13 de janeiro de 2008

Entrevista com Edgard Scandurra


Em 2000 após sete anos de MTV Brasil, saí da emissora e fui ser editor de música de um site chamado TantoFaz.net que hoje não existe mais. Naquele ano inclusive ganhamos o prêmio IBest de Melhor Site Para Adolescentes. Bom, o fato é que entrevistei muita gente legal. Muitas dessas entrevistas perdi, mas outras acabei encontrando em disquetes que julgava perdidos. A primeira da série de entrevistas que fiz foi com o grande Edgard Scandurra, líder, fundador e guitarrista do Ira! e de quem sou fá desde início dos 80 com Ira!, Ultraje, Mercenárias, Smack. Gente finíssima (além de ser canhoto. Yeap!), me recebeu super bem em sua casa. Segue na íntegra a conversa que tive com ele. Acredito que isso tenha acontecido em abril de 2000.

Paulo Marchetti – O que você tem escutado ultimamente?
Edgard – Tenho escutado muita música eletrônica, mas não sei quem são os autores das músicas, porque são fitas que os DJs me dão e tem um monte de coisas misturadas. O último disco que comprei foi o primeiro do AIR. É muito legal e muito bem feito. Um vez vi essa banda num programa de TV e vi que eles tocam com banda de verdade, achei muito legal.

Paulo Marchetti – Coisas do tipo Goldie e Daft Punk você gosta?
Edgard – Gosto. Vi o show do Goldie no Free Jazz e dei um disco de vinil meu pra ele, no meio do show dele. Era um disco com remix de “Benzina”.

Paulo Marchetti – Quando você começou a tocar, tinha umas cinco bandas: Smack, Ira!, Ultraje à Rigor, Mercenárias e Cabine C. Como você fazia pra tocar em todas elas?
Edgard – No começo de 80, dava pra se tocar em várias bandas porque todas elas estavam começando, então nenhuma delas tinha uma agenda de shows lotada. Todas elas eram unidas e eu era um elo de ligação entre todas mas, independente disso, como já existia um movimento de Rock paulista, as bandas se união para fazer os eventos. Então, pegávamos uma casa noturna e fazia um proeto nessa casa e cada dia tocava uma banda diferente. Não eram só as bandas que eu tocava, mas tinham Agentess, Volutários da Pátria, Azul 29, Musak e tinha o Zero que insistia em fazer parte da cena. Eles sempre tentavam fazer parte da turma e nós sempre com o pé atrás. Eles tinham um jeito Dandy que não simpatizávamos muito.

Paulo Marchetti – E pra ensaiar com essas bandas?
Edgard – Dava pra ensaiar legal. Porque, por exemplo, eu tocava no Smack e Mercenárias e a Sandra Coutinho também, então dava pra conciliar. Nós fomos meio casados na época e todo mundo morava no mesmo bairro. Naquela época ensaiávamos muito mais que hoje. O Cabine C ensaiava quase todos os dias pela manhã, éramos loucos, as dez da manhã estávamos na casa do Ciro Pessoa: eu, Gaspa, o Ciro, a Vânia e o Charles Gavin, que também tocava no Ira! Quer dizer, essa coisa de tocar em várias bandas não era só comigo. Isso era fruto da informação musical que tínhamos na época, que era muito grande pra se ter uma banda só. Tinha o Punk Rock, o Pós-Punk, Darks, New Wave entre outros. Por isso tinham bandas com características pra cada estilo.

Paulo Marchetti – Como um roqueiro convicto como você, foi se influênciar por música eletrônica?
Edgard – Eu sempre tive uma queda por esse estilo. Desde os tempos de New Order e até mesmo coisas como Technotronic me atraía bastante. Eu ouvia aquele bumbo eletrônico e gostava. Ele não era como o bumbo da Disco, que era um bumbo fraquinho. Quando eu vi essa coisa eletrônica invadindo a música, eu já fiquei atraído. Eu senti que o Rock no final dos anos 80 até metade dos 90 era uma coisa muito saudosista. Sempre olhava pra trás, revirando o baú a procura de coisa nova. Aquelas bandas de Seattle ficavam revisitando o Punk , o The Who, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Black Sabbath. Misturavam tudo isso e punham uma cara nova na roupagem. Isso me incomodou um pouco…

