Fevereiro é um mês estranho para o mercado de rock e pop. Bom para o samba e axé por causa da porcaria do Carnaval. Nos velhos tempos das décadas de 1970 e 1980 esse era um mês estranho também pra quem morava em Brasília. Nós adolescentes e jovens costumávamos viajar para nossos Estados de origem em dezembro com o fim das aulas e só retornávamos para a capital perto do início das aulas do ano seguinte. Como o calendário era outro, tinha vez que as aulas só voltavam em março. Janeiro era deserto e fevereiro semideserto!
Há 4 fatos
ocorridos em fevereiro que dizem respeito ao rock de Brasília.
Vou logo
começar com o fato triste que foi a morte do Negrete. Ele era gente boa, tinha
lá seus defeitos, mas no fundo era um cara bom. Lembro de um show da Legião,
logo no começo da carreira profissional, que aconteceu no Guarujá, era o
Hollywood Rock, mas na 1ª versão que era gratuita na praia com artistas
brasileiros. Fui atrás do palco ver os amigos, tinha parte da equipe que era de
Brasília, e o Negrete me colocou pra dentro. Era janeiro de 1986. Pena essa
perda prematura. Muita gente procurou culpados na época sendo que o único
culpado era o próprio Negrete. Tinha bom gosto e tocava muito!
Tem o
nascimento de Ronaldo Pereira, ex-baterista do Finis Africae, que nos anos 90
montou o estúdio Groove, foi empresário do Planet Hemp, produtor musical e
cultural. Foi de suma importância para a cena alternativa carioca dos 90. Hoje
organiza a festa Soul Brasileiro entre outros eventos. Ronaldo é chapa. Não
lembro a quantos shows do Finis eu fui, mas vejo o grupo ao vivo desde os tempos de
Rodrigo no vocal. O último que vi foi em 1998, em Brasília, e tenho fotos inéditas.
Festas da UNB, Radicaos, Rolla Pedra, Adega, Gilbertinho, shows, festas...
Brasília não tinha nada pra fazer, mas a gente fazia muita coisa!
E por falar nisso tudo, foi em fevereiro que Plebe Rude lançou o 1º disco ‘O Concreto Já Rachou’. Não sei onde assisti ao show de lançamento, mas os dois primeiros aconteceram no Rio (Circo Voador) e São Paulo (SESC Pompeia). Mas lembro de uma festa que rolou em julho de 85 em Brasília no dia em que a Plebe havia retornado do Rio. Seabra chegou na festa com sorrisão no rosto e me contou que Plebe havia assinado com a EMI. Sei que foi em julho porque eu estava de férias.
Foi no início
de fevereiro que Herbert Vianna sofreu o acidente que foi fatal para sua esposa
e que o deixou na condição de cadeirante. Isso foi um soco na boca do estômago
de todo mundo! Foi apreensão geral. Uns
dois dias depois do ocorrido um amigo que estava lá e viu tudo me contou o que
aconteceu. A recuperação de Herbert é algo incrível e, como já escrevi em texto
de janeiro, tem uma força de amor entre familiares e amigos que foi importante
em sua recuperação. Não me lembro onde eu estava, mas foi desses fatos que te
tiram a energia e a concentração.
Quatro anos
antes a mesma coisa aconteceu quando recebi a notícia da morte de Chico Science.
Não o conhecia, conversei com ele durante trabalhos na MTV e alguns eventos,
mas não éramos amigos. Essa morte sim foi um choque geral, bem próximo do que
foi com Mamonas um ano antes, em 1996. Um cara cheio de planos, reconhecido por
artistas de todos os gêneros, gente boa, transitava em qualquer ambiente numa tranquila. Disco recém lançado, agenda
internacional, mil planos na carreira (inclusive uma novela para internet). Ele
estava em casa, de férias, e pumba! Era iluminado e ainda bem que assisti a
bons shows do CSNZ.
1983 foi um ano de muitos lançamentos pioneiros do rock brasileiro da geração 80 e a mídia logo sacou que essa seria a nova onda. A Globo aproveitou bem e recheou as trilhas sonoras de suas novelas com artistas do segmento rock e pop. Um dos primeiros nomes foram Gang 90 & Absurdettes e Ritchie. As novelas tinham uma força descomunal sobre os brasileiros e nesse ano teve uma que fez um enorme sucesso: Pão Pão Beijo Beijo. Na abertura tinha Rádio Táxi, mas quem arrebentou mesmo foi Ritchie com “Menina Veneno”. O compacto é de fevereiro e a novela de março. Ele vendeu 500 mil cópias em poucos meses e mais pro meio do ano, lançou o disco Voo de Coração (a novela foi até outubro). Em 1983 Ritchie vendeu mais que Roberto Carlos. Era “Menina Veneno” em todos os lugares, foi uma overdose... e logo depois de ter rolado uma dose forte de “Você Não Soube Me Amar”. Anos intensos!
Falei de SESC Pompeia – que tanto frequento desde que me mudei para SP em 1987 – e quando falam dele até hoje me vem à cabeça o programa Fábrica do Som, da TV Cultura. Praticamente toda geração daquela época tocou neo programa. Ao mesmo tempo em que eu assistia ao Fábrica eu lia as publicações da época como Som Três, Pipoca Moderna e Roll. Foi nele que conheci Itamar Assumpção e toda vanguarda paulista. Lembro que eu ficava parado nas apresentações dele. Isso acontecia com Arrigo Barnabé também.
