e essa Copa. Se passa algo na TV eu mudo. Na 1º foto desse texto sou eu e Fernanda em 1982 já no apé da 203 Norte.

Era início de 1982 e tudo estava mudando. Não acho exagero dizer que 1982 foi o ano da ruptura com os anos 1970. Digo isso em relação a cultura pop e universo jovem, mas essa ruptura aparece também em outras áreas. Comportamento, roupas, cinema, música – com os equipamentos e tecnologia que envolviam essas duas áreas do entretenimento em franca evolução.

Foi o ano de ótimos filmes de ficção como Tron, Blade Runner e E.T. – O Extraterrestre. Ainda teve Cat People – A Marca da Pantera, Conan – O Bárbaro, Rambo, Poltergeist, Tootsie, Pink Floyd – The Wall, Liquid Sky e Rio Babilônia. Depois de assistir Tron eu saí do cinema de queixo caído e com mil perguntas. Cat People e Liquid Sky (o qual já escrevi aqui) são obras primas!

Na TV também tinham bons programas como o Som Pop, Quem Sabe, Sabe! e a boa e velha Sala Especial (ainda se produzia pornochanchada). Em 1982 estrearam na TV as novelas Final Feliz, Sétimo Sentido e Sol de Verão; a ótima minissérie Quem Ama Não Mata; e os icônicos programas Viva Noite (do Gugu) e o excelente e inovador Comando da Madrugada do saudoso Goulart de Andrade. Todos esses programas e novelas também fazem parte da mudança de comportamento que estava acontecendo, seja pelo texto, temática, figurino, dinâmica, trilha sonora, etc.

Faziam grande sucesso os programas de humor de Chico Anysio e Jô Soares; e ainda tinha Os Trapalhões.

Pra terminar essa importante contextualização é bom registrar também que 1982 foi um bom ano para a música internacional. Foi o ano que surgiram nomes como Metallica, Public Enemy, Run D.M.C. e The Smiths. Em relação aos lançamentos há grandes clássicos: Thriller (Michael Jackson), The Number of The Beast (Iron Maiden), Rio (Duran Duran), Pornography (The Cure), Tug of War (Paul McCartney), Creatures of The Night (Kiss), Iron Fist (Motorhead), Plastic Surgery Disasters (Dead Kennedys), 1999 (Prince), Combat Rock (The Clash) e The Gift (The Jam). Há muito mais, mas esses já dão uma ideia do que foi aquele ano.

Vindo para o Brasil, dá pra dizer tranquilamente que 1982 foi o ano inicial do rock da geração 80 e foi graças ao que aconteceu nesse ano que o nosso rock fez a história que fez e do jeito que fez. Um ótimo exemplo da intensidade dos acontecimentos é o Barão Vermelho: entre janeiro e dezembro o Barão fez seu 1º show, estreou no Circo Voador, gravou e lançou o 1º disco.

O ano começou com o mega hit “Garota Dourada” do Rádio Taxi, que nessa época também era grupo de apoio da Rita Lee. Lee Marcucci e Wander Taffo, só tinha feras e veteranos no grupo. Não era um grupo dos 80 propriamente dito, mas foi muito importante nesse período, pra abrir as portas ao que viria logo a seguir. Nesse ano, além do compacto, o Rádio Taxi também lançou seu 1º disco. Nesse biênio 1982-83 o grupo fez enorme sucesso, tocava em todas as rádios, estava sempre na TV e nas trilhas sonoras de filmes e novelas, e com agenda cheia (ainda mais quando estourou “Eva”).