Paulo Marchetti – E o Ira! nisso tudo?
Edgard – Os fãs do Ira!, eles são muito apegados a uma fase do Ira!, que é a fase dos anos 80. Que tinha os hinos do Ira! tipo “Envelheço na Cidade”, “Dias de Luta”, “Gritos na Multidão”, “Pobre Paulista” e “Núcleo Base”. Todas essas músicas são muito importantes para o nosso público e eles se apegaram muito a esse estilo de som. Tanto que o nosso disco “Isso é Amor” foi muito bem recebido por eles, porque eles gostam muito dessa fase do Rock nacional. Ao contrário dos outros discos de releituras, que foram considerados caça níqueis, o público gostou do nosso, pois retratava os anos 80 com Gang 90, Ritchie, Legião Urbana e é essa época que eles gostam. Tem muito adolescente que gostaria de ter vivido nessa época.

Paulo Marchetti – Tem muita gente que não tinha nem nascido quando o “Mudança de Comportamento” foi lançado…
Edgard – O presidente do fã clube do Ira! tem dezesseis anos (risos). Ele sabe tudo do Ira!, todos os detalhes. Ele vai atrás de tudo quanto é material.

Paulo Marchetti – E quando o Ira! começou a pensar em botar um pouco de Funk e eletrônico no som da banda, isso incomodou os fãs?
Edgard – O Funk não incomodou tanto quanto o eletrônico, porque o eletrônico tem o fato de ser feito por pessoas que não tocam instrumentos convencionais. AS pessoas não conseguiram sentir a energia desse tipo de música. Eu senti isso no primeiro momento em que pisei no Hell’s Club (boate clubber), no final de 95. Vi o DJ Mau Mau tocando uma música absurda, do além, não tinha a estrutura normal de uma canção. Não tinha letra, refrão, parte A, parte B, sem solo… eu vi aquilo como uma coisa subversiva e, quando eu era adolescente, o que me deixou fascinado pelo Punk Rock foi o fato de ninguém saber tocar nada e estar numa banda e aquilo era uma coisa subversiva pra mim. De repente o Techno surgiu como um elemento transgressor. Eu estava acostumado com shows daqueles normais que a banda entra no palco, a luz se acende e ela começa a tocar e todo mundo olhando pro palco. Aí eu vi o Mau Mau tocando e, a fumaça era tanta que não dava pra saber onde ele estava. Ninguém se preocupava em querer olhar pro DJ. Vi várias ‘regras’ serem quebradas ali: a convivência entre homossexuais, lésbicas, simpatizantes, todos juntos numa boa sem que ningueem invadisse o espaço do outro. Todo mundo respeitando a individualidade e o estilo de cada um, não tinha briga, mauricinho dando em cima das meninas…

Paulo Marchetti – Foi uma verdadeira mudança de comportamento…
Edgard – Foi. Comecei a ver coisas que eu poderia pôr em minha música. O palquinho do Hell’s era um lugar onde as pessoas subiam pra ficar dançando e, todas aquelas músicas não tinham guitarra e eu comecei a imaginar minha guitarra dentro desse som. Meu filho tinha uma bateria eletrônica em casa, de brinquedo, e eu comecei a mexer nela. Comecei a pôr minhas guitarras em cima de umas coisas que eu criava na hora, me envolvi nisso e conheci o Suba (produtor musical que morreu num incendio em 99). Ele era um cara super importante para a música brasileira e tinha muito o que fazer ainda. Em 93 eu já tinha posto uma guitarra para um disco que ele estava gravando. Quando eu quis fazer um disco eletrônico, a primeira pessoa que fui procurar, foi o Suba. Falei pra ele que queria gravar um disco com muitos elementos eletrônicos e, se sobrasse espaço, Rock’n’Roll (risos).

