8 de agosto de 2010

Série Anos 1990 SP: 3 – Filosofia barata sobre a virada da década

Mosh no Garage (1993)**
O rock brasileiro feito na primeira metade dos anos 1990 começa a se explicar no final dos anos 1980. Foi a soma de vários acontecimentos que o tornou praticamente internacional. A corrupção cabeluda do governo Sarney acrescido da corrupção cabeluda do governo Fernando Collor de Melo, fez o país afundar de vez.

Houve mudanças drásticas na economia, invenção de planos econômicos micados, cortes de zeros, ganhos com inflação, mudanças de moedas. Uma verdadeira bagunça econômica que deixava todo mundo perdido. O primeiro desses planos foi o plano Cruzado, onde todos ganhavam com a inflação (???), assim o consumo aumentou tanto que começou a faltar produtos nas prateleiras, inclusive os supérfluos.

OKotô no Aeroanta (1994)**
Todo mundo saiu ganhando. Na música, todos os artistas solos ou bandas vendiam horrores. Quem não vendia é porque era ruim mesmo. Foi nesse cenário que RPM se tornou fenômeno, vendendo 2 milhões de cópias em mais ou menos seis meses (estouro perecido Mamonas Assassinas fez no 2º semestre de 1995). As agendas de shows estavam abarrotadas.

Mas passada essa euforia, o absurdo de se ganhar com inflação, os economistas cabeças-de-bagre começaram a mudar as coisas novamente e aos poucos o poder de compra do cidadão foi desaparecendo. Quando chegou 1989, o país estava afundado, ninguém tinha dinheiro. E agora, mesmo quem tinha carreira estável, se viu afundado em fracasso de vendas e agenda cada vez mais vazia.

Em se tratando de qualidade, os discos brasileiros já tinham melhorado muito desde os primeiros lançamentos dessa geração em 1981 e 1982 (Gang 90, Blitz, Lobão, João Penca, Léo Jaime). Pode-se pegar o exemplo do Titãs e comparar o primeiro disco da banda com o Jesus Não Tem Dentes...

Pica Pau do Kangaroos in Tilt
Ainda em 1989 tiveram lançamentos que venderam muito bem como As Quatro Estações (Legião), Õ Blésq Blom (Titãs), O Tempo Não Pára (Cazuza) e Cardume (Nenhum de Nós). Agora se você perceber os lançamentos ocorridos entre 1990 e 1991, com exceção de O Papa é Pop (Engenheiros do Hawaii), verá que não venderam tão bem como os anteriores: V (Legião), Tudo ao Mesmo Tempo Agora (Titãs), Estraño (Nenhum de Nós), Por Que Ultraje à Rigor? (Ultraje), Os Grãos (Paralamas). Álbuns que se você escutar perceberá a boa qualidade, porém com baixas vendagens.

Essa baixa repentina se deve ao governo Collor, que confiscou o dinheiro dos brasileiros e acabou com o Ministério da Cultura e todo e qualquer incentivo nesse sentido. Aí azedou de vez. A perspectiva para a nova geração não era nada boa, até porque ela tentou surgir, as gravadoras tentaram renovação, mas justamente a crise atrapalhou. Gueto, Nau, Skowa e a Máfia, Inimigos do Rei, Picassos Falsos, Hojerizah, Conexão Japeri, são exemplos de boas bandas que gravaram, mas não vingaram.

Killing Chainsaw no Juntatribo (1994)
Assistindo a tudo isso estava à próxima geração, que deixou de acreditar no que era feito aqui e passou a olhar apenas para fora do país. Timidamente chegou a MTV. A abertura da importação também ajudou. Mas um fato foi definitivo para que essa nova geração acreditasse que podia fazer música internacional: Beneath the Remains, primeiro lançamento do Sepultura pela Roadrunner Records, e seguido dele, em 1991, veio Arise. Vixi!

Mas independente do sucesso de Sepultura, já em 1989 começaram a surgir Killing Chainsaw, Harry, Pin Ups, Yo Ho Delic e outras bandas que além de não enxergarem futuro no país, também não eram grandes fãs do rock brasileiro.

