Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados é um disco que faz parte da minha história. Esse é daqueles que sei até o tempo de intervalo entre as músicas. Cada acorde, cada sujeira. Ele chegou em Brasília pouco antes do lançamento pelas mãos de Totoni (Manoel Antônio Fragoso, ex-baterista do Escola de Escândalo e hoje ator). Na primeira audição o queixo caiu por vários motivos: músicas ótimas, letras ótimas e, pasmem, ótima produção, mesmo tendo sido gravado em 1983. O responsável foi Ronaldo Bastos. Muitos momentos épicos, como o solo final de “M”. “Edmundo”, “O Kaos (A Dança)”, “Menina Fútil”, “Keki Rolou”, um clássico atrás do outro. Tudo bem gravado. A coisa toda fica mais incrível ainda quando se fala que o disco foi lançado pela Ariola / Continental, gravadora que não tinha a menor noção do que era rock, passava longe, anos luz.
Infelizmente um erro de estratégia foi fatal para o disco. A primeira música de trabalho foi “Calúnias (Telma Eu Não Sou Gay)” com Ney Matogrosso no vocal. Ninguém entendeu nada e, de última hora, a música entrou no disco de Ney. A banda não aparecia nos programas de auditório e, fora “Calúnias”, nenhuma outra música tocou nas rádios. Infelizmente (ou felizmente) o disco acabou sendo esquecido, sendo cultuado por poucos.
Nesse início de rock geração 1980, como as gravadoras se concentravam todas no Rio de Janeiro, e ainda tinha o Circo Voador e a rádio Fluminense, o momento era intenso e o que prevaleceu nesse período foi a linguagem de deboche, malandragem e descontração do carioca. Blitz, João Penca, Eduardo Dusek e até o goiano Léo Jaime entram nessa.
Com Miquinhos, dá pra lembrar também, dois outros discos históricos: Cantando no Banheiro, de Eduardo Dusek e Phodas C, de Léo Jaime. JPSMA gravou com Dusek o disco e em apresentações, e Léo Jaime foi integrante da banda, que até chegou a tocar músicas gravadas por Léo, como “Aids” e “Já Foi Papai”. A parceria com Dusek foi confundida com banda de apoio e, mesmo sendo a música de maior sucesso de autoria de João Penca (“Rock da Cachorra”), tudo ficou em um disco. “Barrados no Baile” foi composta também por um Miquinho, Leandro.
Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados foi quem deu a luz para esse especial com os discos históricos. O escuto sempre, desde 1983. De tempos em tempos o resgato e ouço por dias. De todos os discos que falarei aqui esse é o mais obscuro.
PS: Um fato triste nesse início de carreira profissional foi a morte do tecladista Cláudio Killer, ocorrida em 1º de dezembro de 1983, por conta de um vazamento de gás em seu apartamento enquanto tomava banho... pouco mais de dois meses após o lançamento de Os Maiores Sucessos... (no final da postagem há nota sobre este fato).
Veja, edição 701, 10-fev-1982, pág. 107
Os Sete Gatinhos
Por Joaquim Ferreira dos Santos
Ninhada do Leblon mistura velhos rocks com humor.
Chamam-se estranhamente João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, sem conseguirem qualquer explicação para este batismo. Nas madrugadas do Rio de Janeiro eles são capazes de agrupar uma audiência de 700 pessoas, como na semana passada, no clube Lagoinha durante a festa Rock, Meu Bem. São sete rapazes a maioria estudantes com jaquetas de couro e cabelos gomalizados, como um grupo de new wave. Mas jogam microfones contra a parede, sacrificam fãs no palco, escalando-as para segurar uma bananeira no cenário, como artistas da música punk.
São capazes de cantar a selvagem história do executivo americano seduzido por um torcedor do Flamengo na arquibancada do Maracanã (versão do clássico “Johnny B. Good”, aqui “Johnny Pirou”) e, em seguida, atacar a melosa “Gatinha Manhosa”, sucesso da bem comportada Jovem Guarda. Desde que Roberto e Erasmo Carlos se encontraram numa esquina da Tijuca, poucas coisas foram mais originais na música jovem. Moravam todos no Edifício Jacuna, no Leblon, e quando não estavam tocando rock-n-roll na escada, ouviam discos de Chubby Checker, Shanana, Beach Boys e Jovem Guarda.
Hoje, sempre de madrugada, apresentam a mistura bem humorada dessa velharia roqueiras em escolas, no bar Emoções Baratas, em Botafogo (dia 11 estarão no Morro da Urca), mais interessados nas meninas que seduzem com amalucados meneios eróticos do que no cachê de 35 000 cruzeiros. Um sucesso de muitos gostos: na semana passada, tanto foram convidados para o próximo festival da TV Globo como para o desfile que um grupo de poetas pornográficos fará – todos nus – pelas areias de Ipanema.