Paulo Marchetti – A música “Farto do Rock’n’Roll” tem alguma ligação com isso tudo?
Edgard – Não. Na verdade, essa música é de uma época mais ortodoxa minha. Essa música é uma crítica que eu fiz ao comportamento do Nasi e do André, que começavam a escutar Hip Hop o dia inteiro e levaram essa influência para o Ira!. Isso pra mim era uma afronta, porque na época eu não tinha uma cabeça aberta como hoje. Eu ficava puto porque não havia guitarra na música e os caras curtindo um estilo que desprezava a guitarra e eu ficava imaginando que eles estavam de saco cheio da minha guitarra (risos). Então foi por isso que fiz essa música. Nem eles sabiam disso, só depois que eles foram ver que eu estava tirando um sarro da cara deles.

Paulo Marchetti – Vocies ainda tocam essa música…
Edgard – De vez em quando. E hoje essa música tomou uma característica profética, as pessoas pensam que eu já via esse futuro naquela época e não era nada disso. Hoje eu vejo que a música eletrônica não seria nada sem o Hip Hop. O que me atraiu para a música eletrônica, foi essa possibilidade de quebrar uns tabus dentro do Rock.

Paulo Marchetti – O Suba foi uma forte influência para o seu som…
Edgard – O Suba foi super importante, porque eu não seria capaz de, sozinho, fazer um disco de música eletrônica com uma qualidade que o Suba conseguiu dar ao meu disco. O Benzina, modestia a parte, não foi feito por uma grande gravadora, foi lançado no momento errado porque foi um disco pioneiro nessa mistura de eletrônico com Rock. O momento foi errado porque era Pagode, Sertanejo, Rock e a música eletrônica era apenas um gueto muito pequeno e, pra maioria das pessoas, era um gueto gay. Quando eu falava pros meus amigos do Rock que eu frequentava o Hell’s, eles não entendiam porque achavam que era uma coisa só de gay. Depois as coisas foram mudando, tanto que as Raves de hoje em dia vão cinco mil pessoas ou até mais e grandes empresas começaram a patrocinar esse tipo de festa

Paulo Marchetti – O Benzina é um disco de eletrônica mas, ao mesmo tempo, tem uma banda tocando…
Edgard – Esse disco é bem uma ponte, uma passagem de um estilo pra outro. Tem guitarra em todas as músicas, eu canto em várias músicas e tem músicas que não tem nada de Techno. Nele há músicas pré-Hell’s e pós-Hell’s e, apesar disso, o Suba fez com que não parecesse uma colcha de retalhos. Ele conseguiu dar uma direção e o disco tem uma cara bem interessante. Talvez, se eu tivesse lançado o disco dois anos depois, ele teria sido bem mais compreendido, assim como foi o do Otto.

Paulo Marchetti – O fato de você ser conhecido como um roqueiro atrapalhou na divulgação do disco?
Edgard – Atrapalhou para os dois lados. Por exemplo, a cena de música eletrônica é bem fechada, principalmente em 95. Eles todos odeiam o Rock nacional em geral. Era esquisito porque os clubbers ficavam me olhando desconfiados e os roqueiros falavam que eu tinha virado gay. Demorou quase um ano para que esse pessoal me aceitasse. Isso foi uma coisa meio babaca, só depois de oito meses eles começaram a me cumprimentar. Mas hoje isso mudou, as pessoas me cumprimentam até falam que escutavam o Ira! quando eram menores. Eu consegui ser aceito nas duas facções e fico feliz por isso.

Paulo Marchetti – Como você faz pra arrumar tempo para o Ira!, sua carreira solo e o trabalho com o Arnldo Antunes?
Edgard – Voltei ao passado, estou trabalhando em vários projetos juntos. Só que agora é diferente, naquela época, por falta de shows, dava pra conciliar tudo. Agora o Ira! tem uma agenda cheia, o disco do Arnaldo será lançado na Europa e já tem shows marcados por lá… mas o Ira! sabe da importancia de se tocar fora do Brasil e todos eles me ajudam nesse sentido.

Paulo Marchetti – Como é ser pai de família, cuidar dos filhos…
Edgard – É um prazer imenso, porque eu tento unir duas coisas. O Rock me deixa muito parecido com o que eu era quando comecei a tocar. Dos meus 15 anos aos 38, com excessão das dívidas e dos filhos, eu sinto que minha vida não mudou muita coisa. Porque eu sempre fui músico, sempre toquei Rock’n’Roll e sempre estive nas baladas, sempre convivendo com gente mais nova e eu juntei as duas coisas, porque os meus filhos me levam muito pra minha infância. Quando eu fico brincando com meus filhos, tanto o de doze anos (Daniel), quanto o de sete (Lucas) ou o de seis meses, eu sempre volto para o meu passado. Jogo futebol de botão, videogame, assisto desenho no cinema e na TV. O mais velho já está lendo algumas revistas em quadrinhos da minha coleçao, tipo Asterix, Tim Tim… Eu me considero um paizão.

