24 de novembro de 2019

Rock Brasileiro: O Futuro Não é Mais Como Era Antigamente


Em 1998 a MTV colocou no ar seus dois primeiros programas de auditório, que foram criação minha: Quiz e Ultrassom.

O Ultrassom ficou no ar por dois anos. O número de fitas e CDs demos que recebíamos diariamente era gigante. Havia um armário de duas portas com várias prateleiras que tinham diversas caixas de sedex as quais colocávamos as fitas e CDs. Chegou um momento que contratamos uma pessoa pra ajudar a escutar e fazer a peneira.

Tirando os meses de programação especial – verão e férias, por exemplo – acredito que o Ultrassom tenha ido ao ar, em cada ano, por 35 semanas arredondando pra baixo. Ou seja, foram 70 semanas de programa e, tendo dois grupos por episódio, se apresentaram 140 nomes dos mais variados.

Quando fiz a direção, na 2ª temporada, criei programas temáticos. Teve um que até coloquei dois grupos com formação de banda: caixa, tuba, trombone de vara, pratos... Gravações divertidas.

Mas era uma loucura! Cada caixa de sedex tinha em média 20 grupos e tínhamos fácil mais de 50 caixas. Apesar do número absurdo, escutávamos tudo! Porém era muito difícil achar algo bom. Era muito difícil simplesmente achar dois grupos para fazer um programa!

A qualidade das composições e das letras era de se nivelar por baixo, muito por baixo e, por isso, criei alguns programas temáticos. Ali naquele final dos anos 90 estava tudo bem nebuloso, que misturava o momento econômico do país com o início da revolução tecnológica que ainda hoje (2019) vivemos.

O Ultrassom, por exemplo, que era uma disputa entre os grupos, o telespectador votava por telefone e, quem já tinha acesso, podia votar pelo site da MTV. Tudo começando, era a internet discada. Mesmo na MTV por um tempo, acredito que também em 1998, havia apenas um computador com acesso a internet.

Dessa média de 140 artistas que participaram do programa, apenas Rumbora teve alguma fama e lançou dois discos pela Trama. Alguns artistas, nunca havia dito isso, cheguei a apresentar pro Tom Capone que estava na Warner. Não foram muitos, mas uns 5 me chamaram a atenção. Um deles, lembro, foi o Berimbrown.

Quando entrei na emissora em setembro de 1993 havia apenas um computador no departamento de produção, era da coordenação – leia-se Soninha Francine – e seria apenas para fazer a grade de gravação e produção, e os avisos em geral. Nessa época todos os textos ditos pelos VJs eram escritos à mão pela equipe de redação. Depois era xerocado e passado pra equipe, incluindo o operador de teleprompter, que volta e meia procurava alguém da redação pra decifrar alguma palavra (os textos eram escritos com palavras pequenas por não haver espaço suficiente no espelho do programa).

Falei da economia porque aquele furor do triênio 1994-95-96 havia passado (engraçado que o auge do rock 80 foi exatamente no triênio 1984-85-86, 10 anos antes...), e as gravadoras não estavam mais contratando como antes. Alias, elas nem estavam contratando, pelo contrário, estavam quebrando a cabeça pra não dispensar artista.

Em 1999 ainda tinha muito grupo de rock querendo fazer fama. Já disse aqui, quando a geração 90 estourou em meados da década muito grupo que cantava em inglês, passou a cantar em português. Era apelo apenas pela fama, e pra nós que estávamos na MTV recebendo material dessas bandas e conversando com elas, víamos o quanto esse apelo era vergonhoso.

Muitos artistas pequenos e desconhecidos (nem vou falar underground porque muitos desses grupos nem história no underground tinham) ainda pensavam da mesma forma que em 1995, e o mundo já estava mudado! 

O 2º mandato de FHC não foi o mar de rosas que foi o 1º. Se você parar pra pensar, foi nesse final dos 90 que surgiram os últimos nomes significativos do rock brasileiro, como CPM22, Pitty e Los Hermanos. Surgiram outros grupos, claro, mas que chegaram ao mainstream, foram praticamente esses três.

Teve uma onda de baby rock e emo rock, mas não dá pra colocar essa geração junto desse contexto (café com leite, né?!).

Desse período da virada de século dá pra citar Acabou La Tequila, Matanza, Bidê ou Balde, Cascadura, Rumbora, Penélope, Dead Fish, Autoramas, Cachorro Grande e algumas outras, mas elas não chegaram ao mainstream, e nem perto da fama e importância das gerações anteriores, evidente que falo isso sem desmerecer esses nomes, mas apenas comparando os períodos e contextos.

Se você juntar todos esses nomes daria fácil uma excelente cena pra marcar a virada do século, mas isso não aconteceu.

Culpa de todo contexto social, econômico e tecnológico que aconteceu entre 1999 e 2010. Nesses anos podemos falar da popularização do computador, da chegada da banda larga, do celular; surgimento do Orkut, smartphone, Facebook, YouTube, aplicativos... quanta mudança em tão pouco tempo!

Não foi culpa desses grupos, nem das gravadoras e selos. Talvez um pouco da mídia que se afastou. A MTV estava um horror, as rádios ditas "especializadas" perdidas (como estão ainda hoje), revistas idem e, bem, se for falar de internet e dos grandes portais de notícia, ele nunca deram a mínima atenção para a música de um modo geral, com interesse apenas nos gêneros populares, de massa, e mesmo assim querendo fofoca e não a música.

A Trama, por exemplo, foi pioneira em vários formatos, distribuindo de forma digital, criou a Trama Virtual, entre outras mudanças, inclusive de gerenciamento do artista. Ali dentro teve um timaço que tentou entender as mudanças e navegou bonito com elas. Evidente que tinha suas falhas, mas isso não tira o brilho do pioneirismo. Eu diria que, tomadas as devidas proporções e levando em conta o contexto, a Deckdisc hoje tem algo de parecido com a Trama.

Veio o Napster, na sequência o Soulseek, torrent e outras formas de adquirir música gratuita. As gravadoras multinacionais poderosas sentadas em sua arrogância achavam que poderiam lidar com a tecnologia... eram dinossauros pensando de forma jurássica.

As gravadoras sugaram tudo o que podiam de você até a tecnologia chegar. Daí o feitiço virou contra o feiticeiro. Até Lars Ulrich passou vergonha e chorou contra o Naspter e a aquisição de música de forma gratuita.

De repente todas essas gigantes multinacionais que ocupavam espaços físicos enormes, prédios, salas, casas, estúdios, equipamentos, zilhões de funcionários, milhões em jabaculê e tals, se viram reduzidas a uma baia com uma mesa, dois funcionários, dois computadores e um telefone em um andar coletivo de um prédio comercial.

Em meio a esse turbilhão de mudanças, grupos de rock continuavam a surgir, porque isso é uma coisa natural. Da mesma forma que os boletos nunca param de chegar, bandas de rock também nunca irão parar de surgir.

Só que a revolução tecnológica - que já teve seu auge - trouxe outros interesses aos jovens, e a música deixou de ter um papel de protagonista na vida dessas gerações mais recentes, como era até meados dos anos 1990.

Hoje os interesses estão bem mais diluídos, a contracultura encontrou outras formas de expressão, e acredito que os amantes do rock - novos e antigos - todos sabem que nunca mais haverá uma cena forte como as que houveram dos 90 pra trás. Então sem mais alardes hoje cada um tem seus grupos atuais preferidos em suas playlists e assim seguiremos a vida. Azar dos festivais que a cada ano que passa vão perdendo o sentido....

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