29 de agosto de 2009

Série O Resgate da Memória: 11 - Ira! (Vivendo e Não Aprendendo - Bizz set/1986)


"Os homens e as mulheres ou se devoram rapidamente, no que se convencionou chamar ato de amor, ou se entregam a um longo hábito a dois", diz Albert Camus em seu romance A Peste.
Expressar os entraves do coração e das relações entre os indivíduos um dos grandes mistérios para a juventude dos anos 80 é uma das mais claras bandeiras do Ira!. Eles fazem rock com uma rebeldia implosiva, movidos por um coração vitalizado e esperto. E foram à luta, como traçava a letra de "Gritos na Multidão", que consta do primeiro compacto que foi gravado pelo grupo, em 83, e que retrata sua fase mais radical.
Neste compacto começa, também, uma trilha bem peculiar para uma banda de rock brasileirà. Interessada em abarcar mais um grupo para seu filão roqueiro, a WEA contratou o Ira!, em 83, justamente pela sua fama de "grande banda do underground paulista". Concederam-lhe um compacto simples e nada mais. Com um disquinho mal gravado e mal divulgado, o grupo manteve suas apresentações ao vivo e firmou o terreno em melodias pop, carregadas de um estilo personalizado. Foi nesta estrada que o ex-Ira ganhou uma exclamação: Ira!
Desta certeza criaram o LP Mudança de Comportamento, gravado em 85, em apenas nove dias, e que não mereceu maiores atenções por parte da gravadora. "Mas o Ira! já nasceu grande", como afirma Edgard, sem modéstias. Foram conquistando um público fiel e créditos da crítica, chegando, assim, à marca de 20 mil cópias vendidas desse LP.

Hoje parece que as coisas melhoraram tiveram um tempo razoável de estúdio e esperam um apoio maior em termos de divulgação do trabalho. Eles entram no final de 86 com o LP Vivendo e Não Aprendendo, que, além da força natural, traz as músicas do primeiro compacto "Pobre Paulista" e "Gritos na Multidão", gravadas ao vivo. O som você ouve no disco. O que eles têm a acrescentar como mensagem você lê aqui.



BIZZ - Falem um pouco do novo LP.
Nasi - Este disco é uma continuidade do primeiro. Mesmo no lance de como surgiu o repertório. Tem músicas que já vínhamos tocando há quase um ano ao vivo, outras que já fazem parte de uma fase mais antiga do grupo e coisas novíssimas, inéditas. Tudo isso formou um painel muito claro do nosso trabalho.
Edgard - A gente queria fazer um compacto à parte de "Pobres Paulistas" e "Gritos na Multidão" que acompanharia o LP.

BIZZ - E por que não deu certo?
Edgard
- Sempre há choques em relação a idéias novas. Esse é um grande problema com as gravadoras. Elas sempre dão um tempo, até a idéia perder um pouco a graça...
Gaspa - Quando todo mundo fizer, aí é viável.




BIZZ - Mod... Vocês querem falar sobre mod?
Edgard
- Não sei. Não, não...
Gaspa - Ninguém segura um mod!
André - Uma coisa curiosa. Uma vez vieram aqui uns rapazes de Osasco e contaram que tinha uma banda lá que se chama Mod, que toca todas as músicas do Ira!. Uma banda toda! Achei mau...
Edgard - Outro dia um cara me falou que tinha uma banda (outra) que tocava todas as músicas do disco anterior, menos "Ninguém Entende um Mod" e outra que não me lembro...

BIZZ - E o que vocês acham dessas bandas?
Edgard - Acho legal. Fazemos músicas não só para mostrarmos. Elas são feitas para serem tocadas. Eu não me envergonho de falar que sei tocar um disco inteiro dos Beatles, Clash ou Jam. Nós nos colocamos como uma banda a nível internacional.
Nasi - Pelo menos para mim é uma forma de realização.

BIZZ - Será que está realmente surgindo espaço para a cultura jovem no Brasil?
André - Agora chegou numa hora em que tudo está na mídia. A Rádio Cidade é dona da 89, que é rádio alternativa! Tem hora que dá uma sensação de que está faltando um certo terrorismo cultural.
Edgard - Essa preocupação de difundir muito o rock acaba diluindo um pouco o rock entra na esfera do consumismo. E o rock precisa mais de roqueiros do que de consumidores. Música é uma coisa tão particular, de uma banda! Não é uma coisa para abraçar 8 mil km2.
Nasi - E as pessoas chegam e perguntam: "E vocês, esses grupos novos, que surgiram com o RPM?". Quer dizer: somos mais antigos que o RPM. Essa confusão que a massificação e desinformação cria faz com que achem que somos um grupo novo, porque nossa música fez sucesso o ano passado. A história da banda é a história do sucesso de uma música!
Edgard - Ainda bem que não votaram na gente como revelação na BIZZ o ano passado.
Nasi - Não é só no BrasiL... O número de grupos lá fora que estouram só com o lance da publicidade... Mas hoje isso já é um estilo de rock. O que aconteceu com Frankie Goes to Hollywood, Sigue Sigue Sputnik? São bandas armadas em cima de um projeto de imagem, divulgação...
Edgard - Essas bandas são feitas como armação e conhecidas mundialmente como tal. Aqui no Brasil essas coisas são enrustidas. Parece que é sério!

