23 de maio de 2014

Canções com Sustância

Há dois anos publiquei aqui um texto sobre o fim da música autoral. Rendeu 9 comentários e, em um deles, a pessoa ficou indignada por eu dizer que a importância da música autoral hoje não é a mesma de tempos atrás. A qualidade das atuais composições caiu vertiginosamente, e não importa o gênero musical.

Percebo que das bandas novas não há muita coisa pra sair. As ideias são limitadas, tanto na parte musical, quanto no texto. Mas quando falo em qualidade inferior não quero dizer que as músicas tem que ter cunho político, como a pessoa que se irritou comigo pensou. As músicas, além de bem feitas e arranjadas, precisam ter bom texto, com conteúdo interessante. Com algo a mais.

Um bom exemplo atual é o novo do Titãs chamado Nheengatu. Grande disco! Ali não há só músicas de protesto, mas músicas que abordam fatos bastante pertinentes do nosso dia a dia. Se é para escrever qualquer besteira, então basta escutar Mamonas Assassinas, Dr. Silvana ou Fresno.

É muito mais legal escutar músicas que nos deem algo a mais. É bom escutar uma canção inteligente que nos faz pensar como, por exemplo, “Cachimbo da Paz” do Gabriel O Pensador. Cito também Barão Vermelho que tem diversos discos com canções fortes e que não abordam política, e sim o amor, a amizade, o dia a dia.

Pode sim ser uma música de amor ou qualquer outro tema, mas tem que ser escrita de forma inteligente. Não basta colocar palavras soltas no papel só pra “casar” com a melodia. “Resposta” do Skank, “Quase Um Segundo” do Paralamas ou “Andréa Dória” da Legião são ótimos exemplos de músicas de amor muito bem resolvidas. São canções que vão além da rima amor com dor. Na verdade sobram bons exemplos de discos e composições com ótimo conteúdo (escolhi alguns para ilustrar essa publicação).

O que percebo ao ouvir novos artistas que surgiram de 5 anos pra cá, e mesmo artistas que já estão aí desde o início de 2000, é a fragilidade na carreira, nas composições. Percebo dificuldade para se desenvolver novas e boas ideias. Natural, já que tudo já foi feito. É o azar de quem quer se meter a ser artista nos tempos atuais. O certo seria esses novos nomes se esforçarem mais para fazer canções com mais sustância, antes mesmo de mostrar algo pra alguém – até mesmo pra família ou amigos.

Mas não, ao invés disso, essa rapaziada nova compõe como se ninguém antes dela tivesse feito algo bom, como se ela fosse pioneira. Essas pessoas agem como se fossem descobridoras de novidades. Pelamordedeus! Isso é vergonhoso!

A cada ano surgem novos artistas que querem redescobrir tudo o que já foi descoberto e redescoberto mais de mil vezes. Sempre tem alguém que quer se achar o redescobridor de Arnaldo Baptista, de Mutantes, Novos Baianos, Chico Buarque e a MPB dos anos 70, de Tim Maia ou Jorge Ben Jor, da Jovem Guarda, etc.

Esse pessoal que ainda cheira a fralda acha que é esperto, mas acaba passando vergonha em achar que tem algo novo para apresentar. Quanto mais novo o artista, mais trabalho ele terá, pois é preciso conhecer o que já foi feito, os artistas de gerações passadas, seus discos, o repertório, tudo. Coisa mais normal hoje é escutarmos músicas que nos dão àquela sensação de já termos escutado antes. Acho ridículo, por exemplo, esses grupos de samba de classe média que surgem crentes de estar fazendo algo inovador.

Voltando ao Titãs, olha que exemplo legal! É uma banda que já tem mais de 30 anos e 17 discos lançados, e ainda assim conseguiu lançar um novo trabalho com letras e músicas com sustância. Por quê? Porque gostam do que fazem. Porque conhecem música, conhecem MPB, samba, rock brasileiro, rock internacional. Porque gostam de ler livros, revistas, jornais, sites. Porque vão em busca de conhecimento, porque tem vontade de se superar e, acima de tudo, porque estão nessa por amor e não para aparecer. E também porque têm paciência em elaborar uma boa composição, trabalhar em cima, reescrever, escutar, analisar, saber maturar a ideia antes dela tomar vida própria.

Você escuta, por exemplo, “Fardado” a primeira música desse novo disco do Titãs, e percebe boas sacadas feitas a partir de algo simples. Fazer o banal, por vezes, é mais complicado do que parece. Mas como fazer algo tão legal com um tema tão simples? É conhecer bem o conteúdo que está sendo trabalhado, é saber lidar bem com as palavras, trabalhar bem a composição. Mas para isso é preciso conhecimento, domínio do que se faz.

A coisa está braba e, como já disse outras mil vezes, vai continuar assim ou piorar ainda mais.

E você que acabou de formar uma banda ou quer fazer uma, pense bem antes de se arriscar. Se é pra ser mais um, mais do mesmo, então melhor desistir da ideia. Talvez seja melhor você conhecer a música brasileira, conhecer melhor a história do rock, as grandes bandas e artistas, para depois ver se você realmente será capaz de fazer algo diferente. Faça uma autoanálise para saber se você tem capacidade de escrever boas letras, se tem conteúdo suficiente para isso.

Não basta compor uma dúzia de músicas chulas para lançar um CD baseado na sua ansiedade em aparecer para os amigos e menininhas. Uma forte carreira artística musical vai muito além de 12 músicas, ainda mais aqui no Brasil, onde é praticamente um milagre você conseguir viver de arte, seja ela qual for.

PS: Nunca é demais lembrar que uma boa canção se torna atemporal, mesmo sendo mal gravada.






Um comentário:

Anônimo disse...

Toquinho falando sobre qualidade musical...

http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/05/28/qualidade-musical-da-safra-dos-anos-de-1960-e-1970-dificilmente-sera-repetida.htm