29 de julho de 2020

Série O Resgate da Memória: 53 - Barão Vermelho (Revista Roll)


Foi no fim de julho de 1985 que Cazuza anunciou sua saída do Barão Vermelho. Foi um bafafá já que na época o Barão estava voando baixo, em plena ascensão, com belas apresentações no RiR, com diversos hits, agenda cheia e tals. De repente, não mais que de repente, Cazuza resolveu sair e com ele levou o repertório que o Barão iria gravar (e certamente faria mais sucesso ainda). Baque total pro grupo, pra mídia e pros fãs. (esse contexto me faz lembrar, de certa forma, a saída de Rodolfo do Raimundos).

Pra lembrar essa data, posto aqui a 1ª entrevista do Barão Vermelho pós-Cazuza, ao menos para uma revista especializada. Poucos meses depois surgiu a Bizz, mas até então a Roll era a principal revista brasileira de música do segmento rock/pop. Nessa entrevista o grupo fala sobre os planos para o 1º disco pós-Cazuza.

Nesse mesmo número, de janeiro de 1986, a Roll fez a jogada de também publicar uma matéria com Cazuza sobre o disco 'Exagerado'. Prometo postá-la logo mais!

PS1: Curiosidade - não achei foto nenhuma do Barão Vermelho pós-Cazuza nos anos 80, nem nos 90. Procurei no Google e no Pingerest. Nada!
PS2:No final do texto há links para 4 publicações referente ao Barão e Cazuza.






E Agora Barão?
(Revista Roll, janeiro 1986)

O Barão Vermelho está firme e forte e preparando o primeiro LP depois da saída de Cazuza. Contrariando as expectativas pessimistas, Frejat, Maurício, Dé e Guto deram a volta por cima e revelam aqui os seus planos. Moa Peracini esteve com eles no estúdio e traz novidades.

ROLL – O novo LP do Barão Vermelho era, antes da saída do Cazuza, esperado com ansiedade. Agora, então, a expectativa aumentou em torno da nova situação. O que vocês tem pra adiantar sobre este quarto disco?
FREJAT – Estamos neste momento no ensaio, passando as músicas, pois tem muita coisa que decidimos no estúdio, quando começamos a tocar. Se acontece alguma coisa especial na hora em que estamos tocando, então gravamos. Nós estamos ensaiando mais músicas do que pretendemos colocar no disco, estamos ensaiando umas quinze músicas e estamos na dúvida se fazemos um disco com dez ou doze faixas. Inclusive o disco já tem título, chama-se “Declare Guerra”. Esse disco tem uma variedade de autores porque, com a saída do Cazuza, nós começamos a transar a responsabilidade de compor...
MAURÍCIO – Começamos a abrir espaço para letristas...
FREJAT – É, o Guto começou a escrever algumas coisas, outros amigos nossos começaram a escrever, além de pedirmos trabalhos pra algumas pessoas. Por exemplo, temos músicas do Maurício com Humberto Effe, do grupo Verso, e com o Pequinho (Nós na Garganta). Tem músicas minhas com o Guto, com o Orlando Antunes, com o Antônio Cícero. A única música que não tem nenhuma participação de nenhum de nós é um blues intitulado “Bumerangue Blues”, de autoria de Renato Russo...
GUTO – Todas as outras tem participação de um ou outro componente fazendo algo.

ROLL – Vocês acham que, com a saída de Cazuza e a inclusão de novos compositores, muda a linguagem musical do grupo?
FREJAT – A linguagem musical não, eu acho que o que mais muda é a parte das letras. Menos pela temática, mais pela forma de dizer; porque antes tínhamos um poeta dentro da banda com o qual nós fazíamos músicas em cima de poesias...

ROLL – Estruturados em cima do trabalho dele?
FREJAT – É, de repente agora nós fazemos uma coisa que é uma letra de música. Então nós nos questionamos: eu quero dizer isso, então como é que vou fazer? E não ir fazendo uma poesia que por acaso vai virar música. Realmente são estilos diferentes, tem até o trabalho do Cícero, que é um poeta, mas não chega a diferenciar a linguagem da coisa em relação ao trabalho do Cazuza, você entende?
MAURÍCIO – Mas a temática mesmo se mantém...
FREJAT – Se mantém, é lógico. Músicas românticas, de amor, do dia-a-dia, do cotidiano das grandes cidades; cosias que nós vivemos realmente, porque nós não podemos dizer coisas que realmente não pintam. Ainda agora eu estive lendo as letras todas e percebi que a coisa está um pouco reflexiva, tem muitas vezes que falamos sobre o fato de estar vivo, de observar o mundo e refletir mais do que falar ou descrever uma situação...

