25 de fevereiro de 2014

Série O Resgate da Memória: 35 - Plebe Rude na Roll (1986)

Em 2006 Plebe Rude lançou seu 5º disco de estúdio chamado R ao Contrário. Pra mim, alguns podem achar exagero, é o sucessor direto de O Concreto Já Rachou. Como diria meu amigo espanhol: "êpêtácular!".

A Plebe é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores bandas de sua geração, e uma das melhores na ativa. Agora em 2014 vai lançar seu novo disco de inéditas, atualmente em fase de finalização. Tudo nas mãos do perfeccionista Philippe Seabra. Uma das coisas que mais gosto da banda é de seu humor cínico. Pra piorar isso (no bom sentido hahaha) em 2004 Clemente (Inocentes) entrou para a banda.

Na ansiedade da chegada desse novo disco, posto aqui uma curta entrevista da Plebe Rude publicada na revista Roll de 1986.



REVISTA ROLL – ANO 3 – Nº 36 – OUT/1986

Os 4 rapazes aí de cima não estão armando boa coisa. Philippe e André meditam profundamente. Gutje tem os punhos cerrados de quem parte pra briga. Jander dá um sorriso amarelo pra disfarçar. Foi nesse clima que a Plebe Rude recebeu ROLL para uma entrevista, onde os 3 soltaram o verbo (Jander estava preso no engarrafamento) e não pouparam nem o Ministério da Fazenda.

Por Heloísa Fischer

É uma heresia começar a conversar com a Plebe Rude sem antes fazer uma menção especial a Brasília. Afinal foi lá que, há 5 anos, a banda germinou e cresceu.. Naquela época havia uma turma que andava sempre junta e vivia em função da música que rolava lá fora. Capital Inicial, Legião Urbana, Finis Africae e Plebe eram as pessoas jurídicas de Dinho, Fê, Renato, Philippe, etc...
Apesar de Brasília ser o embrião de tudo, a Plebe só estourou mesmo só depois que começou a trabalhar no mercado carioca. Atualmente o Brasil inteiro ouve o mini-LP da banda. Tanto que se pode dividir a história em A.C. e D.C. (antes e depois do Concreto Já Rachou). Hoje, ano 1 D.C., a Plebe não paga mais os shows do próprio bolso, nem se hospeda de favor em casa de amigos. Eles conhecem, senão todo o Brasil, pelo menos todos os aeroportos, kombis, hotéis e DJs do Brasil. Cada um aperta a mão de mais de 300 pessoas em cada cidade. Será que a Plebe Rude entrou no esquema?


Philippe – A gente continua muito fiel a nossa música. Foi o esquema que se adaptou ao nosso som. Além do mais, já que o esquema está aí pra ser usado, que seja bem usado.

Roll – Vocês estão morando no RJ há um ano. Será que muda a atmosfera da banda, que sempre esteve muito ligada ao clima de Brasília?

Philippe: Morar no Rio não quer dizer que vamos botar bermudão e começar a tocar Reggae. Muito menos começar a usar tranças e achar que o caminho é a África (risos).
André: Brasília é a nossa Mecca.

Roll – Será que o comportamento político é o caminho do rock brasileiro?
Philippe: Não existe uma obrigatoriedade das pessoas ficarem protestando, foi apenas uma das fórmulas que deu certo. Sempre irão existir outras coisas, e eu dou graças a Deus. Se todo mundo no Brasil levantasse ao mesmo tempo uma bandeira política seria um saco. Tem que ter um Guilherme Isnard pra estar do lado dizendo que “É bem melhor falar de amor do que dos vícios do poder”. Só música engajada o tempo inteiro cansa.

Roll – E os problemas dos direitos autorais. Como é que fica?
Gutje (que acaba de chegar do sindicato) – Eu acho que era a hora dos músicos começarem a se preocupar mais com eles mesmos e abrir olhos para uma série de absurdos dentro da própria classe.
Philippe – Pois é. Pra tocar, músico tem que ter a carteira de músico e pagar duas vezes: no sindicato e na Ordem dos Músicos do Brasil. A OMB não serve pra nada, não move uma palha pelos direitos de quem já tem disco gravado. Pra músico de churrascaria ela serve, controla e protege a classe direitinho.
Gutje – O sindicato e a Ordem são dois sanguessugas. Por que não juntar tudo numa entidade só?
André – Uma vez, a gente estava tocando no sul e só tinha a carteirinha da Ordem. Pra ter essa carteira, tem que, antes, pagar o sindicato, senão não tira. O produtor do show só queria liberar se a gente tivesse o recibo do sindicato!
Philippe – Nenhum trabalhador do Brasil é obrigado a ser sindicalizado. E o músico, além de pagar sindicato, é obrigado a ter carteirinha de músico, uma obrigação legal que não serve pra porra nenhuma. Pra liberar qualquer show, tem que se apresentar registro da censura, do sindicato, da Ordem. É uma dor de cabeça que tem grupo que não dá show por causa disso. É uma burocracia que capa a cultura desse país.

Roll – E a importação de instrumentos?
Philippe – Todo equipamento importado no Brasil foi conseguido por con-tra-ban-do.
Gutje – Equipamento nacional não presta, apesar de haver no país a maior infra-estrutura, com as melhores madeiras, aço pra caramba. Simplesmente as pessoas não investem.
Philippe (indignado) – Até pandeiro é importado, uma meia-lua que saiu agora, um puta pandeirão. Só mesmo escola de samba que usa pandeiro nacional. Violão? É tudo ovation. Fica engraçado ver os grandes músicos brasileiros chegando de viva-a-música-brasileira empunhando um puta violão ovation importado.
Gutje – Agora, no caso da ferragem pra bateria, a coisa está começando a melhorar. Tem um cara em Sp que está fazendo um trabalho decente, e outro que começou a desenvolver uma bateria eletrônica com know-how nacional. O mercado está engatinhando, vai demorar muito até a coisa crescer.
Philippe – Sabe por que a industria nacional de instrumentos é super desleixada e leiga? Por que existe uma super taxação de importação entre 300% e 400%, inviável para qualquer músico. No minuto em que liberarem a importação, os fabricantes irão ver que precisarão fazer alguma coisa a respeito, porque as pessoas vão comprar lá fora numa boa. Ninguém mais vai comprar mercadoria nacional. A industria brasileira vai ter que se reativar de qualquer jeito.

Roll – E o ECAD também não funciona, né?
Gutje – Deveria haver algo como Eurythmics. Eles abriram sua própria editora, a própria produtora de vídeos, está tudo sob controle deles. Só assim alguém consegue se dar bem em termos de direitos autorais. Um dia a gente vai montar a nossa editora.

Roll – Vocês já tem planos para o próximo disco?
Gutje – Vai ser preto, com um furo no meio. A gente tá pensando em colocar um cara pelado, com um buraco... (gargalhadas).

Philippe – Uma coisa é certa, vai ser gravado com mais calma e em mais canais (O Concreto Já Rachou foi gravado em 16).


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