26 de maio de 2011

Série O Resgate da Memória: 20 - Desventuras do Rock Paulistano 1984 (Parte 1 de 2)

Da mesma forma como a internet, após seu surgimento e popularização, gerou empregos diretos e indiretos, o boom do rock brasileiro nos anos 1980 também gerou empregos diretos e indiretos, afinal não havia qualquer tipo de profissionalização nessa área. Produtores, executivos, engenheiros de som, empresários, estúdios, veículos de comunicação, casas noturnas, todo mundo teve que aprender a lidar com esse novo mercado.

Jornalistas também tiveram que aprender a conviver com essa nova cena no Brasil. Porém muitos viravam a cara para o que era feito aqui. Para 98% deles a única coisa que prestava era o rock feito, principalmente, nos EUA e Inglaterra. Inclusive muitos desses jornalistas e críticos também tinham suas bandas, a maioria era ruim de doer. Fora isso, também havia o fato de não existir equipamentos de qualidade e estúdios preparados para gravar rock, e também como falei, nada de produtores que entendiam do assunto. Gravar um disco de rock nos anos 1980 ainda era uma verdadeira aventura. Poucos conseguiram se sobressair.

Dentro desse contexto, jornalistas e críticos não poupavam artistas com seus textos que muitas vezes chegavam a ridicularizar certos trabalhos. Críticos que se diziam especialistas, mas que não levavam em conta toda a dificuldade que se tinha para chegar a uma gravadora e tentar a muito custo gravar um disco de qualidade. Porém muitas vezes a culpa não era do artista e sim da gravadora que não entendia o que estava fazendo e não fazia questão de ouvir quem entendia do negócio.

Muitos jornalistas, frustrados com uma série de coisas na vida pessoal, espezinhavam os artistas, os colocavam para baixo e chegavam até a prejudicar as vendas dos discos. Sei de casos que eram de pura inveja e frustração. Um desses críticos maldosos era Pepe Escobar, que não media palavras para desqualificar o rock feito no Brasil.

Uma mostra dessa "briga" entre jornalistas/críticos e músicos é essa discussão que aconteceu em 1984 entre Pepe Escobar e alguns nomes do rock paulistano, nessa época ainda underground. A coisa foi tão feia que esses músicos invadiram a redação do jornal Folha de São Paulo para uma discussão mais ríspida com o jornalista. Nasi, que na época era vocalista do Ira! e Voluntários da Pátria, chegou a partir para vias de fato, mas foi contido. Lembro também que parte dessa discussão foi gerada pelo ex-vocalista do Zero Guilherme Isnard.

Esse fato ficou marcado, até porque esses músicos acabaram desautorizando Pepe Escobar a escrever sobre eles, o que a Folha acatou. A partir de então, algumas coisas mudaram na cena paulistana.

Posto aqui no Sete Doses de Cachaça a reportagem de Pepe Escobar que gerou tamanha confusão. Há também a segunda postagem com o resultado dessa briga.



Desventuras do Rock Paulistano
Folha de São Paulo
28 – outubro – 1984 (domingo)

Por Pepe Escobar

Tudo agora gira em torno do Rock in Rio. As gravadoras produzem volumosos press-books divulgando os feitos das estrelas que vão aterrissar nestes trópicos. A garotada voa atrás dos ingressos. Heavy por heavy, na Europa e EUA só se ouve heavy. Aqui, no verão, a fritura de cabeças e corpos, será em escala nunca vista. Por acaso, no meio do caldeirão, temos uma eleição (?) para presidente. No dia 16 de janeiro, algo terá mudado – ou não – e poucos irão saber. Por que, no dia anterior, a TV só terá dado o incêndio de watts do AC/DC ou outra luminária heavy. A Globo irá cobrir o Rock in Rio com um esquema mais complexo do que o utilizado nas Olimpíadas. No Rio e em São Paulo, em diversos círculos ligados ou não à indústria da música, este é um assunto vital no momento. Muita gente está preocupada. Enquanto o circo pega fogo...

Os fatos continuam se avolumando. Não há nenhuma banda paulista incluída na programação do Rock in Rio. Será no mínimo ridídulo – inclusive para os próprios grupos. Imaginem Kid Girimum e Suas Lagartixas Amestradas abrindo um show para as Go-Go’s. E Ivan Lins? O que este cavalheiro está fazendo num festival de rock?

Problema básico: o rock paulista debate-se em guetos, e neles permanece. Seu espaço na mídia é limitado. Há boas possibilidades em ascensão, como o RPM e o Voluntários da Pátria. O RPM deveria ser imediatamente contratado por uma grande gravadora. Os Voluntários lançaram seu primeiro LP independente, e se passarem por cima de suas letras PT, vão longe. O Zero está com uma ótima fita gravada em estúdio. O resto é de lascar.

Esta semana recebemos uma carta do vocalista do Zero, Guilherme Isnard, comentando o estado de coisas. Ele se refere a programação atual do Val Improviso, com vários grupos de rock paulista: “Quero denunciar a programação nesse pulgueiro que é o Val Improviso (neonazis ride again), que no final é uma armação para alimentar “algumas bocas”, isso porque de onze ou doze grupos, sete são da maçonaria do rock, uma cooperativa (?) musical inter-grupos, que excluem novos instrumentistas que se inibem diante da presença dos egos multi-instrumentistas. A seguir Guilherme traça o mapa da máfia do rock paulistano, que qualifica de “genealogia dos neonazi”, em homenagem ao cidadão Nazi, vocalista do Ira e também dos Voluntários. Guilherme termina defendendo seu ponto de vista: “Não é recalque não, é só indignação de ver pseudo-colegas fechando a nova música nos “mesmos e coligados”, no final é o mesmo fascismo das danceterias, só que autofágico”.

Adjetivos à parte, o raciocínio é correto. Gueto só serve para a Inglaterra, onde há mercado – e locais de encontro – para todos. Aqui, não adianta algum grupinho tentar monopolizar a “vanguarda”. Não existe “vanguarda”. Existe uma tendência explorada pelos donos do mercado que precisa ser revertida.

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