ROLL – Uma visão mais existencialista, então?
FREJAT – Exatamente. Mas sem entrar naquela coisa esotérica. Mantendo o pé no chão, aquela coisa urbana, terra-a-terra mesmo
.
ROLL – Eu notei que o som de vocês para este novo disco está tendendo para um rock bem básico. Faz parte da evolução do grupo ou é uma espécie de retomada em busca de uma nova linguagem musical?
FREJAT – Não é bem isso. Esse disco tem coisas funks, tem rock mesmo, até blues acústico. Porque nós sempre gostamos de fazer um rock que tenha bastante influência negra. Então quando nós fazemos rock, é uma coisa que vem do fundo do blues, que é a raiz da coisa, tem o rock e tem o lado funk que é o outro caminho que a música negra tomou. E que também agrada a gente, apesar de nós sermos funkeiros brabos, funciona como um bom tempero e tem o mesmo objetivo, pois tem que ter essa coisa do dancing, você tem que sentir a música...
GUTO – E nesse disco isso está mais nítido...
FREJAT – Por mais que você escute a letra, por mais genial que ela seja ou qualquer coisa nesse sentido, você sempre fica a fim de dançar...
MAURÍCIO – Nesse disco o material está bem variado, mesmo os dois funks que tem no disco estão bem diferentes, não é aquela coisa que você ouve e diz que um está parecido com o outro.
FREJAT – Também as músicas foram feitas em épocas diferentes; alguma há muito tempo, outras há pouco, umas agora mesmo. Então tem uma diferença nítida, pois quando se faz várias músicas de uma vez só, tem aquela coisa de fase, uma certa época dentro daquilo que se está fazendo.

ROLL – Isso proporciona uma diversificação muito grande, não?
FREJAT – É, dá uma diversificação muito boa. Estávamos pretendendo gravar o quarto disco do Barão há seis meses atrás. Então tem coisas que são daquela época, dde um mês atrás, da semana passada, de hoje, inclusive. Vamos entrar no estúdio daqui a uma semana e pegamos essa música hoje. Quer dizer, o trabalho está saindo bem solto, isso reflete também o disco; acho que ele está relax, não tem o compromisso de provar que é ótimo com o sem o Cazuza.
MAURÍCIO – Inclusive nós continuamos fazendo o trabalho sem as concessões que se faz, buscando compensações do tipo “Tudo bem, se ele saiu nós vamos fazer músicas que peguem o público, de forma que eles não vão sentir a sua saída”. Não é isso, nós queremos fazer o nosso trabalho. Se o público demorar a se acostumar com essa cara nova do Barão, nessa nova fase, tudo bem, estamos dispostos a recomeçar, apesar de o público ter correspondido em muito essa expectativa.

ROLL – De repente essa saída do Cazuza proporcionou a descoberta do potencial de todos, porque o grupo estava muito estruturado em cima do trabalho dele, não?
GUTO – É, tiramos outras do baralho, que é enorme.
MAURÍCIO – Abriu um espaço muito grande. Inclusive foi uma surpresa pra muita gente, que via o Barão de uma forma que não era bem aquilo. Eles cobravam: “Vocês não cantam, vocês não isso, vocês não aquilo”. Nós sempre fizemos backing nos shows. Agora eu também canto, o Guto escreve, etc... Agora eles expressam surpresa.
FREJAT – Houve cobrança não só do público como de nós mesmos...
MAURÍCIO – A posição do Barão sempre foi de fazer o som e o Cazuza cantar, tinha aquele lance dele ser o showman, e de certa forma ficamos acomodados em cima disso.

ROLL – Vocês foram de certa maneira um grupo pioneiro de sucesso neste ressurgimento do rock no Brasil, como uma linguagem própria, junto com o Kid Abelha, Os Paralamas do Sucesso...
FREJAT – Na verdade somos mais pioneiros, do que pioneiros do sucesso, porque o Barão realmente pintou assim na primeira leva. Quando ele começou a tocar, o Kid Abelha e Os Paralamas ainda não tinham assinado com gravadora. Havia a Blitz, o Barão, o Herva Doce e o Rádio Táxi. Eram os quatro grupos que ascendiam. Eles foram realmente os quatro primeiros. Mas a Blitz fez sucesso bem antes, dois anos antes dde nós. O Rádio Táxi e o Herva Doce também. Mas de repente, a partir do momento que estouramos, nós mantivemos uma continuidade, nós sempre tivemos bem. Nunca no auge, mas sempre com um sucesso no ar e uma constância de trabalho...

ROLL – Nesse processo todo, vocês nunca sofreram pressões da gravadora pra darem uma guinadinha pro lado comercial, pro pop?
GUTO – Todas as músicas que gravamos até hoje fomos nós quatro que arranjamos sem interferências.
FREJAT – Pressão de gravadora realmente existe, mas por acaso nós nunca a sofremos. De repente outras pessoas sofreram.

ROLL – Ultimamente o rock está, não voltando às origens, mas antes de tudo continuando uma linha evolutiva que foi abortada. Pelo menos aqui no Brasil ele passou por uma crise gravíssima, quase totalmente varrido do ar. A invasão-imposição de discotecas arrasou com qualquer expressão tupiniquim dentro do rock, mas ele ressurgiu bem e até mais forte. No entanto os puristas da MPB estão fazendo pressões no sentido de proteger o patrimônio musical do país contra a “invasão” do rock. Como funciona isso pra vocês?
MAURÍCIO – Pois é, até hoje nós ficamos discutindo com os caras dizendo: “Nós somos brasileiros, estamos cantando em português. O que está faltando?!
 O que está pegando, será que vamos ter que tocar cavaquinho?” O Dé até vai tocar nesse próximo disco (risos), vai ter bandolim, vai ter bumbo.
FREJAT – Na verdade foram as gravadoras que fizeram maior pressão contra o rock, elas só gravavam Música Popular Brasileira e quando ouviam rock diziam – “Mas isso é música americana”, quando não é verdade. Se você está cantando em português, está transmitindo tua mensagem na língua do país em que vive, falando sobre nossa realidade, porque não é música brasileira? Tem muita gente que considera música brasileira certos estilos, por exemplo, uma balada super country, onde o autor fala do matinho que ele nunca morou, já que ele mora numa grande cidade.





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