Paulo Marchetti – Então você está satisfeito com a vida?
Edgard – Estou super satisfeito. Minha vida é muito agitada, as vezes eu durmo, no máximo, quatro horas e eu vejo que no futuro eu vou ter que escolher, ou eu vou pra esse universo da música eletrônica e me dedico totalmente `a isso, ou permaneço no Rock’n’Roll. Vai chegar uma hora que isso irá acontecer, mas eu vou tentar continuar com tudo até quando der.

Paulo Marchetti – Quem paga suas contas: o Ira! ou a música eletrônica?
Edgard – Um pouquinho de cada um. O Ira!, na verdade, sempre me pagou muito mais. Na música eletrônica eu já toquei de graça, já ganhei 200, 300 reais e até 3000 já ganhei, mas e o Ira! que me sustenta. Outra coisa que me dá dinheiro são os direitos autorais de minhas músicas, que são quase cem.

Paulo Marchetti – Quem já gravou suas músicas?
Edgard – O Arnaldo Antunes, o Nenhum de Nós e o Skank. Eu gosto do Skank, o Samuel é um ótimo guitarrista. Nesse último disco do Ira! tem participação dele, numa música do Lô Borges (“Girassol da Cor do Seu Cabelo”), que é mineiro. Aí ficamos amigos e eles pegaram uma música minha, puseram uma letra e gravaram. Também tem música minha gravada pelo Ultraje.

Paulo Marchetti – Mas de todas essas bandas, qual era a sua?
Edgard – O Ira! e todas as bandas sabiam disso, tanto que chegou um momento em que eu saí de todas elas. Quando o Charles (Gavin), em 84, saiu do Ira!, pra entrar no Titãs, a princípio ele iria para o RPM e eu cheguei pra ele e falei: “RPM?, pelamordedeus!!!” Eu nem conhecia o RPM, mas já existia um preconceito dentro dessa cena, pelos caras serem comercial e que estavam sendo empresariádos pelo Poladian… e eu acabei aconselhando ele a entrar no Titãs. Aí nessa rolou um medo em nós, porque perder um baterista como o Charles não seria fácil… e eu tocando em várias bandas, o Nasi cantando com o Voluntários da Pátria… Vimos que haveria o perigo de perdemos nossa identidade e então resolvemos, no final de 84, a se dedicar somente ao Ira!. Pensamos em até morar no Rio de Janeiro, porque as gravadoras estavam lá e elas se interessavam mais no sotaque do Norte, do Rio, do que no sotaque de São Paulo. Eu falo em sotaque porque o problema estava nele, porque o sotaque paulistano é motivo de chacota no Brasil inteiro.

Paulo Marchetti – Você já tem material pra um disco novo?
Edgard – Eu tenho muita coisa nova. Depois que eu passei a comprar equipamentos para fazer minhas coisas eletrônicas, eu vou gravando… agora eu dei uma parada, mas eu tenho umas noventa músicas inéditas e todas estão nas memórias dos meus “brinquedos”. Então eu vou preparando… há um tempo atrás eu estava em negociação com a Trama, mas não rolou… Eu tive uma experiência com a Rock It! (selo do Dado Villa Lobos) que não foi das melhores. É um selo bacana, mas não é especializado. Acho que eu tenho que entrar num selo especializado, já que eu estou fazendo música eletrônica, tem que ser alguma coisa especializada. Na Rock It! eu tive um problema na tiragem dos CDs, sairam alguns CDs meus que, quando você abria, tinha o CD de uma banda chamada Maria Bacana. As pessoas compravam o Bezina e escutavam Maria Bacana. Por isso fiquei bem puto com os caras, tinha a faca e o queijo na mão para processa-los e não quis fazer isso porque era o Dado, que é um cara que eu gosto.

