3 de abril de 2010

Série O Resgate da Memória 14: Celso Blues Boy

CELSO BLUES BOY - SOLDADO DA TRADIÇÃO
Revista Bizz julho 1986

Celso Blues Boy é de longe o melhor guitarrista de blues do Brasil e amigo de grandes feras como BB King. Lembro em 1986, na semana que Filhos de Mengele gravou a primeira demo ("O Entediado"), estávamos numa micro pizzaria que tinha no Gilbertinho, onde vendia fatias individuais, comendo e escutando um som (lá tinha um toca fitas) e, do nada, aparece Celso Blues Boy. Sentou lá com duas pessoas e, não sei como, quando vi estávamos todos sentados juntos na mesa jogando conversa fora. Apesar dele ter dado uns toques pra gente, não demos muita bola, mas lembro que ele foi legal. Acho que até colocamos a fita do Filhos para ele escutar.


BIZZ - O que, você diz do marketing do "marginal"?
B.B.
- Antes do rock explodir por aqui, todo mundo era marginal. Quem estava dentro do sistema não era. Não partiu de mim promover o "marginal", e sim deles. Acho uma vitória. Estamos desmarginalizando o marginal. Acho que esse rótulo vai ser banido, que terá outra conotação. Hoje em dia, o padrão de maldito está acabado, por isso acho Marginal Blues um nome perfeito. Luís Melodia sempre teve esse rótulo, mas era respeitado pelo público.

BIZZ - Sempre comparam você ao Eric Clapton. E válida a comparação?
B.B. - Ele é um cara que deixou um marco na história. Não tenho tantas pretensões nem talento para isso. Eu me influenciei por ele. Quem diz que eu copio não entende nada de música. Um cara que copia o outro não está com nada.

BIZZ - É verdade que você mandou uma cópia deste LP para ele?
B.B. - Se disser que não ou que sim estarei me promovendo em cima do lance. Só diz respeito a mim.

BIZZ - Para você, o que é rock? O que diferencia um roqueiro de um não roqueiro?
B.B. - Esse papo não tem nada a ver. Existe muito folclore em cima disso. Roqueiro é um cara que se dedica a vida toda ao rock. Eu poderia estar aqui vestido de couro, mas não é nada disso. O pessoal do Paralamas do Sucesso se disse veterano do rock. Então eu sou o quê? Fóssil? Você vive a coisa ou não vive. Faço rock tradicional, R&B, blues, luto por essas músicas. Se um dia fugir disso, estarei fugindo de mim, ou louco.

BIZZ - Como foi aquela historia de você certa vez ter ido em cana por tocar o Hino Nacional?
B.B. - Fazem muito folclore em cima disso. Foi em 72. Na realidade não houve coisa alguma. Era um festival com diversas pessoas, eu não estava nem escalado. Na época eu tomava drogas e estava bem ligadão, quando uns amigos me deram uma guitarra e me pediram para participar de uma jam-session. Só que eu fui para o palco e vi que estava sozinho. Me deu na cabeça e toquei o Hino. Não fui preso, não houve tumulto. Muita gente gosta de se vangloriar - "ah, fui agredido pela repressão". Não sou de direita, nem esquerda, nem centro, quero mais é que se explodam. O lance de tocar o Hino é uma coisa que sempre fiz. Quando estava irritado, fazia isso, como se dissesse "isso é Brasil". Acho o Hino melodicamente bonito.

BIZZ - No seu disco, além de uma versão de uma musica de Eric Clapton há uma homenagem a Duane Allman. Por quê?
B.B. - Pouco conheci o Duane, mas acho que devia ser um cara extremamente parecido comigo, só que ele foi consumido antes. Quando ele morreu eu usava drogas e, pelo que li, ele tinha uma vida bem parecida com a minha.

BIZZ - Por duas vezes na conversa você usa a frase "quando eu usava drogas". Não usa mais.
B.B.
- Nem maconha eu fumo. Eu já tive até problemas de alcoolismo. São águas passadas. Vi muito amigo meu morrer. Nada tenho contra quem por diversão. Sou contra quando começa a consumir a vida da pessoa. Prender por fumar maconha acho hipocrisia. Acho que, não liberando, põem a segurança do jovem em risco. Nunca se sabe que tipo de policial pode se aproveitar disso. Atualmente não dispenso uma boa cerveja com limão (na parte da tarde) e sal (as vezes).

BIZZ - Você tem ouvido alguma coisa do novo rock americano que está voltando às guitarras, tipo Jason & the Scorchers, Del Fuegos?
B.B. - O mais novo que ouvi e gostei foi o Mark Knopfler. Não conheço nenhum dos que você citou. Prefiro ouvir os tradicionais, que têm um universo tão grande que nem dá para sacar tudo.

BIZZ - E o novo dos Stones?
B.B. - Estou louco pra comprar. Já fui em duas lojas e não tinha. Os Stones fizeram dois dos melhores discos de todos os tempos: Sticky Fingers e Exile on Main Street. Ali, naquela época, havia sentimento, verdade, honestidade e classe. Não tinha armação. Você diz que está havendo um revival daquela época, mas acho que a tendência não é voltar, e sim confessar na mesma Bíblia.

BIZZ - E sobre seu novo disco?
B.B. - Este poderia ter sido o meu quinto disco ao invés do segundo, mas as coisas sempre estão longe do seu domínio, o primeiro foi elogiado por toda a crítica nacional e esse segundo é a confirmação de todo o trabalho que a gente vem desenvolvendo.

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