2 de julho de 2012

Jogando Lembranças nas Linhas II

Em 12/04/2010 publiquei no blog Rock Brasília Desde 64, dentro da Série 50 Anos, o texto Jogando Lembrança nas Linhas*, relembrando a velha Brasília das décadas de 1970 e 1980. Na ocasião Brasília completava 50 anos. Duas semanas atrás estava em uma mesa de bar com amigos e amigas jogando conversa fora. Em certo momento passamos a lembrar do quanto era bom a vida sem internet e celular. Sem essa corrida tecnológica que mais parece uma corrida de cegos. Tudo era mais simples, mais legal, funcionava do mesmo jeito e não era essa loucura que é hoje, com pessoas literalmente viciadas nessas ferramentas de última geração, deixando todos cada vez mais individuais, fechados e paranoicos. Então, pela boa conversa e pelas boas lembranças que tivemos na mesa de bar, acabei que escrevi o Jogando Lembrança nas Linhas II, para lembrar algumas pequenas coisas de nosso antigo cotidiano.


Lembro que em 2007, quando eu tinha 37 anos, conversava com uma amiga do trabalho que tinha 23. Falávamos sobre chegar em casa da balada, ligar a televisão, ir à cozinha, tomar um banho... Aí falei pra ela que até, mais ou menos, 1992, a programação das emissoras acabava lá pelas 2h e só voltava entre 5h e 6h. Poucos anos antes disso, quando a Globo não tinha inventado o Corujão, nem nos finais de semana passava-se de 2h30.

Minha amiga achava que eu estava brincando com ela, mentindo. Só depois que outro amigo, pouco mais novo que eu, chegou e confirmou o que eu dizia, é que ela foi acreditar. Fiz as contas e percebi que ela tinha entre 7 e 9 anos quando a TV a Cabo começou a se popularizar aqui no Brasil entre as classes A e B, ou seja, ela em sua época de adolescente baladeira já tinha a TV a Cabo.

Muitas vezes você voltava para casa de madrugada, ou mesmo não saia, mas ficava acordado até mais tarde, e não tinha um canal com programação, tudo fora do ar, com o famoso chuvisco na tela. Nem vídeo cassete tinha, já que ele se popularizou em 1986. Em 1984 já havia vídeos cassetes nas casas, mas o problema era que não havia opção de locadora e também não tinha muito filme com legenda, muito menos dublado. Uma alternativa era deixar gravando a programação da tv quando se saia de casa, mas nem sempre dava pra fazer isso.

A primeira grande locadora de filmes no Brasil foi o Vídeo Clube do Brasil (ou algo assim). Ao se cadastrar você ganhava uma bolsa que cabia dois ou três filmes e também tinha que dar, veja só você caro amigo(a), duas fitas virgens. Isso era 1984. Mas em 1985 muitas outras locadoras surgiram. O Video Clube ganhava por ter muitas cópias dos principais filmes (duas fitas virgens no cadastro!). As locadoras menores ficavam lotadas quando chegava o final de semana. Disputa pelos melhores filmes, com lista de espera e tudo. O vídeo cassete foi uma grande revolução. Assistir a filmes de cinema em casa daquela forma... uau! Era um evento. Vamos à locadora! Ah! Fitas de vídeo virgens eram caras. Hoje seria uns 15 reais, talvez?

Mas quero voltar rapidamente para a televisão para lembrar que controle remoto era coisa de americano. Tínhamos mesmo era que se levantar do sofá, se postar ao lado da TV e mudar o canal através do grande botão giratório. Cléqui, cléqui, cléqui, íamos mudando de canal devagar para ver o que estava passando nas 4 ou 5 emissoras que existiam. “Quem vai levantar agora pra mudar o canal??? Eu não!!!! Agora é sua vez!” . Vixi... O controle remoto foi o vilão das emissoras, assim como o MP3 foi o vilão das gravadoras... rsrs.

Escrever e enviar uma carta para depois esperar sua resposta, isso podia levar duas, três semanas ou mais. Essas semanas de espera eram especiais. Eram dias que passavam com você imaginando a pessoa recebendo a carta, lendo, para depois escrever a resposta, ir ao correio, selar para colocá-la na caixa de correio. Era uma dedicação àquela pessoa. Por trás de uma carta recebida tinha todo um ritual, então ela era valorizada, lida e relida várias vezes.

Na Brasília dos anos 1970, para fazer um interurbano, era preciso passar o número para a telefonista que fazia a ligação para você. “Fernanda telefone!!!!!!!” Não tinha como não gritar ao atender o telefone, já que ele era literalmente fixo. Nem telefone sem fio existia. Era o aparelho de disco, com fio curto e que ficava ao lado da parede. Era preciso se sentar ao lado dele e lá ficar até a conversa acabar. Privacidade zero. Quando se entrava na casa nova falava-se : “... e aqui vai ficar o telefone...”. Alguns poucos sabidões conseguiam comprar aqueles fios telefônicos enormes que apareciam em filmes americanos, mas mesmo assim eram raros. Coisa de televisão. Coisa de americano.

