Aqui resgato uma boa entrevista com Os Mulheres Negras de André Abujamra e Maurício Pereira. Na ocasião a dupla lançava o 1º disco 'Música e Ciência' e era um trabalho completamente diferente do que acontecia na época. Fui a diversos shows da dupla, inclusive nos lançamentos dos discos, e lembro que no primeiro deles eu fiquei na frente do palco tentando entender como Abujamra fazia de sua guitarra uma percussão. Era algo realmente vanguarda pra época.
Na ocasião do lançamento do 2º disco, lembro que fui ao camarim após o show e que dei muita risada conversando com os dois.
Os Mulheres Negras era realmente muito divertido!
Nesta transcrição da entrevista dada para a revista Somtrês, nº 112 de abril de 1988 mantive a ortografia antiga e possíveis erros de português e/ou digitação. O legal dessas entrevistas da Somtrês era que se falava de equipamento e, no caso d'Os Mulheres Negras, isso era algo fundamental!
Divirta-se com mais um resgate da memória!
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Um
é guitarrista e estudante de música. O outro, ex-jornalista, toca sax. Mas,
juntos, eles formam a terceira menor big band do mundo: Os Mulheres
Negras. André Abujamra e Mauricio
Pereira têm truques capazes de transformar o sax de Maurício numa seção de
metais, enquanto André sincroniza bateria, baixo e guitarra e ainda sola em
cima. Isso, utilizando equipamento obsoleto e instrumentos da casa, como o
rotoscópio e o Tambor 112. O resultado já conquistou São Paulo e prepara-se
para ganhar o país inteiro. Numa entrevista para Somtrês. Os Mulheres Negras
contam a Lu Gomes os segredos desta música deliciosa, capaz de entreter e
encantar platéias médias em shows com 70% de peças instrumentais, temperadas
por finíssimo humor.
SOMTRÊS: Quem são Os Mulheres Negras?
Nome, idade, essas coisas.
ANDRÉ ABUJAMRA: Meu nome é André
Cibele Abujamra, 22 anos, filho do Antônio Abujamra, grande diretor e ator de
teatro. Faço faculdade de música (composição e regência). Também faço trilha
para peça de teatro, já fiz As BlasFêmeas, fiz O Draculinha, vou fazer a próxima
peça do Antônio Fagundes ... Tô batalhando esse lado de trilha sonora e, por
outro lado, tô batalhando com a terceira menor big band do mundo, que Os
Mulheres Negras.
SOMTRES: Quais são as duas primeiras?
MAURÍCIO PEREIRA: A gente sabe que tem
duas, mas não podemos dizer com precisão quais são e nem o tamanho delas. Mas
sabemos que a nossa é bem pequena e deve estar quase no terceiro lugar. Se um
de nós sair, a banda passa para o segundo ou primeiro...
SOMTRES: Vai, Maurício, dá a
sua ficha...
PEREIRA: Eu me chamo Maurício
Pereira, tenho 28 anos, şou jomalista formado na USP em 80. Aí eu dei umas
cabeça- das, e numa época que eu estava desempregado eu conheci o André e
começamos a tocar juntos; isso faz uns quatro ou cinco anos. A gente tocou numa
banda chamada Muscad'Xalote, que no começo era instrumental e depois ficou mais
pop. Eu e o André nos conhecemos quando a gente estudava num curso de percussão
do Daniel Slom...
SOMTRÊS: Então vocês se
conheceram tocando música?
PEREIRA: É, tocando
percussão... Aí, depois, paralelamente ao Muscad', há dois anos, eu e o André
montamos um duo. Não era uma banda ainda, tocávamos música instrumental em bar.
Só que a gente azucrinava muito com as músicas, não tocávamos standards do
jazz, a gente tocava pop instrumental, Police, Steve Wonder, U2... Aí não deu
pé. O pessoal de bar quer outra coisa ou a música tal como ela é, ou então
jazz. Aí a gente pensou: já que estamos entrando pelo cano, vamos fazer as
nossas próprias músicas. Aí compramos um pedalzinho de sampler e um teclado
sampler, o Casio SK-1. O pedal segurava uma base, e aos poucos a gente foi
virando uma banda, começou a dar certo, o público começou a notar a gente. Isso
foi no final de 85...