Na noite paulistana, depois do fim das danceterias, começaram a surgir casas com DJ e música eletrônica tipo MARS (“Pump Up the Volume”), Les Rita Mitsouko (“C’est Comme Ça”) e o rock com eletrônica tipo Stone Roses e Happy Mondays.

Analisando de forma geral, o cenário não estava para rock. As casas eram Rouge, Nation, Columbia, Aeroanta e essa virada de década também ficou marcada pela invasão das bandas covers. As casas que continuavam com música ao vivo, não tinham dinheiro para contratar as bandas que agora estavam grandes e não havia bandas medianas que chamassem público, então a saída barata era contratar bandas que tocavam músicas covers, que foram se profissionalizando cada vez mais e se tornando especialistas em determinados nomes estrangeiros. A mais famosa delas foi a U2 Cover, que nesse período 1990-93 chegou a ganhar mais dinheiro que muito artista autoral consagrado. O próprio Aeroanta foi precursor nessa história de cover, porque depois do grande sucesso que teve a noite Black, outras noites temáticas foram criadas e festas com elas, que aconteciam durante a semana, faziam grande sucesso. Assim essas festas e bandas covers ganharam vida própria.

Little Quail no Aeroanta (1994)**
Mas mais uma vez as coisas começaram a mudar com a queda do governo Collor e a chegada de Itamar Franco. Em 1993 veio mais uma nova moeda, o Cruzeiro Real, e a tentativa de frear a inflação e achar definitivamente uma fórmula estável para a economia brasileira. Mas a mudança era para o bem e os reflexos começaram a ser sentidos já em 1993, quando começaram a surgir novas casas de shows em São Paulo. Também em 1993 a MTV Brasil começava a fazer efeito entre os jovens, mas o mercado de clipes ainda não estava bem, tanto é que a própria MTV produziu alguns clipes exatamente com a intenção de estimular as gravadoras e produtoras (leia-se produtoras de filmes publicitários).

E foi com o circuito Aeroanta, Retrô, Der Temple, Cais que uma nova cena underground passou a ser desenhada. Tudo foi acontecendo naturalmente.

Muita gente já se encontrava no Aeroanta, no Dama Xoc, Cais e conforme as casas iam abrindo, elas entravam no circuito, principalmente as que ficavam na região central da cidade. As bandas começaram a pipocar e quando uma achava um local de show, logo outras estavam lá tocando.
Capa do 1º disco de Pin Ups (1990)

Aeroanta, Retrô, Der Temple, Cais, Garage, Dama Xoc, Britânia, Phoenix, Urbano, Columbia, Black Jack, Woodstock, Dynamo. Essas são algumas das casas com música ao vivo que eu lembro dessa época. Tinham outras, mas não muito significativas ou que apareceram e desapareceram rapidamente.

Bandas também tinham zilhares, escorriam pelos dedos, mas as mais freqüentes nesse circuito conhecido eram: Tube Screamers, Kangaroos in Tilt, OKotô, Yo Ho Delic, Rip Monsters, Pin Ups, Stigmata, Pit Bulls on Crack, Volkana, Little Quail, Killing Chainsaw, Muzzarelas, Garage Fuzz, Croncreteness, Mickey Junkies, No Class, Pinheads, Loop B.

Pit Bulls on Crack (1993)**
E todo mundo se encontrava nos shows, nos bares. Todo mundo via show de todo mundo. Todo mundo tocava com todo mundo. Todo mundo sonhava em apresentar sua fita para a Roadrunner ou até mesmo Def Jam. Todo mundo queria juntar dinheiro para ir morar em Los Angeles, Londres ou Nova Iorque. Todo mundo queria ter um clipe para rodar na MTV, mas poucos conseguiam.

Ninguém pensava no Brasil. Até chegar 1995. Até chegar Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi, Skank, Planet Hemp, O Rappa e Pato Fú.

** Fotos exclusivas






Um comentário:

Pizza disse...

Paulão, tema prá livro hein....