Nas letras, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados criticam o movimento estudantil (“Universotário”), fazem crônica sobre um traficante de drogas (“Toque e Tenha”). Na letra de “Já Foi Papai”, de Tavinho Paez e Léo Jaime, eles debocham da família: Papai suas ideias são uma delícia / eu gosto delas tanto quanto amo a gripe e a polícia. Um escândalo de criatividade nas madrugadas cariocas.
Veja, edição 789, 19 de outubro de 1983, Música, pág. 158
Mutirão do Rock
Ney e os Miquinhos numa afiada parceria.
Por Okky de Souza
Semanas antes do lançamento de seu novo LP, ...Pois É, que chegas às lojas nesta segunda feira, o cantor Ney Matogrosso constatou que, por ironia, poderia vir a competir com ele próprio. Explica-se: a canção Calúnias (Telma Eu Não Sou Gay), faixa do LP de estréia do grupo carioca João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, a que havia emprestado sua voz como convidado especial, invadiu as emissoras de rádio e tornou-se sucesso nacional. Como cantor e conjunto pertencem a mesma gravadora, a Ariola, a faixa foi incluída às pressas também no disco de Ney, com ligeiras modificações na mixagem (volume de cada voz e instrumento). A manobra, finalmente, foi bem-sucedida: Ney empresta seu prestígio ao grupo estreante, que, por sua vez, o auxilia numa das melhores faixas de seu LP. A seguir, as críticas dos discos de Ney de dos Miquinhos: (NOTA: aqui só transcrevi a crítica ao João Penca)
A Ironia dos Miquinhos
No disco de Ney Matogrosso, a canção Calúnias (Telma Eu Não Sou Gay) se descata como a faixa irreverente. Em Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, LP de estreia desse irrequieto grupo carioca, porém, ela não passa de mais uma piada entre muitas outras. Na verdade, ao ironizar o cotidiano da juventude, o grupo forma um dos mais divertidos painéis já realizados pelo rock brasileiro. Ao contrário, por exemplo, do grupo Blitz, que toma como cenários as areias de Ipanema, os Miquinhos recriam o clima da juventude transviada dos anos 50 em Edmundo (In The Mood), ou os tempos do twiste do chá-chá-chá em Keki Rolou.
Frequentemente eles transportam esse clima para os figurinos de seus shows, ostentando vistosos topetes à la Elvis Presley. A música dos Miquinhos também parece saída de antigos aparelhos hi-fi: é um som muito simples e básico, às vezes confuso. Essa distância de qualquer virtuosismo, porém, é plenamente compensada por faixas como O Ursinho, em que o cantor Selvagem Big Abreu, com entonação de quem vai fazer um discurso transcendental, confessa à namorada: “eu quero ser o seu ursinho...”.
Folha de SP, 23-out-1983, Caderno Ilustrada, pág. 64
Miquinhos, a nova poesia do “plágio”
Miquinhos, a nova poesia do “plágio”
Com “Telma Eu Não Sou Gay” e “Johnny Pirou”, o grupo lança moda da paródia irreverente
Rio – O título do LP – Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados – já mostra o espírito debochado do grupo. Afinal, trata-se do primeiro disco do conjunto que, até agora, era conhecido pelo grande público apenas como acompanhante de Eduardo Dusek (“Rock da Cachorra”) e Ney Matogrosso (“Calúnias” ou “Telma Eu Não Sou Gay”). Agora, os “Miquinhos” (são oito) passaram a ser o personagem principal.
Jovens (a idade média é 23 anos), descontraídos, os “Miquinhos” passam, à primeira vista, uma imagem de “pirados”, mais por causa das brincadeiras irreverentes do que pelo visual, pois vestem-se à maneira de qualquer rapaz da zona sul carioca. E na vida pessoal, aparentemente, não fazem qualquer loucura: apenas dois deles dedicam-se somente à música. Dos outros, um deles é recém-formado e os demais dividem-se entre Engenharia e Arquitetura.
Mas, por enquanto, não pensam em dedicar-se a outra carreira além da música. É um caminho que percorrem há dez anos, pois tocam juntos desde criança. Moravam no mesmo edifício e, desde os 7, 8 anos, quatro deles – Leandro, Cláudio, Marcelo e Guilherme – já formavam um conjunto, cujo palco eram os corredores do prédio. Mais tarde entraram Abreu, Avelar e Rosa. Mas foi com a chegada de Léo Jaime – hoje seguindo carreira “solo” na CBS – que o grupo passou a canalizar sua irreverência para a criatividade. Abreu lembra que até aí – com exceção de Leandro – ninguém tinha pensado em se profissionalizar.
A La James Dean
“A gente tocava não apenas por prazer, mas por necessidade. Em plena década de 70, quando a onda era “surf” e cabelos compridos, usávamos cabelos curtos, calça de perna estreita e curtíamos o rock dos tempos de Elvis. Basta dizer que o nome do conjunto era “Anos 50”. É evidente que com um visual de James Dean num tempo de surfista, as garotas não davam bola para nós. Então, a gente se dedicava à música como uma forma de lazer, de curtição.”