SOMTRES: Quando foi a estréia
como banda?
PEREIRA: Como banda foi em 86,
no Madame Sată. A gente já chamava Mulheres Negras, mas ainda não éramos uma
banda; ali virou uma banda com as nossas próprias músicas. E era basicamente música
pop instrumental. Quer dizer, músicas curtas, de frases bem marcantes, bastante
ritmo... Porque, geralmente, na música brasileira instrumental, ou o cara cópia
jazz-rock ou Hermeto Pascoal: são as duas vertentes de cópia que tem... E a
gente não estava copiando. Começamos a aparecer a partir daí.
SOMTRÊS: Como foi que você
aprendeu a tocar sax?
PEREIRA: Bem, há uns dez anos
comprei o meu primeiro sax-alto, um instrumento vagabundíssimo, e fui
estudar num conservatório. Não me dei bem.
SOMTRÊS: Por causa do sax ou
do ensino?
PEREIRA: Por causa do sax. Aí
eu fui estudar com o Hector Costita e ele me mandou embora porque o sax era
ruim. Foi tudo numa boa ... Aí descolei uma clarineta boa e fui estudar com o
Rafael GaIhardo, da Sinfônica Municipal do Eleazar. Larguei muitas vezes a
clarineta e troquei por um sax-tenor, um Selmer Mark VI, francês, que é o que
eu tenho agora. Eu parei e recomecei muitas vezes, mas o fato é que, a sério,
eu tô estudando faz três anos. Eu comecei de novo com o Rafael e fui estudar
teoria e harmonia com o Gérson Frutuoso, que tocava no Papavento. Não tenho
tido sorte com professores, porque não dá muito tempo pra estudar. Dá passei por
três ou quatro caras, já passei pelo Roberto Sion, Mané Silveira . . . Agora eu
estou a procura de um professor, mas continuo com o Gérson, estudando a parte
teórica.
SOMTRÊS: E esse negócio de
low- tech?
ABUJAMRA: É o seguinte: a gente
começou a fazer música pra ganhar dinheiro, e começamos a comprar aparelhos
eletrônicos da primeira geração, mas que já são obsoletos.
PEREIRA: Se você for ver, a
gente é uma banda tecno-eletro-mecânica. A gente tem um trampo no palco, não
tem sequenciador pra acompanhar. É tudo na hora, com o dedo.
SOMTRÊS: Quem faz as
programações de baixo e bateria?
PEREIRA: É o André. Eu fiz só
algumas baterias.
ABUJAMRA: As idéias para a
bateria, melodia e baixo são sempre dos dois, mas como eu gosto de fuçar mais
nessa parte, eu faço as programações e o Maurício me ajuda na concepção da programação.
SOMTRÊS: Vocês são muito
influenciados pelo jazz. Como aconteceu isso? PEREIRA: Bem, ele estuda guitarra e eu sax, e os métodos sempre
acabam sendo os de jazz. E a gente ouve muito jazz. Eu acho que o que leva um
cara a ser instrumentista é ouvir jazz, que é a música instrumental mais importante.
ABUJAMRA: O que mais me influenciou
no jazz foi o be-bop. Mas não foi só Jazz o pop, o rádio, ser de São Paulo.
Nosso som é um som paulista . . . PEREIRA:
Eu escutei bastante Charlie Parker, Dave Brubeck. Não que o rádio tocasse, é
que me interessa. De rádio: como instrumentista, Lulu Santos. ABUJAMRA: Eu gosto muito do pessoal lá
da Bahia, o Luiz Caldas, gosto também dos Titãs.
PEREIRA: Caetano e Gil. Pra
mim eles são os maiorais, eles e os Beatles. Eu ouvia Beatles direto. Aí,
depois, comecei a ouvir algum jazz, o Wheather Report, Keith Jarret e Chick
Corea - que é o trivial simples, né? - Paulo Moura... Eu gosto de música de
preto, acho muito boa.
"A
gente é uma banda tecno-eletro-mecânica. Tem um trampo no palco, não tem
seqüenciador pra acompanhar. É tudo na hora, com o dedo." (Maurício
Pereira)
ABUJAMRA: O que acontece comigo
é que eu não peguei muito essa geração. Eu escutei bastante Beatles, mas as minhas
influências... Eu sou mais moleque. Morei um ano nos Estados Unidos, escutei muito
country, e gosto muito de heavy metal. Minha guitarra tem muito a ver com
heavy, tem muito a ver com be- bop, gosto de funk também, mas não cheguei a um
estilo marcante ainda.
PEREIRA: Police. Acho que foi
um negócio importante...
SOMTRÊS: E isso foi dar n'Os
Mulheres Negras. Por que esse nome?
PEREIRA: O nome? A gente
sempre tem dificuldade de responder essa pergunta. É sério. Na TV Cultura eles
combinaram de nunca mais perguntar isso pra gente, temendo represalias.
ABUJAMRA: Porque a gente
escolheu o nome, a gente não sabe, mas gostamos muito do nome.
PEREIRA: No fundo, Os Mulheres
Negras são tropicalistas, ou pós-tropicalistas, qualquer coisa do gênero. O
negócio é desmascarar, não ter mumunha. Uma das coisas principais é ser
comunicável, ser simples. Por isso é que quando a gente foi fazer música
instrumental, fizemos uma espécie de pop instrumental, um instrumental mais
popular, um pouco mais fácil do cara ouvir, do cara entrar. O que não quer
dizer ruim. Então a gente tá sempre preocupado em produzir música de massa.
SOMTRÊS: Isso não significa
música pra pizzaria, né?
PEREIRA: Até pra pizzaria. Se
tocarem nossa música em pizzaria eu fico lisongeado.
SOMTRES: O público se
interessa por música instrumental? A falta de uma letra não desvia a atenção?
ABUJAMRA: Pelo que eu vejo nos
shows d'Os Mulheres Negras, às vezes 70% do material é música instrumental, e
só 30% é com letra. Ultimamente não, ultimamente tem sido meio a meio.
PEREIRA: Eu acho que tem uma
espécie de preconceito . . .
SOMTRÊS: Não é preconceito...
O rock brasileiro por exemplo, tirando os "ô- ô-ôs" de praxe, ele tem
letra. Quer dizer, ele chama a atenção não pela música, mas sim pela letra...
PEREIRA: É, e nem tem grandes
músi- cos. Só agora que tá começando a pintar. Os Paralamas são bons, o pessoal
do Gueto são músicos legais, a Máfia do Skowa. Mas o forte não é a coisa musi-
cal, que é um suporte pra poesia. A gente não, quase que a poesia é que é o
suporte pra música.
ABUJAMRA: Nos nossos shows tem
muita música instrumental e as pessoas saem com a impressão de terem escuta- do
um show completamente falado. Porque as nossas músicas instrumentais são
acompanhadas de uma explicação, a gen- te conta a história delas, e as pessoas
conseguem entender, porque é pop- instrumental. Não tem 15 minutos de improviso
de sax, 30 minutos de guitarra. É curta e grossa, a mensagem que a gente tem
pra dar.
SOMTRÊS: E como é que vão indo
os negócios?
PEREIRA: Vão indo bem. A gente
tem um trabalho que é simples e criativo, e nem todo mundo que é criativo é
simples. A gente é bem fácil de entender, não tem problema. Por isso o
boca-a-boca se propagou rápido e a imprensa deu uma força danada pra gente.
SOMTRÊS: Vocês acham que o
humor pertence à música?
ABUJAMRA: Eu não acho que o
humor pertença a música. O humor pertence a tudo. Noventa e nove por cento das
nossas letras é de dor de corno. Acontece que no palco nós somos umas figuras
engraçadas. Eu sou grandão, gordão, ele é magrinho, a gente entra com uma roupa
meio estranha, não se sabe se é elegante ou se é feia. Então a gente produz o
riso.
PEREIRA: No começo não era pra
ser. No tal primeiro show que teve no Madame Satã nós tocamos uma hora
sentados, fizemos um puta barulhão sem olhar pra ninguém... Aí acho que pela
própria estranheza eles começaram a rir. ABUJAMRA:
Eu mexo muito na pedaleira, no sampler, né? Aí um dia eu tava descendo a mão e
uma mulher começou a rir pra caramba, eu olhei pra ela e todo mundo começou a
rir. Eu não sei o que é. Deve ser a figura da gente... Mas nós somos meio
palhaços mesmo. A gente fala algumas coisas sérias, mas de forma cínica.