Paulo Marchetti – Desde quando você conhece o Dado?
Edgard – Conheço ele desde 83 ou 84. Cheguei a emprestar minha bateria pra Legião em seus primeiros shows aqui em São Paulo. Só que eu fiquei chateado, porque na última Showbizz saiu uma matéria do Bonfá, falando que o Ira! não deveria ter gravado “Teorema” e que ele só gostou da versão do Paralamas para “Que País é Este?”. Fiquei puto com o cara, porque ele vinha pra São Paulo e estava sempre junto com a gente e ele sabe que o Ira! nunca iria querer faturar em cima da Legião. Uma releitura do Rock nacional tem que ter Legião Urbana. Quando ele fala assim de nós, parece que ele está nos pondo num saco de gatos, tipo esses pagodeiros.
Mas tudo bem… o cara ficou sumido por mais de cinco anos, deixa ele falar.

Paulo Marchetti – Você já pensa em algum produtor?
Edgard – Olha… agora sem o Suba, fica difícil pensar num produtor. Talvez eu mesmo produza meu próximo disco. Na música eletrônica, as vezes, o produtor é tão ou mais importante que o músico. O negócio ee fugir das regras. Não quero ter um produtoir chato no meu ouvido falando o que devo fazer…
A cena eletrônica tem essa coisa de turma e eu gosto de tocar pra turma, gosto de ver os amigos nos shows, todo mundo se conhece… Isso o Rock não tem mais. Aquele clima hippie está totalmente presente na cena eletrônica. Todo mundo numa boa, é um movimento benigno, não descriminação e todo mundo fica junto numa boa, como se fosse família. O Rock se tornou uma coisa mais agressiva, mais sexista. Você vê as letras das bandas novas de Rock… é muito esse negócio de querer comer as menininhas…

Paulo Marchetti – É uma falta de conteúdo. O que você acha disso?
Edgard – Antigamente as pessoas falavam por uma comunidade, sempre pensando no coletivo, pensando até em coisas mais superiores a eles. Tipo um adolescente se preocupando com o sistema, pensando junto com o governo, com o poder. Hoje, quando os garotos montam uma banda, eles pensam muito na rua onde moram, na pequena turma, no skate, na gatinha. É muito um universo próprio do adolescente. Bem diferente da minha geração, que ia muito além e, as vezes, até falava de coisas que não conhecia muito bem. Nós falávamos sobre guerras, a América, o governo, o imperialismo americano, a ditadura e outras coisas fortes.

Paulo Marchetti – Então você ainda se preocupa com o conteúdo. Em passar uma mensagem…
Edgard – Tanto me preocupo com isso, que fazem quase dois anos que não escrevo uma letra. Deu uma travada por causa de uma auto crítica doentia que bateu em mim. Por achar que letra, hoje em dia, tem que ser uma puta letra, porque tem tanta coisa banal e também tudo foi tão dito tantas vezes, que não dá pra fazer apenas mais uma letra de amor, de protesto ou de outra coisa. Tem que ser uma coisa muito bem inspirada e eu estou esperando essa inspiração vir com tudo pra eu poder voltar a escrever.
Isso foi outra coisa que me atraiu na música eletrônica: a não obrigação de ter letra. Eu comecei a descobrir mais potência na minha musicalidade do que na minha poesia, nesse momento.

Paulo Marchetti – Isso tem haver com o lançamento de um disco de regravações?
Edgard – Tem. Porque depois de tanto tempo e com nosso imagem presa aos primeiros discos, que tem mensagens fortes, sentimos a obrigação de não escrevermos abobrinhas, de não ficar falando merda. Queremos escrever letras significativas, como eram naquela época e isso é uma coisa que não vem assim…

Paulo Marchetti – Você conheceu Júlio Barroso?
Edgard – Conheci! Eu toquei no primeiro show do lançamento do primeiro disco. Foi numa casa noturna de Santos que chamava Heavy Metal. Isso foi em 83.