1982 também ficou marcado por uma parceria que foi vista de forma errada pelo público e pela mídia, mas que apesar disso ajudou imensamente na divulgação do rock brasileiro: Eduardo Dusek e João Penca & Seus Miquinhos Amestrados. O disco ‘Barrados no Baile’ lançado em 1983 foi o estopim do que começou a ser construído um ano antes. Dusek viu show do João Penca, propôs a parceria e a apresentou ao público no festival MPB-Shell 1982. No mesmo ano estrearam no Rio o show “Barrados no Baile”. Aqui no blog transcrevi uma matéria sobre essa parceria publicada na Pipoca Moderna. “Cantando no Banheiro”, “Rock da Cachorra” e a própria “Barrados no Baile” se tornaram hits eternos.

Esse humor era algo bastante característico de alguns artistas no Rio e a irreverência dessa parceria estava muito próxima ao que a Blitz fazia.

Que fique claro: nesse período tudo era novidade pra nós brasileiros!

É preciso lembrar também que nessa época o rock brasileiro era underground. Único grupo a chegar ao mega estrelato nesse início foi Blitz mas, como o próprio Lobão havia previsto, estava fadado a ser algo efêmero.

De fato, o humor que marcou esse início de rock brasileiro não durou muito, mas foi de suma importância por abrir o caminho nas mídias. Por falar nisso 82 foi quando A Maldita Fluminense FM estreou. Também foi o ano de inauguração do Circo Voador que iniciou as atividades no Arpoador e depois se transferiu para a Lapa, e foi na Lapa que ele fez história.

O Circo era mídia também porque todo mundo que tocava lá aparecia, de alguma forma, nas revistas especializadas da época, tocava na Fluminense e ganhava certo respeito de toda comunidade rock. Eu não preciso listar os artistas que tocaram tanto na Fluminense, quanto no Circo Voador, porque praticamente todos passaram pelos dois.

Ter essa visão macro de tudo o que aconteceu por conta das efemérides é muito legal porque você consegue ver algo surgindo até o momento em que ela explode! Quem estava imerso nesse universo musical, em 82, já sabia que algo iria acontecer. Era questão de tempo.

Digo isso porque o que vou mostrar a seguir dá a exata dimensão do que foi 1982 para o rock brasileiro. Olha alguns dos nomes que surgiram: Camisa de Vênus, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, Os Paralamas do Sucesso, Voluntários da Pátria, Inocentes (1º show), Kid Abelha e Ultraje à Rigor.

Lançaram o 1º disco: ‘Grito Suburbano’ (coletânea punk com Inocentes, Olho Seco e Cólera), o clássico EP ‘Violência e Sobrevivência’ do Lixomania, ‘Tempos Modernos’ do Lulu Santos, Barão Vermelho, 1º compacto do Agentss, Herva Doce (“Erva Venenosa”), Blitz com ‘As Aventuras da Blitz’ e Lobão com ‘Cena de Cinema’.

Você pega 12 nomes dessas duas listas e acrescenta apenas mais uns 4 e pronto: terá o primeiro time do rock da geração 80. 2/3 dos principais nomes do nosso rock começou a traçar seus planos de dominar o mundo em 1982.

A maioria desses nomes já vinha tocando desde 1978-80, mas foram se moldar em 1982. É o caso de Titãs, Kid Abelha, Lulu Santos, Legião Urbana, Capital Inicial e alguns grupos punks de SP.

Ao mesmo tempo, em relação ao comportamento do jovem, os patins eram moda, mas as discotecas estavam no fim. Casas noturnas alternativas e danceterias começavam a dominar a noite e foi nelas que essa nova geração do rock começou a tocar.

Perceba que neste ano grandes grupos começaram a compor seus repertórios iniciais, que depois viriam a ser recheados de clássicos que tocam nas rádios até hoje. Esse é o caso de Ultraje à Rigor, Paralamas, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, Camisa de Vênus, Gang 90 & Absurdettes, entre outros.

Por toda sua importância pode haver quem diga que 1982 ainda não acabou, mas ele teve um fim sim. Em 1983 muitos desses grupos, ainda no underground, lançaram seus 1º compactos e discos, mas isso é história para 2023.



Nenhum comentário: