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Aeroanta |
A
São Paulo dos anos 1990 já tinha um trânsito bastante chato, mas não se compara a hoje. Já falei em algum texto dessa série que ainda era
possível você sair de casa e dar uma volta tranqüila pela cidade, pelos principais
points.
Logo que cheguei na cidade, em 1987, lembro que a rua
Henrique Schaumann era reduto de muitos bares, boates, restaurantes e lá frequentei muito um lugar chamado
Rouge. Tocava Smiths, Cure, Stray Cats... a certa hora dava pra se divertir na pista. Havia um boteco quase em frente, na esquina a com Teodoro Sampaio, era o lugar onde tomava-se muito
rabo de galo.
Nesse tempo, além do Rouge, ainda havia o Madame Satã, Rose Bom Bom, Any 44. E para shows ainda havia o
Espaço Off, o Teatro Mambembe e o Latitude 3001. No meu primeiro fim de semana como morador de SP lembro que fui assistir a um show no
Ácido Plástico, que ficava ao lado do Carandiru, e era uma antiga
igreja que se tornou casa noturna.
Mas com a chegada do Aeroanta, também em 1987, precisamente em
fevereiro, o circuito foi mudando...
Lá pelas 23h passava-se pelo Aeroanta e também
rapidamente pelo Dama Xoc para ver qual show teria e, mesmo com o boteco ao lado, ali no Dama não era o lugar certo para se tomar uma
cerva, a não ser que você fosse entrar pra ver alguma apresentação. Os
botecos que ficavam ao lado e em frente ao Aeroanta já eram diferentes, porque lá dava para parar o carro, tomar uma, ver o
movimento e também encontrar gente com mais facilidade. A rua em frente ao Aeroanta te possibilitava passar de carro devagar e até mesmo fazer uma rápida fila dupla para falar com alguém. Principalmente nos dias de mais
movimento.
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Rua onde ficava o New York e o Sampa |
Entre 1991 e 1993 ocorreu uma expansão de bares e casas noturnas na
Vila Madalena. Na virada da década, entre 1988-90, tinha o Sushiban que ficava na Rua Teodoro Sampaio e muita gente ia lá no início da noite. Nesse mesmo período tiveram os bares
New York e
Sampa que ficavam em uma minúscula rua de apenas um quarteirão no Jardins, paralela a Rua Estados Unidos.
Inclusive onde exatamente ficava o New York, hoje é o
Hotel Fasano (o nome da pequena rua hoje é Rua Vitorio Fasano). Me disseram que Chico Buarque, quando criança, costumava jogar bola nessa rua.
Entre 1989 e 1993 eles reinaram ali. A rua ficava entupida de gente e carros mal conseguiam andar (via estreita de mão única). O ápice de lá foi quando a
polícia fechou os dois lados da rua e deu baculejo em todo mundo. Um por um. Garotos e garotas. Nesse dia, por sorte, eu não estava.
Aliás, costumava ir lá no
início, quando ninguém conhecia, o Sampa ainda nem existia e o New York era um bar vazio (uma casa antiga de andar térreo) e íamos em, no máximo, seis pessoas pra beber e fumar
maconha. No NY dava pra fumar um baseado tranqüilo, mesmo sendo no miolo do Jardins, era só pegar uma mesa nos fundos da casa, no pequeno
quintal onde havia uma árvore central e umas quatro mesas. A um quarteirão dali, mais atrás, na Estados Unidos, tinha o
Columbia, mas os frequentadores eram outros. Durante muito tempo o New York e Sampa eram bares frequentados por roqueiros que depois agregou
skatistas e surfistas e, mais no final, até os playboys. O Columbia era pra quem gostava de música eletrônica (era início de uma nova cena, primeiras raves, ecstasy...). No começo do New York e Sampa, eles eram tranqüilos, depois o movimento aumentou, muita gente na rua, barulho, cheiro de xixi e maconha... tudo isso passou a
incomodar os moradores.
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Empanadas Bar durante o dia |
Na Vila Madalena eu costumava ir ao
Empanadas e em um boteco que ficava ao lado dele. Um na Rua Wizard e outro na Wizard esquina com Mourato Coelho. Poucos anos depois, principalmente na segunda metade da
década, já era outra história, com a Vila lotada de gente na rua e
pencas de bares surgindo a cada milésimo de segundo.
Também por volta de 1992 surgiu o
The Jungle do meu amigo Cello, bar que ficava na Rua Virgílio de Carvalho Pinto, ao lado do cemitério. Lá era maravilhoso e eu era assíduo. Muitas noites começavam e terminavam no Jungle. Cello tocou guitarra na banda
Las Ticas Tienen Fuego.
