4 de agosto de 2011

MTV Na Chapa

Outro dia peguei zilhares de DVDs com zilhares de coisas neles, tudo trabalho meu, desde institucionais chatos que fiz para grandes e pequenas empresas, até reality shows, clipes e muitos programas de televisão, incluindo os que fiz na MTV.

Um dos que me fez parar para assisti-lo foi o MTV Na Chapa. Apesar de ter sido pouco visto e ser nada lembrado, esse é um dos programas que moram no meu coração. E ele fez revolução na Music Television.

Na Chapa estreou na grade de programação de 1996 e ia ao ar das 6h as 8h da manhã. Era o programa que abria a programação do dia. Só conheci um amigo que de fato o assistia, pois acordava muito cedo e, enquanto via o Na Chapa, fazia caminhada na esteira...

Na Chapa exatamente por ser pela manhã. O cenário era um quarto e o apresentador era o Cazé. O figurino era pijama e nesse quarto tinha armário com roupas, cama, mesa com café da manhã (só no início, 1º mês).

Eu era o diretor e redator. Foi o primeiro programa da MTV a não falar sobre música. A idéia era falar de qualquer coisa... qualquer coisa mesmo! Tanto que uma de minhas fontes era o recém-lançado Guia dos Curiosos, de Marcelo Duarte. Fora ele, eu usava almanaques, jornais, enciclopédias, revistas e outros livros. Se na época existisse internet eu o faria com o pé nas costas.

Era difícil escrevê-lo. Eram muitas cabeças para gravar! Eu escrevia de tudo: esporte, comida, cinema, atualidades, comportamento, sexo, mundo animal, cultura inútil, efemérides e até música! Chegou a um ponto em que comecei a entrar em paranoia por falta de fontes. Qualquer coisa virava texto para o Na Chapa. Escrevia tarde da noite, nos finais de semana... ele começou a me ocupar por todo tempo. Eu podia estar em casa tranquilo vendo jornal na televisão e se viesse uma reportagem com um assunto legal lá ia eu pegar papel e caneta para escrever um texto. Em 1996 teve as Olimpíadas e o cinema completou 100 anos. Criei séries de textos com esses temas.

Eu não escrevia no computador - só tinha um no departamento inteiro. Nessa época textos de todos os programas eram escritos à mão no próprio espelho do programa. Por serem maiores, os textos do Na Chapa eu escrevia em uma folha sulfite a parte.


Passei um bom perrengue com a criação desses textos e isso foi mais do que uma escola pra mim. Para Cazé também, já que não havia teleprompter, e ele muitas vezes só conseguia o texto pouco antes de gravar (eu fazia de tudo para entregar um dia antes). Esses textos ajudaram a moldar o tipo que Cazé criou.

Claro que não falo por ele. Falo por lembrar de seu esforço, sua concentração e evolução, afinal, gravávamos de 2ª a 6ª.

Fora os textos cabeludos, Cazé ainda era obrigado a chamar o clipe que iria passar na sequência, e isso era péssimo, já que ele tinha que decorar um texto sobre a vida das abelhas e depois ainda falar “e agora vamos ver Sheryl Crow com All I Wanna Do”. Isso atrapalhava. Levei à direção da emissora o pedido para que Cazé não mais anunciasse os clipes. Deu rebu! Pode? Não pode? No fim das contas os nossos argumentos venceram a direção. Não anunciar clipe foi outra revolução e nos ajudou pra caceta! Hoje isso pode parecer banal, mas na época foi motivo de muita conversa e discussão. Inclusive teve gente que não gostou...

Eu fazia especiais sobre grandes nomes da música, da literatura, do cinema. Dediquei programas inteiros a Charlie Parker, Alfred Hitchcock, história do Brasil...

O Na Chapa era gravado cedo, em torno das 8h-9h da manhã e sua gravação era demorada. Nessa época o Teleguiado começava ao meio dia, então o cenário foi pensado para essa facilidade de se mudar rapidamente. As paredes laterais do quarto (onde ficavam a cama, os armários) eram de rodinhas e o lado oposto delas era o cenário do Teleguiado, ou seja, acabava a gravação do Na Chapa, recolhíamos todos os objetos, virávamos a parede e pronto! Era o tempo do Cazé sair, comer algo rapidamente, trocar o figurino e ir para o estúdio novamente.

No Teleguiado usávamos, muito pouco, uma micro câmera que já era ligada e balanceada junto com a câmera do Na Chapa. Não deu outra: em menos de um mês estávamos nós no Na Chapa usando a micro muito mais que no próprio Teleguiado (toda a equipe era a mesma nos dois programas). A usávamos tanto que chegou um momento que desisti da betacam e passei a usar apenas a micro câmera. Digo de brincadeira, apesar de ser verdade, que o Na Chapa foi o primeiro programa diário da TV brasileira a ser feito 100% com micro câmera. Coincidência ou não, depois disso o uso de micro câmeras em programas de televisão aumentou consideravelmente.

Da mesma forma que surrupiei a micro do Teleguiado, Cazé também passou a usar os textos do Na Chapa como pauta para o Teleguiado. Ele, na verdade, gostava, antes do programa, de sentar e folear alguns jornais atrás de assuntos bacanas, mas nem sempre ele conseguia fazer isso, então passou a usar os textos que já tinha em mãos. Depois o Teleguiado passou a ser das 20h as 20h30.

No Na Chapa eu inclusive usava recursos da mesa de vídeo para fazer um programa inteiro em preto e branco, colocava sujeiras na tela (como nos filmes velhos de Super 8), duplicava o Cazé no vídeo e todo dia inventávamos algo diferente para fazer.

Esse maravilhoso programa me sugou muito, mas foi um verdadeiro laboratório principalmente pra mim e para o Cazé. Aprendi muito.

Até Zé do Caixão fez o Na Chapa!

PS: Infelizmente não há nada do Na Chapa no You Tube. Dedico o texto ao Ticão que, apesar dos contra tempos da vida, continua piadista. Uma lição!

A trilha sonora era sempre com músicas mais calmas: Frank Sinatra, Carpenters, Durutti Column, Al Green, Chopin, Glenn Miller, entre outros. Na maioria das vezes eram CDs meus, e uma das trilhas recorrentes era Neil Young.

2 comentários:

luís felipe disse...

Tinha 11 anos e via esse programa quase todo dia. Era grande fã. Formou meu caráter musical.

Barão de Além Vilarinho disse...

Por muito tempo pensei que eu fosse a unica pessoa da terra que assistia ao Na Chapa. era viciante pra mim. Eram impagáveis as experimentações. Mesmo sendo jovem eu me sentia atraido por esteticas conceituais.

Eu curtia quando Caze recitava frases e sempre anotava. Lembro ate hj de uma frase do Winston Churchil dita no programa: "O preço da grandeza é a responsabilidade."
Grande trabalho o seu. A história te deve mais prestígios do que vc imagina mano.