1 de dezembro de 2018

O Rock Brasileiro dos Anos 1970 (A História Esburacada 2)


Já escrevi aqui sobre os buracos na história do rock brasileiro e o link do texto vou deixar no final desta postagem.

Ali pergunto de quem é a culpa e respondo que não é de ninguém, essa nossa história cheia de buracos. Na verdade a culpa é de todo mundo por conta de uma série de coisas que aconteceram naquele período, inclusive dos artistas.

Há quem tenha se destacado mesmo em um período bastante obscuro para o mainstream, mas a maior parte dos artistas não conseguiu destaque. Foi uma época em que não dava pra viver de shows, nem todos os grupos conseguiam fazer uma turnê com datas seguidas e bom cachê.

Da turma da jovem guarda, muitos músicos montaram novos grupos e continuaram tocando, inclusive acompanhando grandes nomes da MPB. Teve quem se tornou executivo de gravadora e quem se tornou produtor, montando estúdio, etc.

Mas é nítida a falta de conhecimento que as pessoas que gostam de rock brasileiro têm da obra deixada pela geração 70. Pena porque há discos incríveis, ótimas composições.

Apesar de não ter chegado a grande mídia, o rock brasileiro tinha seu espaço. Folha de SP, Estadão, O Globo, JB sempre noticiavam os lançamentos, shows, eventos. Publicações especializadas realmente não tinham, a não ser as independentes que eram poucas e tinham vida curta.

Tinham os festivais como de Águas Claras, Saquarema, Hollywood Rock 75, Banana Progressiva, 1ª Feira de Música Experimental e outros. Além disso, era costume ter shows de rock em teatros. Muitos grupos tinham seus shows disputados, principalmente show de lançamento. Foi assim com O Terço, Bixo da Seda, Ave Sangria, Rita Lee & Tutti Frutti, Vímana, Raul Seixas, Os Mutantes, Módulo 1000. Eram teatros lotados e gente pra fora. 

Tinha banda que apesar da carreira e de disco lançado, sobrevivia como grupo de apoio para outros artistas tipo Erasmo Carlos, Caetano, Gil, Chico, Gal, Milton e outros. Também havia as bandas que investiam em equipamento para aluga-lo para shows e gravações. Todo mundo se virava de algum jeito porque viver 100% de música no meio rock era privilégio de poucos (inclusive a mesma coisa que acontece hoje).

Ao contrário do que muita gente pensa, havia muito grupo de rock, não só concentrados no eixo Rio-São Paulo. Salvador, Recife, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte também tinham sua cena rock local e, desses e outros lugares, algumas tentaram a sorte no eixo, onde estavam gravadoras, imprensa, empresários e tals.

Esse movimento nem é exclusivo desta década. Isso aconteceu com todo mundo, dos anos 1950 até hoje, zilhões de artistas foram para RJ-SP tentar um lugar ao sol.

A comunidade rock da década de 1970 era pequena. Era um gueto. Quem podia se ajudava e todo mundo tentava manter a chama acesa. As iniciativas de se fazer festivais (também haveria o Ibirastock caso não tivesse sido proibido em cima da hora), shows em conjunto, e eventos especiais como a Semana Rock’n’Roll e premiações anuais promovidas pelos próprios promotores de shows (sem querer o Prêmio Gabriel Thomaz de Música, o qual sou DJ, resgata parte disso).

Lembro-me de ler uma entrevista com o genial Gerson Conrad (Secos & Molhados), da época em que estava lançando seu 1º disco solo junto com Zezé Mota, e nela Gerson já falava de mercado independente e da ajuda mútua entre artista e gravadora, por exemplo, em shows e divulgação, o que acontece hoje.

Nenhum artista brasileiro de rock da década de 1970 ganhou dinheiro com show ou venda de discos. As TVs e as rádios não estavam nem aí pras bandas de rock e, apesar de todo espaço que já tinha, essas forças que eram fundamentais não estavam ao lado. Raros são os rocks brasileiros dos 70 que tocaram em rádio.

Você pode inclusive perceber em conversas com amigos que todo mundo cita Paralamas, Titãs, Ira!, Legião, Raimundos, Planet Hemp e Nação Zumbi; mas ninguém fala de Módulo 1000, Peso, O Terço, Casa das Máquinas... nunca ninguém cita músicas ou discos dos grupos dos anos 70. Já percebeu?

Percebeu que as rádios que tem programas tipo flashback nunca incluem na programação músicas do rock brasileiro dos anos 70? Mesmo sendo elas rádios de rock!

Gravadora ou selo nenhum se interessa em recuperar discos dessa época. A imprensa, especializada ou não, não está nem aí - até porque está morta - e nem mesmo ninguém se interessa em conhecer essa parte da história. Ok, pode até haver relançamento de um disco ou outro, mas há muita coisa fora de catálogo. Esquecida.

Se assim fosse teríamos uma continuidade entre a 1ª geração do rock, aquela da segunda metade dos anos 1950, a Jovem Guarda do miolo dos anos 1960, o rock dos 70 e, por fim, a geração 80 e 90. Mas se ninguém conhece o que foi feito nos anos 70 e nem nos anos 60, como é que poderemos ter uma história com começo, meio e fim?

E mesmo tendo a força que teve, sem essa ajuda na divulgação e sem a atenção das gravadoras, esse rock brasileiro dos 1970 é praticamente ignorado pela maioria do público.

Então você pode imaginar: se o público que gosta de rock brasileiro já é pequeno, imagine então um público menor ainda dentro dele!

Uma pena esse esquecimento da mídia e do mainstream que acabou causando essa falta de memória e valorização dessa cena. E esse é um buraco que dói porque há coisas muito legais registradas.

Além dos conhecidos clássicos eu particularmente gosto de discos de Ave Sangria (apesar da capa horrorosa é um dos melhores da década), Módulo 1000, Sá, Rodrix e Guarabira, Novos Baianos, Som Imaginário, O Som Nosso de Cada Dia e O Terço.

Não era só a MPB que era boa nos 70, o nosso rock também!

Nota: Em 1974 foram gravados cerca de 20 discos de grupos brasileiros, aconteceu cerca de 300 shows e houve mais de um milhão de discos vendidos de rock brasileiro.






Um comentário:

Helder Barros disse...

Ótimo texto, Paulo. Eu, assim como muitos, também pouco conheço o rock nacional dos anos 70. Vou procurar ouvir mais. Forte abraço.