Décadas depois, pesquisando nos arquivos da TV Cultura para o
documentário que eu fiz sobre os 50 anos da emissora, pude rever um monte de apresentações do
Fábrica do Som. Bom demais! Falo de Itamar porque foi em fevereiro que ele
lançou a obra prima Beleléu Leléu Eu. “Luzia”, “Fico Louco”, “Nego Dito”, “Beijo na Boca”... só clássicos! Nos
tempos de MTV tive a sorte de conhecê-lo e de ter a oportunidade de conversar
em uma ocasião. Vi incontáveis shows, inclusive o histórico duo ‘Itamar e
Arrigo’ que fez uma série de apresentações, acho que em 1990, e eu vi duas
delas. Viva Itamar!
Não São Paulo é
histórica e Calanca me contou um pouco sobre os bastidores para uma matéria que
escrevi sobre os clássicos de 1986. Você pode ler o depoimento dele aqui. Fazem
parte Akira S & As Garotas
Que Erraram, Musak, Chance e Ness, mas apenas Musak gravou disco por uma
multinacional (EMI) e fez um pequeno sucesso com “Onde Estou?”, que era a
música de trabalho do disco. A escuto até hoje. Tem um grupo recente, dos anos
2000, chamado Terno Rei que sua sonoridade, às vezes, me lembra esses grupos
alternativos de SP.
1986 foi um ano
importantíssimo para o rock brasileiro, tanto quanto 1982. Muitos clássicos,
muitos lançamentos, muitos acontecimentos e muitas histórias. Já falei do
Concreto Já Rachou, Não São Paulo (os dois lançados no SESC Pompeia) e também
tem O Futuro é Vortex, 1º disco do grupo gaúcho Os Replicantes. Quando saiu o
disco eu comprei. Daí em uma sessão de gravação na casa de um amigo, o disco
sumiu e só fiquei com a capa. Só foi agora em 2021 que me contaram quem o roubou de mim, pior que era tudo amigo! Hahaha
Esse foi um ano não só de grandes clássicos, era o auge comercial do rock brasileiro e com todos os artistas de agenda cheia, voando por todo país e o que não faltam são histórias de bastidores, de gravadoras e gravações, rádios e TV, viagens, shows. Também surgiram diversos festivais bancados por rádios e marcas de cigarro, cervejas e refrigerantes. E foi em um desses festivais que aconteceu um dos grandes babados da geração 80: foi quando Paula Toller e Leoni brigaram e, como consequência, o casal se desfez e ele saiu do Kid Abelha. Gerou meses de manchetes para as revistas e jornais.
Tudo começou com a canja que rolou no show do Léo Jaime que tocou no mesmo festival. Os dois gravaram “Fórmula do Amor” e, quando Léo foi tocar a música chamou Paula e George Israel, que estavam na lateral do palco. Leoni, que é parceiro de Léo na composição, não foi porque não estava no palco... devia estar fazendo xixi ou fumando um baseado, sei lá. Esse fato deixou Leoni chateado, apesar de ninguém ser culpado.
Daí, no
camarim, Paula e Leoni que já estavam de saco cheio um do outro brigaram e a
Paula jogou um pandeiro na cara do Leoni. Como o camarim estava cheio, festivo, com
artistas, produtores, jornalistas, etc. então todo mundo viu. Certa vez tive a
oportunidade de conversar com Léo Jaime sobre esse fato e ele me contou essa
história.
Pra fechar o
texto e a década de 80 um fato histórico: Desde 1986-87 a mídia especulava que
Cazuza tivesse contraído o vírus HIV, muito por causa de suas viagens para os
Estados Unidos e a mudança visual que condizia com os efeitos colaterais do
AZT.
Vou dizer uma
coisa pra você que não lembra ou não viveu essa época: Cazuza apanhou demais da
imprensa. Por outro lado, a Globo usou e abusou da imagem de Cazuza, por ele
ser artista Som Livre, e pela condição dele que dava muito ibope. Cazuza tomou
muita porrada. Foi em fevereiro de 1989 que ele finalmente assumiu estar com
HIV e aids. Foi libertador, e um tapa na cara da imprensa maldosa. A famosa e cruel
capa da Veja com Cazuza aconteceu dois meses após esse anúncio.
Verdade seja
dita: Cazuza não tinha a mesma relevância que outros nomes do rock brasileiro.
Ao sair do Barão ele e o grupo, praticamente voltaram a estaca zero. Barão Vermelho era um dos grandes e despencou em um momento importante dentro desse
contexto dos anos 80. Foi como estar a 50 centímetros do topo da montanha e
despencar 200 metros. O resultado foi que no auge do rock brasileiro daquela
década, que aconteceu no biênio 1985-86, Barão e Cazuza estavam ainda se
acertando, achando um novo caminho; e isso só foi acontecer, por coincidência,
em 1988 com Ideologia e Carnaval.
Não gosto muito
do Burguesia, mas quando ouço Exagerado, Só Se For a Dois, Ideologia e O Tempo
Não Para sempre me pergunto se mais alguém escuta esses discos?
Mesmo mimado
como era, Cazuza teve que aguentar muita maldade e preconceito de 1987 até sua
morte. Foi um cara forte e corajoso! Fico imaginando o céu com Cazuza, Júlio Barroso, Renato Russo... Vishi!
Fevereiro
curto, mas intenso!
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