28 de novembro de 2007

Matéria com Capital inicial na Bizz de setembro de 1986

A HORA DA VERDADE

Certamente os leitores que acompanham a BIZZ já ouviram essa história mais de uma vez - de como Brasília começou a exportar um rock de boa qualidade, com vigor juvenil, para o resto do país.
E não foi necessariamente num artigo sobre o Capital Inicial, porque o começo da sua história comum ao Legião Urbana e ao Plebe Rude. É a história de alguns garotos de Brasília que acabaram injetando uma expressiva dose de energia no rock nacional.
Vamos lembrar alguns pontos capitais desta aventura.
Tudo começou quando estes garotos descobriram o punk rock em 78. Alguns como os irmãos Felipe Flávio Lemos (baterista e baixista do Capital), moraram na Inglaterra em 77. Outros, atentos aos parcos lançamentos em dia da indústria fonográfica nativa, conheciam o disco dos Sex Pistols. Bem, além de gostar de punk, eles acreditaram no punk, e algum tempo depois montaram suas próprias bandas. As primeiras apresentações Felipe diz que a palavra certa é "intervenção" aconteciam onde era possível. O Aborto Elétrico (os Lemos mais Renato Russo) se apresentou pela primeira vez numa lanchonete, em um centro comercial. Imagine Brasília em 1980 - os ventos da abertura não passavam de débeis sopros, militares no poder, meninas - veneno e babas da mesma espécie no rádio. Agora imagine uns garotos com buttons, alfinetes, pulseiras de tachas e instrumentos chegando numa lanchonete e fazendo uma barulheira. Ninguém entendia nada. Muitos odiavam. Outros ficavam absolutamente seduzidos. O Dinho foi um que ficou tão seduzido que virou o vocalista do Capital Inicial, filho do casamento do Aborto Elétrico e da Blitz 64, onde tocava o guitarrista Loro Jones.
"Uma das metas da nossa música no começo era criar nosso próprio entertainment, a gente não precisava de nada do mundo comum. "A tribo foi crescendo, o entretenimento foi ficando cada vez mais uma "necessidade vital" e Brasília cada vez menor. Quando vieram para São Paulo em 83 para tocar num show do Sesc, A Hardcore Rock Night, sacaram que tudo aquilo não era uma brincadeira solitária: "A gente se sentiu encaixado num contexto de vanguarda", diz Fê. Discussões teóricas à parte, o fato é que isso deu uma força para eles decidirem levar a aventura até o final. No Rio, que vivia ainda da Blitz, o impacto foi maior. Ao longo de 83/84, continuaram com os shows a demo tocando na FIuminense e o desejo de parar de fazer shows só para os amigos. Em 85 assinaram com CBS e só agora, no meio de 86, estão lançando seu LP de estréia pela Polygram. Esta estréia retardada por um ano e meio e a troca de gravadora é mais um episódio da sempre repetida mas igualmente sempre criticável estreiteza das gravadoras. O Loro conta como aconteceu: "A gente era uns burros, cara disse que nós não éramos acessíveis e tentou ensinar para gente a fórmula do sucesso". Eles acabaram conseguindo um contrato que garantia a gravação dé um compacto e a promessa de LP. As coisas começaram a ficar pretas quando eles se recusaram a ir nos programas de Hebe Camargo e Flávio Cavalcanti a gravadora respondeu fechando as portas da divulgação em rádio e televisão. "Eles não levaram em conta a autenticidade", reclama o Dinho, entre outras imprecações menos publicáveis. O LP foi ficando uma promessa cada vez mais longínqua, e, depois de um ano de indefinições, resolveram sair da CBS. Várias gravadoras já tinham feito propostas; escolheram a Polygram. Dinho fala do lado bom da bomba: "Depois de um ano de batalha, dando shows só com um compacto, a gente saiu vencedor. Mas eu não passaria por isso de novo".
Uma bela capa envolve os quatros anos de existência do Capital Inicial. As pérolas da primeira fase estão todas lá "Psicopata", "Leve Desespero" e a censuradíssima "Veraneio Vascaína". O disco é um registro desta trajetória do divertido anonimato em Brasília aos últimos shows, em que um respeitável público (falo de quantidade) ficou de pé o tempo inteiro. Como o Capital vê sua própria trajetória? Esta questão provocou uma certa polêmica. O Flávio acha que mudou a MPB, que o rock passou a existir. O Loro discorda, citando as bandas dos anos 70: "O que mudou foi a transa do rock.. Quem fazia o rock mais radical, quando começou a ser divulgado, passou a pensar de maneira mais liberal. A gente tá caindo no que a gente não acreditava no rock. Isto é super sério até na gente". Palmas para a sinceridade. Esta discussão sobre a relação com a mídia cai sempre em formulações ambíguas, mas isto é próprio da natureza da relação rock-mercado. O Fê conclui de alguma forma: "O que mudou foi a mídia. As bandas não mudaram, cresceram fora da mídia e ela teve que aceitar o rock. Taí o Cure na novela das oito". O Capital ao menos se mostra seguro em estar fazendo uma coisa autêntica, não abrem mão de, por exemplo, incluir "Veraneio Vascaína" no disco.
A música, feita em 80, foi vítima tanto da censura da Velha República quanto desta vaga conservadora mais recente. Com o respaldo da Polygram conseguiram liberar a música para o disco, mas ela continua proibida para a execução pública e, veja só, para menores de 18 anos.
A censura, na verdade, mais promoveu a banda do que qualquer outra coisa, como demonstra a apresentação que fizeram no aniversário de Brasília. Tocaram "Veraneio" para 25 mil pessoas (!!), na frente do Congresso Nacional.
O selinho que vem na capa do LP ("proibido para menores de 18 anos") mais contribui para o charme da banda do que impede alguém de comprar o disco. Vai aí uma dica do Flávio para os fãs menores que toparem com vendedores implicantes: "Levem o irmão mais velho". A música é uma "homenagem" à polícia de Brasília "assassinos armados, uniformizados/com uma arma na mão eu boto fogo no país/e não vai ter problema eu sei/estou do lado da lei".
Como a conversa ameaçava voltar para o passado, o Fê insistiu mais uma vez: "Isso já acabou". Fala do presente: "Não dá para fazer uma" Psicopata número dois´. Agora é uma fase de compor boas canções. O que a gente gosta é de compor música para os pés, mas com letras que não são para os pés". Futuro? "O futuro é funk", anuncia Loro. A aventura continua.

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