Eram apenas duas opções: telefone ou orelhão. Eu até hoje tenho uma ficha telefônica guardada. Chegava final de semana e o telefone era tudo. Tudo! Combinava-se o horário para se falar, caso contrário podia-se até perder balada, carona, atualizações. Os horários marcados para os telefonemas tinham que ser respeitados. Uma vez que você saía de casa, podia significar ficar um bom tempo sem falar com os amigos, e assim ficar sem saber do que iria acontecer. Você no restaurante com a família precisava voltar rápido pra casa para usar o telefone. Também é bom lembrar que número de telefone era patrimônio. Você comprava um número por uma fortuna, nem todos eram donos de seus números, muitos alugavam. Comprar número de telefone era investimento

Se marcava uma hora para ligar ou receber ligação, esse horário tinha que ser rigorosamente cumprido. Outro enorme problema era o uso do telefone por outro familiares bem no momento em que você precisava dele. Telefone foi motivo de muita briga familiar!

Até o início dos anos 1980 não era todo mundo que tinha toca fitas no carro. Se muito a pessoa tinha rádio AM-FM. Era caro um toca fitas. Ele era tudo numa viagem, por exemplo, entre Brasília e São Paulo! Nos finais de semana os carros mais legais eram os que tinham toca fitas. Tinha gente que gravava fitas coletâneas só para tocar no carro durante o rolé pela cidade. Eu era um desses.

Fitas cassetes eram caras. Aqui no Brasil a melhor era a Basf, mas o legal era conseguir TDK importada, principalmente para gravar os discos mais importantes. Arrisco a dizer que se hoje ainda usássemos fitas cassetes, elas custariam entre 10 e 15 reais. Não dava pra comprar toda hora. Era preciso, algumas vezes, sacrificar gravações, para gravar coisas novas por cima. Entre a Turma em Brasília era comum o roubo de fitas. Era tão indecente que chegava a parecer até um rodízio não oficial, de tanto que as fitas roubadas rodavam de mão em mão, de carro em carro.

Meu pai era agrônomo e viajava para fora do Brasil ao menos uma vez por ano. Sempre que ia trazia ao menos três caixas de TDK. Eu adorava o cheiro de fita nova. Cada fita, uma nova possibilidade. Era muito poder na mão! Em 1978 meu pai passou dois meses no Japão, e era muita novidade pra quem morava num país de milico. O grande presente que ele me trouxe de lá foi um rádio gravador. Absoluta novidade inclusive no comércio brasileiro. Eu podia não só gravar e escutar minhas fitas no meu quarto, como também podia gravar músicas do rádio.

Gravar músicas do rádio era, inclusive, coisa absolutamente normal. Sempre quando eu vinha para São Paulo, trazia ao menos duas fitas com a intenção de gravar músicas das rádios que tocavam rock. Não lembro quais eram, mas estou dizendo entre 1983 e 1986. Muitas vezes conseguia não só novidades gringas, mas demos de bandas paulistanas que tocavam em programação alternativa, e discos independentes. Muita gente ligava para a rádio para pedir música exatamente com a intenção de gravá-la. Lembro do programa Comando Metal, da 89 FM, quando tocou na íntegra, e com poucas semanas depois do lançamento, o ...And Just For All do Metallica. Quanta gente não gravou?! E olha que estou falando de 1989! Nem é tanto tempo assim.

Dinheiro e gasolina também era problema para o fim de semana. Não existia caixa eletrônico. Era cheque ou dinheiro. Se precisasse de dinheiro no sábado e domingo, era preciso sacar no caixa na sexta o tanto que imaginava precisar. Nos bancos não existia fila única. Cada caixa tinha uma fila e tudo era feito na boca do caixa. Não tinha nem débito automático.

Não sei no resto do país, mas em Brasília, os postos de gasolina fechavam oito horas da noite, depois chegaram a ficar abertos até 22h, mas mesmo assim... Isso era péssimo para quem tinha a pretensão de rodar pela cidade.

Mais do que todas essas lembranças, o que acontecia de 1990 para trás era algo muito maior, difícil de descrever. A impressão que fica hoje é que o tempo passava mais devagar, por isso era mais proveitoso. Os acontecimentos tinham mais valor.

O certo é vivermos de acordo com o nosso tempo. Hoje não tenho toca discos ou um Opala 76, e não faço a mínima questão de ter. Em tudo existem os prós e contras, mas mesmo com algumas dificuldades da época, que a vida era melhor, mais simples, mais contemplativa e proveitosa, sem essa paranoia da tecnologia, do futurismo, isso era. Com certeza.


*Jogando Lembrança nas Linhas

Um comentário:

Rafael disse...

Tenho 26 anos e só fui ter celular no ano passado porque me deram um,antes disso as pessoas chegavam e perguntavam como tinham que fazer pra se comunicar comigo, eu respondia cheio de ironia: "por sinal de fumaça!" O engraçado é que tinha gente que acreditava nisso!

Internet, Celular, TV a Cabo, Tablet, Video-Game, Tocadores de MP... alguma coisa e outras tecnologias mais, pra mim, não são e nunca foram essenciais e indispensaveis, tambem não sou nostalgico de nada, mas quando vejo a paranoia e o controle que esse tipo de coisa exerce sobre a vida das pessoas hoje, da vontade de voltar no tempo, pra ficar bem longe de tanta babaquice que vejo por aí!