Leandro lembra que o grupo – na infância e na adolescência – sempre foi muito fechado: não permitiam que ninguém se intrometesse entre eles. “Era uma tribo que tinha até uma linguagem própria”, diz Abreu. E era uma tribo que tinha um comportamento sempre imprevisível.
Foi nessa época que surgiu o nome definitivo do grupo. Durante o dia, depois da escola, costumavam gravar fitas tocando e falando “besteiras”. A noite, o prazer era ouvir as tais fitas. Um determinado dia, durante a audição, ouviu-se uma voz – nunca se soube de qual deles – gritar em meio a um vozerio: “Agora, com vocês, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados” que apresentaram-se, há três anos, num festival universitário da PUC, despertando o interesse do compositor Ronaldo Bastos, que produziu o primeiro disco do grupo.
“Era um festival sem novidades”, lembra Bastos, “Até que eles surgiram com uma música ótima e fazendo mil loucuras, do tipo mostrar o traseiro para o público. Foram censurados por essa atitude pela direção do festival, mas me impressionaram pelo talento, pelo “pique” de juventude porque as outras músicas pareciam ter sido feitas por gente mais velha”.
Com a cachorra
Mas, o contato entre Ronaldo Bastos e o conjunto parou por aí. O grupo seguiu uma carreira marginal e, como define Abreu, ficou famoso no circuito “underground” carioca. Até que Ney Matogrosso gravou uma versão que Léo Jaime fez para “Johnny B. Good” (“Johnny Pirou”). Em seguida, veio o convite para um trabalho conjunto com Eduardo Dusek, que acabou estourando com uma música do grupo, o “Rock da Cachorra”. Separação aconteceu logo depois. Leandro explica os motivos:
“A gente queria aparecer mais do que ele. E não cabem nove estrelas em um palco. Não achávamos certo ficar como acompanhantes quando a música de sucesso era nossa. Além disso, Dusek fez o vestibular do rock conosco, pois até aí ele nem sabia o que era esse ritmo. Por isso, numa boa, decidimos que era melhor cada um seguir seu caminho”.
Não chegaram a entrar na Polygram – onde tinham gravado com Dusek – e tampouco a um acordo com a CBS, que acabou ficando somente com Leo Jayme (“A saída dele foi numa ótima; continuamos ligadíssimos” diz Leandro). Acabaram indo para a Ariola, graças a uma indicação de Ronaldo Bastos, que depois de uma temporada nos Estados Unidos (“fiquei muito chateado com a morte de Elis e decidi dar um tempo”), voltou para a produção de disco, na Ariola.
O disco está na praça e Ronaldo Bastos acredita no sucesso do grupo pelo valor dos rapazes: “Não estou aproveitando a onda do rock. Produzi o disco com o maior carinho – como faço com os discos de Milton Nascimento e outros cobras – porque acho que eles têm muito talento e são jovens fazendo música para um público jovem, que, até então, não tinha um conjunto de sua geração fazendo um trabalho musical forte, em termos de rock.
O Lp, no entanto, saiu com um erro de “merchandising”: a música mais executada, “Calúnias”, é exatamente a única que não é cantada por um dos integrantes do grupo. Para o público, é um grande sucesso de Ney Matogrosso, que também a incluiu em seu LP. Mas os rapazes acreditam que as outras faixas vão acabar estourando (“Psicodelismo em Ipanema” já toca bastante nas rádios cariocas) e mostram-se contentes com o sucesso de “Calúnias”, uma versão de “Tell me Once Again”, sucesso antigo do grupo paulista “Light Reflections”. No LP dos “Miquinhos”, há mais duas versões e Leandro explica o gosto por esse tipo de sucesso.
“A gente curte em cima como é o caso da “Telma”. Queremos mostrar o ridículo de uns caras brasileiros cantando em inglês. Além disso, é mais fácil. É só botar letra. Aliás, eu nem gosto do termo ‘versão’. Prefiro plágio mesmo pois qualquer versão não passa disso”.
Painel da Ilustrada (22-out-1983)
Por Miguel de Almeida
Lulu
João Penca e Seus Miquinhos Amestrados lançaram um disco pela gravadora Ariola. Tem o nome de “Os Maiores Sucessos de...”. O grupo foi responsável pelo adequado sucesso de Dusek. Eles são os autores da canção “O Rock do Cachorro”. João Penca não seguiu o que pregam no verso: “Troque seu cachorro por uma criança pobre.” Lulu – Santos – toca em duas faixas do disco.
Painel da Ilustrada (02-dez-1983)
Por Miguel de Almeida
De Manhã
Foi um acidente e uma tristeza. Cláudio Killer, tecladista do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados morreu ontem às 07h30. Por uma besteira: foi tomar banho e escapou o gás. Quando seu irmão percebeu, e arrombou a porta do banheiro, Cláudio já estava morto. Tinha 25 anos, era médico e tenente da aeronáutica. Gente sensível.
O Bolha (Circo Voador ainda com Léo Jaime e Cláudio Killer)
Psicodelismo em Ipanema
Menina Fútil
O Kaos (A Dança)
Edmundo
Um comentário:
E que fim levaram os caras? Por onde andam??
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