Dia desses assisti ao belíssimo documentário sobre Dzi Croquettes. Feito por Tatiana Issa e Raphael Alvarez, o doc conta a história desse grupo formado por 13 gays que revolucionaram o teatro, a dança, a comédia e a performance. Fiquei maluco. Que história! Quando acabou fiquei de queixo caído.
Era formado por dançarinos, atores, coreógrafos, figurinistas, transformistas e cantores, acrescidos de amigos que trabalhavam com eles e que ajudaram a compor esse universo. Eles literalmente abalaram Paris. Eram 13 cabeças pensantes.
Depois de assisti-lo, resolvi escrever esse texto sobre liberdade artística, coisa que já vinha matutando desde quando iniciei uma nova fase de pesquisas das efemérides do rock brasileiro, no início deste ano, quando também mexi com material antigo. Ao mesmo tempo li as bios de Lobão e Keith Richards, um pouco antes a de Lennon, o debate do rock brasileiro da Bizz que postei aqui, e também o texto sobre Ney Matogrosso.
Com tudo isso, comecei a questionar algumas coisas. Uma delas era o fato de hoje termos muito mais facilidade de comunicação, mais meios para se divulgar, cercados de reality shows, tudo quanto é tipo de música, filme, festivais (literários, musicais, teatrais...), internet, e mesmo assim a liberdade artística não está mais em nada disso.
Me lembro dos anos 1970 e como tudo era bem mais divertido que hoje. As pessoas se arriscavam mais. Provocavam e eram provocadas. Loro (ex-Capital) exemplificou, na conversa que tivemos para meu livro e que lá deixei registrada, do costume naquela época de se dizer de esquerda quando a pessoa era de direita, e se dizer de direita quando a pessoa era de esquerda. Era isso: desafio.
Tudo era proibido, tudo era pecado. “Onde está o pudor dessa juventude”, diziam os mais velhos. Um cabelo mais comprido, um short mais curto, um batom mais chamativo já eram motivo de comentários negativos. A censura e a enorme lista de proibições e negações suscitavam a criatividade. O proibido costuma ser mais gostoso!
Naquela época nenhuma grande corporação sabia como ganhar dinheiro com arte (digo aqui no Brasil), coisa que começou a acontecer só nos anos 1980. Então, muito mais do que em gerações posteriores, tudo era feito por prazer, de coração, por amor de fato. Não havia nada a perder, era colocar em prática qualquer ideia maluca.
Um bom exemplo é o filme hippie Geração Bendita, com trilha sonora da banda Spectrum. Tudo feito na raça, na unha. Ao colocar uma ideia em prática ninguém ficava preocupado com o que os outros iriam achar. Era uma coisa do tipo “vamos nos divertir e divertir nossos amigos”.
Outro exemplo de maluquice é o Festival Express, também de 1970, aquela coisa de colocar um monte de artistas em um trem e viajar pelo Canadá para três shows. Deu tudo errado, dinheiro foi perdido, mas seguiram em frente e se divertiram pacas.
Exemplo recente é o Pânico na TV que chegou sem nenhuma pretensão, sem formato fechado e que, aos poucos, foi criando, já no ar, uma linguagem nova, condução, edição que hoje até a Globo copia. O programa deu um chacoalhão na linguagem televisiva exatamente porque não devia nada a ninguém. A mesma coisa aconteceu com a MTV no início dos anos 1990.
Hoje tudo envolve dinheiro e compromissos comerciais, então é claro que, sendo assim, ideias malucas sejam analisadas com cuidado e assim acabam, muitas vezes, perdendo a naturalidade.
A criatividade da nova geração está cada vez mais tolhida, presa a formatos preestabelecidos, exatamente porque as grandes corporações querem o lucro e todos querem ter ideias para vendê-las a essas grandes corporações. Quantas milhões de pessoas publicam vídeos no YouTube a fim de se tornarem conhecidas? E assim o fazem porque, no início dessa vida digital, meia dúzia fez isso e se deu bem.
Bem, a liberdade artística se foi e a verdade é essa: hoje se tem muito mais espaço para divulgar ideias, mas todo mundo executa a sua preso ao que já existe e deu certo, no desejo da fama, do dinheiro e do bafafá que irá causar. Nada mais é feito com naturalidade, por prazer, amor e diversão. Adeus loucuras espontâneas porque nunca mais teremos algo como Dzi Croquettes, MTV Brasil, Pânico na TV ou qualquer outra expressão artística. São tempos de padronização.
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