7 de janeiro de 2020

Em janeiro...

O mês de janeiro costumava ser um mês legal e cheio de novidades. O verão trazia vários eventos especiais pelas praias do litoral brasileiro Produtos exclusivos de verão eram lançados; muitos filmes; as músicas dos discos lançados entre novembro e dezembro bombavam nas rádios; roupas e acessórios. Enfim, era algo bastante aguardado pelos jovens, principalmente na década de 80, quando houve a abertura política, inúmeras mudanças de comportamento, e o jovem era a bola da vez no mundo, não só no Brasil.

Hoje infelizmente por conta dessa revolução tecnológica que vivemos atualmente até mesmo o verão perdeu seu brilho.

Lembro de assistir a Butch Cassidy and Sundance Kid  e a filmes do 007. Surf, tatuagem, a onda dos patins, gírias, máquinas de fliperama e até lançamento de cigarro faziam parte desse universo que parecia infinito. Os filmes lançados perto do final do ano também influenciavam no comportamento não só pelas roupas e gírias, mas as músicas e os acessórios. Por exemplo, no final dos 70 as discotecas bombavam; nos 80 eram as danceterias que bombavam; e ambas faziam suas versões para o litoral.

No início dos 80 houve a febre dos patins, muito por causa do filme Xanadu. Surgiram diversas pistas de patins e um dos hits do verão foi “De Do Do Do De Da Da Da”, do Police.

Muita data legal pra registrar aqui, e muitas evidentemente diretamente ligadas ao verão, mas vou por ordem cronológica, e já no final dos anos 50, mais precisamente em 1957, quando o rock brasileiro tinha apenas 1 ano e 3 meses, já teve lançamento de Agostinho dos Santos (“Até Logo, Jacaré” – versão de “See You Later Alligator”), Betinho e Seu Conjunto lançou regravação rock (já visando o público jovem) de “Neurastênico”, música de sua autoria bastante regravada entes dele mesmo, mas em versões fox, orquestradas como com Raul de Barros e com Os Cariocas. Essa música foi resgatada na trilha da novela ‘Estúpido Cupido’, junto com outras da 1ª geração rock.

Ainda em 1957 há um fato absolutamente importante para a história do rock brasileiro: Caubi Peixoto gravou “Rock’n’Roll em Copacabana”, primeiro rock brasileiro cantado em português, e bem ousado e pesado pra época. Caubi o gravou porque ainda não havia cantores de rock e como as gravadoras queriam apostar nesse novo gênero, então escalaram o grande galã da época.

Pra fechar os anos 50 – se vê como o rock brasileiro há história “a dar com pau” – também em janeiro, só que de 58) que o filme ‘Minha Sogra é da Polícia’ foi lançado. Nele tem o próprio Caubi Peixoto cantando “Let’s Rock” acompanhado com The Snakes, banda de Tim Maia, Roberto e Erasmo Carlos. Uma pérola que se encontra no YouTube.

Em 1961 teve lançamento de Tony Campelo e Sônia Delfino, e também o primeiro disco lançado por Roberto Carlos chamado ‘Louco Por Você’, mas 100% bossa nova.

Pouco depois surgiu a Jovem Guarda e diversos lançamentos dessa cena. The Clevers, Rento e Seus Blue Caps e The Jet Blacks tem lançamentos de verão, mas há três que merecem destaques por terem se tornado clássicos eternos: Em 1966 a dupla Leno & Lilian lançou compacto com “Pobre Menina” (daqueles hits que você lê o título cantando); em 1967 Eduardo resgatou a carreira com o clássico disco ‘O Bom’ (com “Vem Quente...”, “Goiabão” e outros hits); e também em 1967 Sérgio Reis lançoucompacto com “Coração de Papel”, um hit que se tornou tão grande que ultrapassou a classificação de qualquer gênero pra se tornar uma canção da música brasileira.

Como se vê, para o nosso rock os verões brasileiros eram plataforma de lançamento já nos anos 1950!

Dos lançamentos dos anos 70 destaco dois: Em 1970 o Módulo 1000 lançou o mega clássico ‘Não Fale com Paredes’, disco cheio de histórias e hoje super cultuado sendo procurado por colecionadores do mundo todo; o outro é o ótimo ‘Vamos Pro Mundo’ do Novos Baianos, lançado em 1975, sendo o primeiro sem Moraes Moreira, apesar dele assinar algumas composições.

Mesmo em uma década em que o rock ficou fora da grande mídia, muita coisa aconteceu. De forma independente ou não, muitos discos foram lançados, muitos shows foram realizados – tanto em teatros, quanto em ginásios – e mesmo estando fora da mídia eletrônica como televisão e rádios, havia certo espaço na mídia impressa.

Inclusive festivais foram realizados, e outros tantos cancelados pelo Regime Militar. Mas tiveram alguns que entraram pra história. Em 1975 aconteceram, por coincidência, dois grandes festivais: Hollywood Rock e Águas Claras, em Iacanga.

O Hollywood Rock aconteceu no Rio, no estádio do Botafogo, e foi organizado por Nelson Motta. Esse chegou a ir para as telas de cinema em 1976 com o super título de ‘Ritmo Alucinante’. Era só artista de ponta como Mutantes, Raul Seixas, Rita Lee, Celly Campelo, Erasmo Carlos, O Terço, O Peso, Vímana e Veludo. Mesmo que em pedaços, as apresentações estão disponíveis no YouTube. Registro maravilhoso e importantíssimo, único para grupos como Veludo, Vímana e O Peso.

O Festival de Águas Claras realizado em Iacanga, interior de São Paulo fez história e teve força pra 4 edições. Ano passado foi lançado o excelente documentário ‘O Barato de Iacanga’, agora disponível na Netflix, e vale muito a pena assistir. O que seria algo local entre amigos acabou se tornando palco para shows de Mutantes, O Terço, Moto Perpétuo, Som Nosso de Cada Dia, Walter Franco e tantos outros nomes.

Foram 4 edições: 1975, 1981, 1983 e 1984. Porém só a 1ª edição aconteceu em janeiro. Sem dúvida foi o nosso Woodstock, mesmo sem ter essa intenção. A história de ambos é até parecida, pois os dois aconteceram por acaso, sem intenção de ser o que foi, aconteceram no interior e em fazendas, movimentou multidões e mexeu com a economia da região. Além do ‘O Barato de Iacanga’ vale assistir também o filme ‘Aconteceu em Woodstock’, os dois imperdíveis.

Já que estou aqui falando de festivais de verão, vou pular um pouco a cronologia pra abrir a década de 1980 com o Rock in Rio de 1985. Inclusive ele aconteceu no dia 11 de janeiro, mesma data do Hollywood Rock 75. Aliás, no dia 11/01 há vários acontecimentos.

O Rock in Rio foi o primeiro festival internacional que aconteceu no Brasil. Abriu o ano que foi o 1º após o fim do Regime Militar, momento em que o país via novos horizontes cheios de esperança. Era o fim de uma repressão que nos colocava medo. Um amigo que foi em todos os dias do RiR, disse que no primeiro dia chegou embrulhado na bandeira do Brasil e o funcionário da catraca falou: “Me dá essa bandeira porque tu extá dexrexpeitando a pátria”. E tomou a bandeira do Rodrigo, e ele não pôde falar nada.

Mas nesse novo horizonte também estava incluída uma gigante mudança de comportamento.

Havia muito ceticismo no ar, por parte de todo mundo, mesmo pra quem havia comprado ingresso. Eram nomes importantes da música internacional que viriam pra cá e mesmo vendo todos eles chegando no aeroporto do Rio, e caminhando pelo calçadão de Copacabana, havia muita gente – inclusive eu – que só acreditaria em tudo na hora em que todos eles subissem no palco.

Pra piorar todo o ceticismo em volta desse 1º RiR, também havia a história da previsão de Nostradamus que falava, grosso modo, de muitas mortes em um grande evento. Muitas reportagens foram feitas, e muitos pais e avós pediram aos seus filhos e netos que não fossem para a cidade do rock.

É difícil dizer um momento alto do festival porque todos os shows foram históricos e todos eles tiveram momentos eternizados, como BarãoVermelho cantando “Pro Dia Nascer Feliz”, música que caiu como uma luva para o momento do país. O show do Yes, que foi o último; Iron Maiden, AC/DC, e até James Taylor fez história ali.

Abrir o festival com show do Ney Matogrosso já foi começar com o pé direito, mas o melhor show do RiR 85 foi do Os Paralamas do Sucesso, que era só o trio e seus instrumentos tocando de dia. Não havia cenário ou qualquer produção, era apenas o tesão e a vontade de botar pra fuder. Com sugestão de Caetano Veloso o trio pegou alguns coqueiros que estavam no corredor dos camarins e os colocaram no palco. Essa foi a produção, esse foi o cenário. Puta show!

Ainda no dia 11 de janeiro, além de dois grandes festivais, há a estreia de dois grandes grupos: Aborto Elétrico e Engenheiros do Hawaii. O show do Aborto aconteceu em 1980, o do Engenheiros em 1985 (rivalizaram com o RiR!).

Esse 1º show do Engenheiros existe em áudio, e no repertório tem até “Lady Laura”, de Roberto Carlos. A formação era a mesma que gravou o 1º disco, lançado em 1986.