Quando não havia algum bom show ou uma boa festa no Aeroanta, ficava no Jungle noite adentro, mesmo que jogado no balcão, tipo
Rê Bordosa. Este primeiro Jungle tinha um clima mais intimista, era em uma casa pequena, poucas mesas, ótimo balcão (onde eu jogava intermináveis partidas de
gamão) e bons amigos. Lá chegou a ter alguns shows acústicos. Depois Cello abriu o Jungle em outro endereço, mais no
miolo da Vila Madalena (não lembro a rua), que apesar de sempre lotado, já não tinha o mesmo clima do primeiro, e pouco frequentei esse segundo.
Também havia o
Superbacana, bar que ficava na Rua Girassol esquina com uma dessas ruas pequenas que cortam um quarteirão no meio. Lá também havia uma mesa de bilhar, mas o barato era pegar a bebida e ficar na rua, em frente ao bar.
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Der Temple |
O Der Temple era outra casa noturna que eu freqüentava bastante, até por
morar muito perto na época. Ele ficava na Rua Augusta já no centro, bem perto da Igreja da Consolação, no quarteirão em frente ao parque Augusta, bem próximo a Praça Roosevelt. Um pouco mais abaixo do quarteirão tinha um boteco com uma mesa vagabunda de bilhar e ficávamos ali bebendo e jogando até mais ou menos 1h da manhã e aí sim entrávamos no
Der Temple. O palco era pequeno, mas os shows sempre muito bons. Além dos shows e do ambiente, a pista que ficava no fundo era muito boa.
Tocava de Ramones e Stooges a Nirvana e Happy Mondays. Tive várias câimbras nessa pista.
Kurt Cobain, quando veio tocar no Hollywood Rock, foi ao Der Temple.
O
Cais foi outro lugar que teve três momentos. Era uma casa noturna que ficava na Praça Roosevelt. O lugar era grande, tinha três andares, e lembro que bem no final dos 1980 era uma casa
Black, tocava muito funk e soul music. Depois mudou para uma coisa mais
alternativa e, por fim, virou algo bem ao estilo gótico (se não me engano chamava-se Holish). Tudo era preto: chão, paredes e teto. A pista era ótima para quem gostava do gênero. Tinha um bom palco e ambientes
diferentes. Também tinham algumas máquinas de fliperama. O Cais, assim como o Der Temple e o Aeroanta, era um lugar que também dava pra ir, se
encostar no balcão do boteco ao lado e encontrar algumas pessoas antes de entrar. Mas a Roosevelt era bem diferente de hoje. Era abandonada, escura e não dava pra frequentá-la. No quarteirão havia apenas o Cais e dois
botecos. Hoje, 2022, há vários bares e teatros, e os fins de semana na Roosevelt ficam cheios.
Nem sempre dava para entrar direto no
primeiro lugar que se ia, só se fosse uma coisa certa já marcada. Caso contrário, era preciso pegar informações de como estava o ambiente, se tinha muita gente dentro, se estava bom, se valeria a pena pagar entrada +
consumação, era arriscado gastar dinheiro, entrar e o lugar estar ruim.
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Fachada do Espaço Retrô* |
O
Espaço Retrô, que ficava no Largo de Santa Cecília, era outro bom lugar para ir assistir show e aproveitar a pista. Não era um
lugar que eu costumava ficar após os shows. Retrô, Der Temple e Cais ficavam
próximos. O Retrô tinha um quê de Madame Satã, talvez por também ser em uma casa velha e ter um
espaço descoberto dentro dela.
O
Garage era o único lugar que não tinha um boteco por perto. Então quando se ia lá já se sabia que era para entrar direto e, após os shows, a casa se esvaziava em quarenta minutos, no máximo.
Além de tudo isso, havia o movimento em frente ao Belas Artes, na Consolação, ao lado de onde havia o
Bar Riviera (hoje reaberto, mas completamente mudado). Ali tinha, além do próprio Riviera, um bar lanchonete mil utilidades onde você podia tomar um café, comer um pão de queijo, ou tomar uma cerveja, ou comer um
beirute. Ao lado dele tinha um boteco clássico e na sobreloja acima, um bilhar 24 horas, onde frequentei muito. Em final de noite, entre 4h e 6h, você encontrava muita gente por lá.
Os rolés noturnos eram nesse circuito, mas sem ter um
horário certo para cada um. Isso
dependia do evento, do que iria acontecer. Na dúvida dava-se uma primeira passada pelo Aeroanta e depois no New York. Escolhia se ia ao Der Temple para
dançar ou ver algum show, ou se iria entrar na festa do Aeroanta com o show ‘X’, enfim, os rumos iam sendo
tomados e, por diversas vezes, passava-se a noite indo de boteco em
boteco. Entre bares e casas de show com botecos colados, as pessoas iam se vendo, se encontrando. Muitas vezes as pessoas que você
encontrava no boteco do Aeroanta a meia noite, você encontrava novamente no boteco do Cais às 2h ou na pista do Der Temple às 3h. Na
noite seguinte todos se reencontravam em um show como Okotô no Aeroanta ou Pin Ups no Der Temple.
* A foto da fachada do Retrô eu retirei do blog de meu camarada Rodrigo Carneiro
http://euelaocoeoaffairredivivo.blogspot.com/