PEREIRA: Nós somos muito
sérios. Eu vejo que o barco vai afundar se as pessoas não acreditarem n'Os
Mulheres Negras. Mas, como ninguém é profeta em sua terra, nós somos um bando
de palhaços.
SOMTRES: Alguma gravadora se
interessou por Os Mulheres Negras? ABUJAMRA:
A gente tá louco pra gravar um disco. É legal registrar o trabalho e o público
também tá pedindo. A gente tem um esquema com a WEA, só que é uma coisa muito
em banho-maria.
SOMTRES: Parece que vocês já
conquistaram um público fiel.
PEREIRA: Estamos até
providenciando um fã-clube. A gente precisa dar uma força pra essas figuras que
nos acompanham pelos quatro cantos.
"Um
dia eu tava descendo a mão no sampler e uma mulher começou a rir pra caramba,
eu olhei pra ela e todo mundo começou a rir. Eu não sei o que é."
(André
Abujamra)
SOMTRÊS: Vocês editaram uma
fita cassete de muito boa qualidade. Falem
um
pouco sobre ela.
PEREIRA: Ano passado gravamos
quatro músicas no estúdio do Mário Manga (Premê) e sete ao vivo em um show no
Masp, no meio do ano. Quem produziu foi o Peninha Schmit. É uma fita independente,
sei lá como que é o nome.
SOMTRÊS: Como vocês conheceram
o Peninha?
PEREIRA: Ele começou a seguir
a gente pelos shows, começamos a conversar bastante, deu uns toques sobre
instrumentos pra gente. E ele é o intermediário entre nós e a gravadora. Vamos
ver se funciona.
SOMTRÊS: Quantas fitas foram
vendidas?
PEREIRA: Acho que mais de cem.
O que a gente tinha foi vendido. Muita gente quis, mas não tivemos como copiar.
SOMTRES: Como é que faz pra
comprar a fita d'Os Mulheres Negras? PEREIRA:
Quem quiser, escreva para a caixa postal 20.908, CEP: 01000, São Paulo, SP.
Esta é a caixa postal d'Os Mulheres Negras. Diz isso aí: Os Mulheres Negras têm
uma caixa postal. Quem quiser falar com a gente é só escrever. A Bossa Nova
Discos também está vendendo a nossa fita. Fica na rua 7 de Abril, na primeira
galeria. O preço é o de um disco.
SOMTRES: E os acessórios
baratos que vocês utilizam? Foi uma opção por falta de grana ou foi uma opção
estética?
ABUJAMRA: Rapaz, se você
soubesse o que eu quero de instrumentos! É por falta de dinheiro, custa muito caro.
PEREIRA: Mas a nossa falta de
dinheiro gerou uma coisa estética. Ninguém mais usa a aparelhagem que nós
temos, porque já lançaram coisas muito mais modernas.
SOMTRÊS: Me falem dos
instrumentos utilizados.
PEREIRA: Na boca do sax tem um
microfone de lapela Sony ECM-30, que não é exatamente apropriado para isso, mas
serve muito bem para o que eu quero. Esse microfone entra primeiro num delay
digital da Ibanez (Delay II), depois um flanger da Boss (BF II). Daí vai para o
SPX90 da Yamaha, que é um processador de efeitos, que dá naipe, reverber, um
monte de coisa. Do SPX vai pra mesa e acabou. O SPX tem footswitch pra trocar
os programas que eu faço nele.
ABUJAMRA: Eu tenho uma Gibson
Les Paul Custom 1978, preta, três captadores. Também tenho uma Dolphin,
brasileira. Pretendo comprar mais algumas guitarras, mas eu sou
tradicionalista. Pra mim guitarra é a Gibson.
SOMTRÊS: E a Fender Strato?
ABUJAMRA: Nada. Não tem a ver
comigo, não tem a ver com a minha mão... É estranho um guitarrista não gostar
da Fender, né?
SOMTRES: Onde você comprou sua
Les Paul?
ABUJAMRA: Em Oklahoma City,
usada. Essa Gibson é o meu xodó. Coloquei uma ponte Kahler nela, com alavanca.