BIZZ - E como vocês se sentem no meio dessa diluição? Vocês sentiram esses reflexos de sonoridade americana neste LP?
André
- No nosso caso, tentamos quebrar totalmente esse padrão americano de gravação. Nossa influência no disco foi no sentido de tirá-Io dessas viagens.
Edgard - O anti-padrão puta som (risos).





BIZZ - Voltando ao trabalho de vocês. Não tinha uma história de lançar o disco ao ar livre aqui em São Paulo?
André - Queremos fazer o show ao ar livre de qualquer forma. A única coisa é se vai ser o primeiro ou não. Mas que vai ter, vai.

BIZZ - E o resto do Brasil?
Nasi - A novidade é irmos para Norte e Nordeste, também. Vai ser uma excursão pelo Brasil mesmo.

BIZZ - Como pintou a idéia do quarteto de cordas em "Flores em Você" ?
Edgard
- Tem uma música do Jam que foi passada para cordas. Eu ouvi e depois ouvi também uma versão deles tocando ao vivo - guitarra-baixo-bateria. E é um lance superlegal, porque você transforma as cordas num instrumento de rock também.

BIZZ - E o nome do disco: Vivendo e Não Aprendendo?
Edgard
- Esta frase é mais para cada um pensar sobre ela. O que ela quer dizer é o que está escrito.
Nasi - A intenção é parecida com Mudança de Comportamento para deixar as pessoas com a pulga atrás da orelha. Para dar margens: tipo," as pessoas estão cometendo os mesmos erros " .

BIZZ - Vamos falar um pouco de política. São Paulo tem Jânio Quadros na prefeitura e a possibilidade de Maluf no governo. Teoricamente esta é a cidade do Brasil onde mais fervem as coisas, culturalmente falando. Como vocês vêem essa dis-crepância?
Nasi - Esse lado de vanguarda em São Paulo é o reflexo desse lado superconservador. É uma cidade muito louca, tem todo tipo de gente, de todas as idades, muitos problemas. Como combater isso?!?!... Pobre paulista!
Edgard - Eleja Marcos Valadão (o Nasi) para governador! (irônico) Mas eu acho que o Brasil ainda vai ser um exemplo para o mundo inteiro, pegando pelo lado positivo.

BIZZ - Por quê?
Edgard - Porque é um país novo, que sempre quebra a cara com as coisas. Desde o esporte até a política. E esse desencontro todo é por pura ingenuidade das pessoas. Elas vão tentando uma coisa e não têm uma raiz profunda em tudo o que tentam. É: ou vai ou racha! Sempre uma esperança nova que pinta e todo mundo vai atrás com tudo!






BIZZ - Mas onde estaria o potencial brasileiro para influenciar as coisas lá de fora?
Edgard - Está na novidade. O que sair do Brasil e não for totalmente brasileiro que seja uma coisa internacional. Quando as pessoas se tocarem de que estão num planeta e não em Minas, São Paulo... aí vai estar a mensagem. E também, quando pensarem no lance individual as pessoas têm de se preocupar mais com seus próprios problemas. Eu, particularmente, estou mais preocupado com minha calvície do que com o próximo governador.
André - A criatividade aqui é o grande lance. É muito forte. Você vê: mesmo quando o futebol no Brasil está mal, ele está lá como um dos melhores da Copa.
Nasi - O futebol é um quadro bem característico para mostrar o Brasil um país que tem um planteI infinito de jogadores bons, mas, quando chega na hora da organização, entra a política, interesses e f... tudo! Um potencial totalmente mal usado.
André - Se a gente quer fazer uma coisa que vai falar com o mundo, tem de levar em consideração outras culturas. Não fazer folclore.
Edgard - O brasileiro gosta muito de ter aquele grande líder. O que estraga muito a política daqui é que todo político que quer ser um cara popular se esconde muito atrás do nacionalismo e fica naqueles chavões: "Vamos ter o que é nosso". E isso é uma coisa que gera um atraso cultural! Porque para uma pessoa tomar sua arte internacional, vai encontrar essas barreiras pela frente. É bem típico da América Latina, que se esconde atrás do nacionalismo mas que, no primeiro problema, já fica devendo milhões de dólares para um país desenvolvido.
Edgard (levanta. com a discussão ainda fervendo, e brinca) - Mas Argentina tem o Maradona, que é um puta cara. Podia ter jogado sozinho.
Nasi - É! A criatividade do sulamericano é isso - ele vai ganhar sozinho!

Nenhum comentário: