13 de março de 2011

Série O Resgate da Memória: 18 - Debate Bizz Rock Brasileiro (5 de 6)

Revista Bizz - fevereiro/1988
Debate Rock Brasileiro - Parte 5
Que barulho é esse?


João - Mas uma coisa que eu sempre quis saber é o que vocês entendem por rock, aqui no Brasil. O que é rock para vocês?
Jean-Yves - O rock é um estado de espírito...(alguém vaia).
Lemos - Rock, hoje em dia, é uma palavra que não significa mais nada. Nem rebeldia nem nada. Rock vende sabonete na televisão, vende vodka na televisão...
Scowa - ... E a atitude... (discussão generalizada).
Herbert - Que atitude, Scowa? É música, as pessoas fazem música, e quem quer música usa os meios para vender, quem não quer...
João - ... Mas não dão espaço para as pessoas, cara. Pra você vender um disco você tem que tirar a distorção da guitarra e cantar "Ai meu Deus do céu, porque a vida..!´
Herbert - Não senhor. A Legião tirou a distorção da guitarra? Não tirou.
Sandra - Sem espaço nas rádios, não dá pra ser independente...
João - Ratos de Porão nunca vai tocar na rádio, cara, nunca.
Herbert - (irônico) Que bom, heim?
Paulo Ricardo - Vocês preferem morrer do que tocar para um monte de gente, eu acho isso absurdo. Vocês são cheios de preconceitos com o público, pô.
Renato - ...Não sei, eu não entendo dessas coisas, porque eu nunca fui proletário nem nada, mas quando os Pistols bateram, bateram pra caramba... A gente tocava pesadíssimos, entendeu? Agora, a gente tinha uma formação e classe média, tinha mais acesso a outras coisas...
João - A gente também quer que mais gente conheça nosso som, mas as pessoas não dão esse espaço...(balbúrdia. Frase entreouvida: "Eles não querem é tocar no Chacrinha")
Lemos - O problema não é tocar no Chacrinha. Se o Chacrinha fosse o culpado de tudo... (balbúrdia. " A gente matava o Chacrinha", alguém completa).
Herbert - E os Inocentes? O que você acha dos Inocentes?
João - Não acho nada, cara.
Paulo Ricardo - Você acha que eles perderam a inocência?
João - Perderam a inocência e viraram cafrengas, pronto (risos).
Herbert - Que é isso, cara? As guitarras de "Pátria Amada" são as mais pesadas e mais bem gravadas que eu já ouvi...
João - Não é, cara, a gente conseguiu reunir dois públicos, o punk e o heavy. Público heavy é na maioria molecada, que tem 12, 13 anos: Eles compraram nosso disco, e a gente está conseguindo misturar isso. Tanto que no nosso show tem de tudo, careta, cabeludo...A gente não tem preconceito.
Paulo Ricardo - Tem sim. Se você for ao Chacrinha vai ter uma porrada de gente que não tem acesso a São Paulo, aos Porões de São Paulo... (começa uma discusSão aberta entre João Gordo e Paulo Ricardo, com todo mundo dando palpites).


Charles - Deixa eu falar uma coisa... Vocês estão pensando em termos de mercado como uma coisa só, e não é. Supondo que isso fosse um bolo, existem fatias grandes, fatias pequenas... Eu me identifico tanto com o trabalho dos Ratos de Porão quanto com o dos Paralamas, que são duas coisas completamente distintas... O nosso disco anterior, o Cabeça Dinossauro não tocou no rádio. Quando levaram na Jovem Pan, o cara falou: "Não vou tocar essa merda". Foi tocar no rádio muito depois, e na Jovem Pan nunca tocou. Nunca, verdade. (discussão com Paulo Ricardo: "Tocou, não tocou? Ou você acredita na minha palavra ou não. Não tocou, mas vendeu! Depois de seis meses, quando chegou a um número de vendas, aí a gente se perguntava: "Mas não toca na rádio, como é que a gente pode vender?" Com o terceiro disco, nós fomos simplesmente excluídos do rádio. E descobrimos um mercado que estava à parte, que pensa fora dos meios de comunicação. A gente, por uma sorte, atingiu esse mercado que comprou nosso disco. Eu acredito que de a ser em torno de cem mil... Existem cem mil consumidores no Brasil que pensam com coerência...
Lemos - Está acontecendo a mesma coisa com a gente. Estamos chegando a cem mil discos vendidos e não tocou, tocou pouco...
Scowa - Dizem que "Tique-Tique Nervoso" (sucesso de Kid Vinil), que tocou tanto que ninguém agüentava mais ouvir, vendeu só vinte mil cópias. Quer dizer, tocar no rádio também não garante...
Charles - Então, existem mercados... mercados que se comportam... Deixa eu concluir... Então quando a gente pensa em cifras maiores... (Paulo Ricardo faz piadinhas e atrapalha o raciocínio do titã).
Charles - Cê tá foda, Paulo Ricardo!
Lemos - Está precisando de palco (risos, confusão. "É, você está precisando de uma mordaça", diz alguém).
João - Tá precisando de... (faz um gesto obsceno).
Lemos - Cem mil é perto da circulação da BIZZ, e chegam centenas de cartas por mês de gente que não é nem um pouco burra. Gente que, se você escreve o nome de alguém errado, manda pelo menos vinte cartas. Eu fiz uma crítica do segundo LP da Legião, teve um cara que escreveu uma carta me xingando, tirou trinta xerox da carta e mandou as trinta, todo dia chegava uma (risos), quer dizer, tem que respeitar esse pessoal O rádio não faz a cabeça deles. Só que eles são ignorados. Eles são a base - já existe um público crítico e inteligente. Cem no mínimo.
Alex - Esse público interessado existe, sabe? No Paraná, com o Akira S, a gente viveu uma experiência genial. A gente foi pra lá junto com o... como é que chamava aquele grupo?... Uns caras que estavam tocando na rádio. Era um desses grupos que imitavam o Police. Chuta aí. (Duas ou três pessoas respondem: "Os Paralamas!" risos).
Alex - Não, não era esse (risos). Os caras convidaram a gente para abrir o show deles, por acaso, porque outra banda não topou. E os caras já eram mais ou menos conhecidos, tinham um hit no rádio, e ficaram putos da vida, porque em Londrina, no Paraná, a gente acabou aparecendo para a midia como banda excêntrica, inovadora, não sei o que... E as pessoas andavam atrás da gente na rua, a imprensa local nos procurou, não procurou a outra banda... Os caras (era o grupo Degradée) depois queriam expulsar a gente do ônibus... Então existe, eu estou clamando aqui pelo reconhecimento desse público e pela abertura desses canais, porque a partir disso as bandas que têm alguma coisa a dizer encontram seu nível, adequam os seus preconceitos aos pré-conceitos da sua platéia e foda-se! É essa a diferença, porque existe dentro dessa sala gente que quer chegar à massa, aos milhões, tem nego aqui que já é chegou, e tem nego que nem pretenda isso.

PARTE 6

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