Eu uso cinco pedais, tudo da Boss: um Digital Sampler Delay DSD-2, um Equalizer
GE- 7, um Flanger BF-2, um Overdrive OD-1, e um oitavador (Octave OC-2), com
que eu faço som de baixo na guitarra, e um Power Supply PSM-5. Depois eu tenho
um pedal de volume estéreo (FV-60), de onde o sinal é dividido, indo uma linha
para o amplificador e outra para o sintetizador de guitarra monofônico da Korg.
Depois tem a bateria eletrônica (Korg Su- per Drums) sincronizada com o baixo
eletrônico, que é o Bass Line TB-303, da Ro- land. Eu sincronizo a bateria e o
baixo eletrônico com o sampler da guitarra, de modo que eu posso fazer
guitarra, bateria e baixo e ainda solar em cima.
PEREIRA: Só aí já são quatro
instrumentos. Aí eu ponho meu sax multiplicado por três e ficam sete
instrumentos. Você vê: é a terceira menor big band mesmo. E ainda tem o Casio
SK-1, um tecladinho sampler que a gente usa muito.
SOMTRES: Tô sabendo que vocês
tam- bém andaram inventando alguns instrumentos. Quais são?
PEREIRA: O rotoscópio é uma
das invenções. É um saxofone giratório que multiplica os harmônicos, o som bate
em todas as paredes da sala. Tem o Oberheim de boca, o Tambor 112...
SOMTRÊS: Que é isso?
PEREIRA: É uma placa de rua
que dá 112 timbres diferentes de percussão. O Oberheim manual é derivado da
nossa bateria eletrônica. Quando ela é operada manualmente, através do sampler
da guitarra, dá pra gravar alguns timbres.
SOMTRÊS: Que mais?
PEREIRA: A gente mexe não só
com instrumento, mas também com a forma musical. Nós inventamos o brega
científico, que é a música popular produzida em laboratório. Então a primeira
parte tem uma escritura, tem uma harmonia simples que todo mundo entende,
baseada numa seqüência de acordes que todo mundo tá careca de ouvir... A gente
trabalha com o inconsciente coletivo das pessoas, a gente vai arrancar o que
elas já têm lá dentro. Depois a gente faz algumas traquinagens, porque a gente
não tem a responsabilidade de vender um milhão de discos. Nosso repertório é de
trinta músicas, por enquanto. E quando tem letra, é letra de poesia popular.
SOMTRES: Como vocês se colocam
diante do rock brasileiro?
PEREIRA: A gente se encaixa,
porque rock é um conceito meio aberto. Logo, logo vai ter uma classificação pra
nós. Eu não sei qual que vai ser. Acho que vão chamar a gente de tecno-pop, por
aí. Mais pro pop do que pro rock. A gente vai ser difícil de classificar.
SOMTRÊS: E como vocês vêem o
rock brasileiro?
ABUJAMRA: Eu tô começando a
gostar mais, eu era meio radical, não gostava de quase nada.
PEREIRA: Eu acho que o rock tá
com tendência de ficar meio pop. Se você pegar o novo trabalho do Lobão, o cara
já foi mais roqueiro do que isso. Tá certo que ele é carioca, e o Rio é mais
adocicado que São Paulo pra fazer rock, mas o disco do Lobão tem de tudo, é
supervariado, não dá pra dizer que é um disco de rock.
SOMTRES: A música d'Os
Mulheres Negras também é muito variada... PEREIRA:
Pois é, isso é coisa de paulista. A gente não tem muita raiz. Na Bahia tem o
afoxé, no Nordeste tem o xote, no Sul tem sei lá que coisa. São Paulo não tem
nada...
SOMTRES: E, politicamente,
como são Os Mulheres Negras?
PEREIRA: Acho nosso trabalho
muito político mesmo. A nossa postura de querer fazer uma música simples e pra
todo mundo, eu acho socialista; é democrático. A gente tá dividindo o pão
musical, tá dando tudo mastigadinho, tome música boa, tome melodia, tome farra,
tome fes- ta, letras que falam de coisas que acontecem. Fazemos muitas
parábolas nas letras, mas elas são poesias boas sobre o real. São poucas, mas
são boas.