Mas antes de lançar o ‘Longe Demais das Capitais’, o EdH participou da histórica coletânea ‘Rock Grande do Sul’, lançada janeiro junto com os grupos Replicantes, De Falla, Garotos da Rua e TNT. Engenheiros entrou com “Sopa de Letrinhas” e “Segurança”.

Quem gosta do Rock de Brasília sabe que o Aborto Elétrico foi o 1º grupo punk de Brasília e que tinha em sua formação Renato Russo e os irmãos Fê e Flávio Lemos. Fim do grupo em 1982 surgiram Legião Urbana e Capital Inicial, e cada um desses grupos aproveitou músicas do Aborto em seu repertório. O resto é história. Esse 1º show não assisti, mas vi a muitos outros que aconteciam perto de onde eu morava em BsB.

Coincidências da vida, janeiro foi o mês em que Renato Russo fez o 1º show de sua vida, mas também foi o mês que fez o último show de sua vida. Também foi o mês em que foi lançado seu primeiro disco. O último show aconteceu em Santos, no Reggae Night, e foi o encerramento da desgastante turnê do disco ‘O Descobrimento do Brasil’.


Já que falei de coincidências e curiosidades, vale então registrar que o grupo Tokyo, de Supla, começou e encerrou a carreira profissional em janeiro! O primeiro disco foi lançado em 1986 e o último show - assim como Cazuza - aconteceu em 1989. Apesar de ter algumas músicas legais, Tokyo foi nada relevante. Apesar disso o ex-tecladista Marcelo Zarvos se tornou um compositor de trilhas de filmes para Hollywood e chegou a ser até indicado ao Oscar pela trilha do filme 'Fences' (Um Limite Entre Nós), e o guitarrista BiD virou produtor e foi responsãvel pelo excelente 'Afrociberdelia' do CSNZ, entre outros trabalhos.

escrevi aqui um texto em que comparo a carreira de Renato Russo e Cazuza – alias um dos mais lidos do  blog – e aqui vai outra curiosidade  na carreira dos dois: foi em janeiro que Cazuza fez seu primeiro show solo e também foi quando ele fez seu último show da carreira.

E veja só, o mês abre com o lançamento do 1º disco daLegião Urbana. Por falar em lançamento histórico, há alguns outros tão importantes quanto. Vou aos lançamentos: o 1º compacto do RPM com “Louras Geladas” (foi quando também o saudoso amigo PA entrou para o RPM); Rádio Taxi com o compacto que tem “Garota Dourada”; Cazuza com o ao vivo ‘O Tempo Não Para’; Sepultura com ‘Arise’; Herva Doce com 'Amante Profissional'; Eduardo Dusek & João Penca com ‘Cantando no Banheiro’ (o show rolou no Circo Voador). No contexto das efemérides, a curiosidade desse trabalho conjunto é que Dusek assistiu a um show do João Penca em janeiro de 82 e convidou o grupo pra trabalhar junto, e que culminou no ‘Cantando...’.

Falar em verão é também falar em Circo Voador, principalmente se tratando de anos 80! Durante os verões muitas coisas aconteciam na lona do Circo, inclusive seu próprio surgimento que aconteceu em 15 de janeiro de 1982, ainda na Praia do Arpoador. E pouco tempo depois, já nos Arcos da Lapa, teve início o evento chamado ‘Rock Voador’, idealizado por Maria Juça e que durou até 1986. Por ele passaram todos os nomes do rock brasileiro dos 80 e de registro deixou a coletânea ‘Rock Voador’ lançada também em janeiro e que tem Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens, Sangue da Cidade, Celso Blues Boy, Papel de Mil, Malu Vianna e Maurício Mello & Companhia Mágica.

Dá pra notar que os acontecimentos dos 80 são infinitos!

Nos anos 90 o festival Hollywood Rock reinou nos verões dessa década até 1996, quando aconteceu a última edição com Rolling Stones, Rita Lee e Barão Vermelho, pra fechar com chave de ouro.

E de marcante mesmo nessa década são dois fatos: a criação do selo Banguela, numa parceria entre Titãs e Warner, e que praticamente resume o que foi o rock brasileiro nos 90. Não pelos lançamentos, mas pelo pioneirismo em vários sentidos. Participei bem de perto desses anos todos de Banguela, e muita coisa girava em torno dele, assim como muita coisa girava em torno da MTV. Esse miolo dos anos 1990 foram ultra mega intensos e os descrevo um pouco na ‘Série Anos 1990 SP’ (acho que são 13 publicações a partir de julho/2010).

Infelizmente fecho o texto com um triste acontecimento envolvendo o Sepultura, pois foi exatamente em janeiro que Max Cavalera anunciou sua saída do grupo.

PS: Acompanhe no instagram efemerides_do_rock_brasileiro

Nenhum comentário: