Foi no fim de julho de 1985 que Cazuza anunciou sua saída do Barão Vermelho. Foi um bafafá já que na época o Barão estava voando baixo, em plena ascensão, com belas apresentações no RiR, com diversos hits, agenda cheia e tals. De repente, não mais que de repente, Cazuza resolveu sair e com ele levou o repertório que o Barão iria gravar (e certamente faria mais sucesso ainda). Baque total pro grupo, pra mídia e pros fãs. (esse contexto me faz lembrar, de certa forma, a saída de Rodolfo do Raimundos).
Pra lembrar essa data, posto aqui a 1ª entrevista do Barão Vermelho pós-Cazuza, ao menos para uma revista especializada. Poucos meses depois surgiu a Bizz, mas até então a Roll era a principal revista brasileira de música do segmento rock/pop. Nessa entrevista o grupo fala sobre os planos para o 1º disco pós-Cazuza.
Nesse mesmo número, de janeiro de 1986, a Roll fez a jogada de também publicar uma matéria com Cazuza sobre o disco 'Exagerado'. Prometo postá-la logo mais!
PS1: Curiosidade - não achei foto nenhuma do Barão Vermelho pós-Cazuza nos anos 80, nem nos 90. Procurei no Google e no Pingerest. Nada!
PS2:No final do texto há links para 4 publicações referente ao Barão e Cazuza.
E Agora Barão?
(Revista Roll, janeiro 1986)
O Barão Vermelho está firme e forte e preparando o primeiro
LP depois da saída de Cazuza. Contrariando as expectativas pessimistas, Frejat,
Maurício, Dé e Guto deram a volta por cima e revelam aqui os seus planos. Moa Peracini
esteve com eles no estúdio e traz novidades.
ROLL – O novo LP do
Barão Vermelho era, antes da saída do Cazuza, esperado com ansiedade. Agora,
então, a expectativa aumentou em torno da nova situação. O que vocês tem pra
adiantar sobre este quarto disco?
FREJAT – Estamos
neste momento no ensaio, passando as músicas, pois tem muita coisa que
decidimos no estúdio, quando começamos a tocar. Se acontece alguma coisa
especial na hora em que estamos tocando, então gravamos. Nós estamos ensaiando
mais músicas do que pretendemos colocar no disco, estamos ensaiando umas quinze
músicas e estamos na dúvida se fazemos um disco com dez ou doze faixas.
Inclusive o disco já tem título, chama-se “Declare Guerra”. Esse disco tem uma
variedade de autores porque, com a saída do Cazuza, nós começamos a transar a
responsabilidade de compor...
MAURÍCIO –
Começamos a abrir espaço para letristas...
FREJAT – É, o
Guto começou a escrever algumas coisas, outros amigos nossos começaram a
escrever, além de pedirmos trabalhos pra algumas pessoas. Por exemplo, temos
músicas do Maurício com Humberto Effe, do grupo Verso, e com o Pequinho (Nós na
Garganta). Tem músicas minhas com o Guto, com o Orlando Antunes, com o Antônio
Cícero. A única música que não tem nenhuma participação de nenhum de nós é um
blues intitulado “Bumerangue Blues”, de autoria de Renato Russo...
GUTO – Todas as
outras tem participação de um ou outro componente fazendo algo.
ROLL – Vocês acham
que, com a saída de Cazuza e a inclusão de novos compositores, muda a linguagem
musical do grupo?
FREJAT – A
linguagem musical não, eu acho que o que mais muda é a parte das letras. Menos
pela temática, mais pela forma de dizer; porque antes tínhamos um poeta dentro
da banda com o qual nós fazíamos músicas em cima de poesias...
FREJAT – É, de
repente agora nós fazemos uma coisa que é uma letra de música. Então nós nos
questionamos: eu quero dizer isso, então como é que vou fazer? E não ir fazendo
uma poesia que por acaso vai virar música. Realmente são estilos diferentes,
tem até o trabalho do Cícero, que é um poeta, mas não chega a diferenciar a
linguagem da coisa em relação ao trabalho do Cazuza, você entende?
MAURÍCIO – Mas a
temática mesmo se mantém...
FREJAT – Se
mantém, é lógico. Músicas românticas, de amor, do dia-a-dia, do cotidiano das
grandes cidades; cosias que nós vivemos realmente, porque nós não podemos dizer
coisas que realmente não pintam. Ainda agora eu estive lendo as letras todas e
percebi que a coisa está um pouco reflexiva, tem muitas vezes que falamos sobre
o fato de estar vivo, de observar o mundo e refletir mais do que falar ou
descrever uma situação...
ROLL – Uma visão mais
existencialista, então?
FREJAT –
Exatamente. Mas sem entrar naquela coisa esotérica. Mantendo o pé no chão,
aquela coisa urbana, terra-a-terra mesmo
.
ROLL – Eu notei que o
som de vocês para este novo disco está tendendo para um rock bem básico. Faz
parte da evolução do grupo ou é uma espécie de retomada em busca de uma nova
linguagem musical?
FREJAT – Não é
bem isso. Esse disco tem coisas funks, tem rock mesmo, até blues acústico.
Porque nós sempre gostamos de fazer um rock que tenha bastante influência
negra. Então quando nós fazemos rock, é uma coisa que vem do fundo do blues,
que é a raiz da coisa, tem o rock e tem o lado funk que é o outro caminho que a
música negra tomou. E que também agrada a gente, apesar de nós sermos funkeiros
brabos, funciona como um bom tempero e tem o mesmo objetivo, pois tem que ter
essa coisa do dancing, você tem que sentir a música...
GUTO – E nesse
disco isso está mais nítido...
FREJAT – Por mais
que você escute a letra, por mais genial que ela seja ou qualquer coisa nesse
sentido, você sempre fica a fim de dançar...
MAURÍCIO – Nesse
disco o material está bem variado, mesmo os dois funks que tem no disco estão
bem diferentes, não é aquela coisa que você ouve e diz que um está parecido com
o outro.
FREJAT – Também
as músicas foram feitas em épocas diferentes; alguma há muito tempo, outras há
pouco, umas agora mesmo. Então tem uma diferença nítida, pois quando se faz
várias músicas de uma vez só, tem aquela coisa de fase, uma certa época dentro
daquilo que se está fazendo.
ROLL – Isso
proporciona uma diversificação muito grande, não?
FREJAT – É, dá
uma diversificação muito boa. Estávamos pretendendo gravar o quarto disco do
Barão há seis meses atrás. Então tem coisas que são daquela época, dde um mês
atrás, da semana passada, de hoje, inclusive. Vamos entrar no estúdio daqui a
uma semana e pegamos essa música hoje. Quer dizer, o trabalho está saindo bem
solto, isso reflete também o disco; acho que ele está relax, não tem o
compromisso de provar que é ótimo com o sem o Cazuza.
MAURÍCIO –
Inclusive nós continuamos fazendo o trabalho sem as concessões que se faz,
buscando compensações do tipo “Tudo bem, se ele saiu nós vamos fazer músicas
que peguem o público, de forma que eles não vão sentir a sua saída”. Não é
isso, nós queremos fazer o nosso trabalho. Se o público demorar a se acostumar
com essa cara nova do Barão, nessa nova fase, tudo bem, estamos dispostos a
recomeçar, apesar de o público ter correspondido em muito essa expectativa.
ROLL – De repente
essa saída do Cazuza proporcionou a descoberta do potencial de todos, porque o
grupo estava muito estruturado em cima do trabalho dele, não?
GUTO – É, tiramos
outras do baralho, que é enorme.
MAURÍCIO – Abriu
um espaço muito grande. Inclusive foi uma surpresa pra muita gente, que via o
Barão de uma forma que não era bem aquilo. Eles cobravam: “Vocês não cantam,
vocês não isso, vocês não aquilo”. Nós sempre fizemos backing nos shows. Agora
eu também canto, o Guto escreve, etc... Agora eles expressam surpresa.
FREJAT – Houve
cobrança não só do público como de nós mesmos...
MAURÍCIO – A
posição do Barão sempre foi de fazer o som e o Cazuza cantar, tinha aquele
lance dele ser o showman, e de certa forma ficamos acomodados em cima disso.
ROLL – Vocês foram de
certa maneira um grupo pioneiro de sucesso neste ressurgimento do rock no
Brasil, como uma linguagem própria, junto com o Kid Abelha, Os Paralamas do
Sucesso...
FREJAT – Na
verdade somos mais pioneiros, do que pioneiros do sucesso, porque o Barão
realmente pintou assim na primeira leva. Quando ele começou a tocar, o Kid
Abelha e Os Paralamas ainda não tinham assinado com gravadora. Havia a Blitz, o
Barão, o Herva Doce e o Rádio Táxi. Eram os quatro grupos que ascendiam. Eles
foram realmente os quatro primeiros. Mas a Blitz fez sucesso bem antes, dois
anos antes dde nós. O Rádio Táxi e o Herva Doce também. Mas de repente, a
partir do momento que estouramos, nós mantivemos uma continuidade, nós sempre
tivemos bem. Nunca no auge, mas sempre com um sucesso no ar e uma constância de
trabalho...
ROLL – Nesse processo
todo, vocês nunca sofreram pressões da gravadora pra darem uma guinadinha pro
lado comercial, pro pop?
GUTO – Todas as
músicas que gravamos até hoje fomos nós quatro que arranjamos sem
interferências.
FREJAT – Pressão
de gravadora realmente existe, mas por acaso nós nunca a sofremos. De repente
outras pessoas sofreram.
ROLL – Ultimamente o
rock está, não voltando às origens, mas antes de tudo continuando uma linha
evolutiva que foi abortada. Pelo menos aqui no Brasil ele passou por uma crise
gravíssima, quase totalmente varrido do ar. A invasão-imposição de discotecas
arrasou com qualquer expressão tupiniquim dentro do rock, mas ele ressurgiu bem
e até mais forte. No entanto os puristas da MPB estão fazendo pressões no
sentido de proteger o patrimônio musical do país contra a “invasão” do rock.
Como funciona isso pra vocês?
MAURÍCIO – Pois
é, até hoje nós ficamos discutindo com os caras dizendo: “Nós somos
brasileiros, estamos cantando em português. O que está faltando?!
O que está pegando,
será que vamos ter que tocar cavaquinho?” O Dé até vai tocar nesse próximo
disco (risos), vai ter bandolim, vai ter bumbo.
FREJAT – Na
verdade foram as gravadoras que fizeram maior pressão contra o rock, elas só
gravavam Música Popular Brasileira e quando ouviam rock diziam – “Mas isso é
música americana”, quando não é verdade. Se você está cantando em português,
está transmitindo tua mensagem na língua do país em que vive, falando sobre
nossa realidade, porque não é música brasileira? Tem muita gente que considera
música brasileira certos estilos, por exemplo, uma balada super country, onde o
autor fala do matinho que ele nunca morou, já que ele mora numa grande cidade.
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