Paulo Marchetti – Mas você chegou a fazer parte da banda?
Edgard – Não. Era uma coisa que eles tinham de sempre convidar os músicos emergentes. Então eu era um cara recém saído do quartel, com 20 anos, que tocava com a guitarra ao contrário, era canhoto, não tinha pedal e nem nada e isso chamou a atenção do Júlio. Uma vez ele me viu tocando numa casa noturna que era dele, chamada Hong Kong. Foi o primeiro lugar que abrigou bandas como Ira!, Ultraje e todas aquelas da cena paulista. Até o Barão Vermelho tocou lá, quando vieram pra São Paulo pela primeira vez.

Paulo Marchetti – O Júlio era o dono dessa casa?
Edgard – Não, ele er ao DJ. Também tinha a Mae East, que uma das vocalistas da banda, e ela era a VJ da casa. Esse lugar era muito moderno, a Mae fazia a programção dos vídeos que passavam.

Paulo Marchetti – Você pensa em ser produtor?
Edgard – Eu já recebi muitos convites, desde que comecei a me envolver com a música eletrônica, e eu já recusei convites. Porque eram todas bandas de Rock’n’Roll e sempre eram o básico e eu não teria saco de ficar um mês com essa molecada num estúdio, discutindo o som de bateria, som de guitarra… eu não sei se eu teria essa paciência toda. Por causa do meu envolvimento com a música eletrônica, muitas bandas me procuram para dar algo de novo na música deles. Tem uma banda de Belo Horizonte, chamada Radar Tanta, que é de uns caras que tocavam no Virna Lise, que me convidadram para fazer produção e eu estou super inclinado a aceitar, embora seja em BH, vou ficar um tempo por lá. O legal é que eles me chamaram por causa da minha influência eletrônica.

Paulo Marchetti – Você se incomoda de ter que tocar as velhas músicas do Ira?
Edgard – Não, com excessão de Pobre Paulista. Também tem Envelheço na Cidade que tocamos em todos os shows, desde que a fizemos. Elas são duas músicas que me incomodam um pouco. Pobre Paulista, porque ela teve um certo ranço de ser uma música bairrista e ela foi muito mal compreendida, já vi gente chateada com ela, principalmente no Nordeste… Tem pessoas que falam que ela é uma música racista. Isso tudo é besteira e, em vez de polemizar, eu prefiro não toca-la. Acontece que o público pede muito ela nos shows, não só em São Paulo, mas em Recife, Salvador, Belém do Pará… Não há nada de racista nela, é uma música de adolescente que quer ficar com a turma perto. Ela tem uma letra um pouco tendênciosa porque eu era moleque e, nessa época, o que mais me influênciava – eu tinha 15 anos, era o anarquismo do Punk e eu entendia que tinha que destruir pra construir melhor. Eu achava isso. Tinha que polemizar pras pessoas prestarem atenção. A intenção de todo mundo que tocava era de mudar o mundo. Nunca fui bairrista a ponto de fazer diferenciações entre as raças.

Paulo Marchetti – Aquela crise geral no começo dos anos 90 também abalou o Ira!. Vocês chegaram a pensar em parar de tocar?
Edgard – Olha, agora eu posso falar iso, porque já é uma história resolvida com a banda, mas durante uns quatro anos, eu fiquei falando que “esse é meu último ano no Ira!”. Durante quatro anos quase saí da banda. Senti que ela estava num processo de decadência e eu acho deprê demais uma banda decadente, tendo um passado bacana e importante, ficar tocando em buracos, recebendo cachês baixos, sem divulgação. Meus próprios amigos perguntando do Ira! e nós tocando sem ninguém saber. Por isso tudo, comecei a pensar em pendurar as chuteiras, antes de destruir a banda. Eu não queria ficar como o Made in Brasil. Mas conseguimos dar a volta por cima, o Rock voltou a ter seu espaço.

Paulo Marchetti – Quando você lançará um novo disco solo?
Edgard – De imediato, eu estou com um projeto para mp3 e nesse primeiro semestre deverá ter alguma novidade em relação a isso.

Paulo Marchetti – Afinal o futuro do Edgard Scandurra é Rock ou eletrônico?
Edgard – Eu acho que o futuro da música é o eletrônico. Apesar disso eu vou continuar fazendo Rock’n’Roll. Eu gosto daquela coisa de contar até quatro e mandar pau nos instrumentos. Mas eu vou continuar em cima do muro por muito tempo ainda.

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