9 de janeiro de 2017

Brasília 1984 – O Ano Que Não Terminou

Encarte Rumores
Depois de quase uma década estudando no Marista, fui convidado a me retirar do colégio. Para não tomar pau, fui para o Sigma, um colégio novo que acabara de abrir suas portas e que me deu chance de fazer provas novas.

Lá encontrei muitos amigos, inclusive de infância. Também estava no Sigma, fazendo cursinho, Philippe Seabra (Plebe Rude).

Sigma era um colégio diferente. Não tinha uniforme, no intervalo você podia sair pra comer fora e até mesmo tomar cerveja. Não havia certos tipos de controle comuns de outras escolas. Era uma relação de confiança e ninguém abusava dessa liberdade. Tinham intervalos que jogávamos beisebol.

1984 foi o ano que surgiu o Radicaos, primeiro vídeo bar temático de rock em Brasília. Toda turma do rock ligada à história da Colina estava lá. Ele ficava no setor comercial da SQN 105. Na parte de cima tinha um bar e mesas de ferro como qualquer boteco, e para entrar no pequeno porão pagava-se uma consumação mínima (pra muita gente isso era algo absolutamente novo) .

Capital Inicial no Radicaos
Na parte de baixo havia um minúsculo palco, pista de dança, bar e banheiros. Na pista tocava tudo o que gostávamos e eram seções: tinha o momento rock com Gang of Four, Talking Heads, B-52’s, Clash, Stranglers, Ruts; tinha o ska 2Tone com Specials, Selecter, Madness, English Beat e tals; e tinha também a hora do peso com Dead Kennedys, Ramones, Exploited....

Nessa hora era só meia dúzia que se arrebentava na pista, pulando contra parede, se empurrando, aí depois saía todo mundo acabado para tomar um ar na parte de cima.

Paralamas já havia lançado o 2º álbum ‘O Passo do Lui’ e já tinha conseguido vender a Legião para a EMI. O Radicaos inaugurou em outubro, mais ou menos na mesma época em que a Legião tinha acabado de gravar o 1º disco.

Todo final de semana tinha show, não só no Radicaos, mas no Coreto do Gilberto, na Concha do Parque, na Escola Parque, no Teatro Galpão. Foi inclusive em 1984 que vieram tocar na cidade o Zero e o Nº 2, que eram absolutamente undergrounds em SP. O primeiro tocou na Escola Parque com Os Virgens abrindo e o segundo no teatro Galpão junto com Escola de Escândalo (que deve ter sido um dos primeiros shows como Escola de Escândalo e não mais XXX com Totoni na bateria). Também aconteceu o primeiro show do Kid Abelha em Brasília que rolou no Centro de Convenções e que inexplicavelmente foi aberto pela (horrorosa) banda Anjos e Arcanjos. Não lembro quando exatamente, mas esse show deve ter acontecido no meio do ano.

Escola de Escândalo
Os grupos, principalmente o “quarteto fantástico” Legião, Plebe, Capital e Escola passaram a viajar bastante para RJ e SP. A revista Roll, principal da época, sempre escrevia sobre os grupos de Brasília, sempre saíam fotos dos shows no Circo Voador. Era o momento certo! Além do que essa exposição chamava a atenção das garotas da cidade e isso deixava os playboys bastante irritados!

1984 também ficou marcado pela gravação da estupenda coletânea 
Rumores. Lembro que emprestei minha camiseta do Sid Vicious pro Podrão fazer a foto do encarte (aquela que estão todas as bandas juntas). Rumores foi sucesso de crítica e público. Foi uma coisa incrível! Um marco! A coletânea passou a tocar na Fluminense do RJ e na 97 e 89 em SP. Por conta de atrasos – que não lembro quais – ela só foi lançado em agosto de 1985 num show na Concha do Parque. (Nota aos candangos: por favor leve em conta que saí de BsB em 1987)

Em 1984, tudo mudou para todas essas bandas que começaram a tocar na Colina dos anos 1970. Não que em São Paulo ou Rio não estivesse acontecendo nada, pelo contrário, estava tudo bombando e a sensação era de que havia uma dinamite prestes a explodir e a cena de Brasília estava dentro desse explosivo.

A Plebe Rude não parava de ensaiar e compor novas músicas, Capital Inicial já tinha iniciado o namoro com São Paulo e a impressão é que 1984 colou com 1985 de tão intensas que estavam as coisas.

Elite Sofisticada
1985 foi consequência de tudo o que aconteceu em 1984. Logo no início do ano o Radicaos fechou depois de um quebra pau épico entre os freqüentadores do local e os playboys (viu!?!). Finalmente Capital Inicial arrumou as malas e foi embora para SP com a cara e coragem tentar a sorte – foi com a promessa de “talvez” gravar um compacto. A Plebe Rude finalmente conseguiu o tão sonhado contrato com a EMI (mais uma vez graças ao Herbert) e praticamente passou o 1º semestre de 85 no RJ gravando o mini LP.

Nessa altura dos acontecimentos “Será” já tocava nas rádios e Os Paralamas pós Rock In Rio era o maior nome do rock naquele ano. Até existe um raríssimo clipe da música “Ska” feito pelo Fantástico onde se vê, além do grupo, gente da Plebe e da turma de Brasília, todos dançando e se divertindo aos moldes de como se fazia na capital (exatamente o que a capa do disco mostra com Lui dançando).

O lado ruim é que tudo isso fez com que um monte de bandas de absolutamente péssima qualidade surgisse em Brasília da noite para o dia como se fossem muriçocas. Nem vale a pena nominar aqui, mas o que se ouve na coletânea ‘Rock Brasília, Explode Brasil’ (de 1986) é um exemplo do mau gosto que imperou nessas bandas oportunistas. Dessa coletânea, único grupo do rock de Brasília de verdade só mesmo Elite Sofisticada.

Convite Inauguração Radicaos
No Sigma, também estudava o Marcelo, um dos 1.500 sócios do Radicaos, o qual eu era frequentador assíduo, inclusive nas tardes em que rolava passagem de som. Passava por lá de camelinho, assistia a passagem, ajudava a carregar os equipamentos e aproveitava para já colocar na geladeira do boteco ao lado uma garrafa de vinho Chapinha (desde então nunca mais tomei vinho por causa desse Chapinha maldito hahaha).

As festas e eventuais shows na UNB, principalmente na arquitetura, continuavam firmes. O orgulho de quem fazia parte da Turma da Colina era grande, no bom sentido, porque a sensação era de que nada o que havia sido feito até então não tinha sido em vão.

Pensando bem foi até engraçado como as coisas aconteceram: por conta do sucesso do 1º disco Paralamas entrrou em 1984 com a bola toda que só aumentou com ‘O Passo do Lui’ e deu moral na gravadora; como consequência em 1984, Legião gravou o seu disco, cujo lançamento foi no início de 1985, ano em que Capital lançou seu compacto e Plebe negociou seu contrato; aí em 1986 a Plebe Rude lançou o seu mini-LP  e Capital Inicial também  lançou seu 1º disco. Seguindo sem respiro Finis Africae e Detrito Federal lançaram seus discos em 1987, e em 1988 foi a vez de Arte no Escuro. Nessa maratona toda só faltou mesmo os discos de Escola de Escândalo e Elite Sofisticada.

Nessa movimentação toda, imagine os amigos e a Turma em Brasília. Nesses anos todos foi tudo intenso pra todo mundo – músicos e amigos, tudo acontecendo ao mesmo tempo.

Para o rock de Brasília, como se vê, 1984 não acabou em 31 de dezembro.

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