10 de março de 2011

Série O Resgate da Memória: 18 - Debate Bizz Rock Brasileiro (2 de 6)

Revista Bizz - fevereiro/1988
Debate Rock Brasileiro - Parte 2
Que barulho é esse?


Lemos - Fico um emaranhado, a gente não sabe bem por onde puxar o fio. Há muito coisa para se resolver - por exemplo, direitos autorais. Tem uma mamata - muito grande aí que é a seguinte: as editoras musicais(que fazem o registro das composições, e cobram os direitos de execução e venda) selo das gravadoras. Então, não tem controle possível lá fora, nos Estados Unidos, na Europa, isso é impensável. As editoras cobram das gravadoras...

Gutje - É, o artista que vende cem mil cópias nos Estados Unidos está quase rico.
Renato - Eu acho que no Brasil a coisa mais interessante é que as bandas principais, são todas muito, mas muito boas. Às vezes a gente não percebe isso. Então, o Bruce Springsteen, ou o Michael Jackson, com quatro hit singles (sucessos lançados em compacto), vendem 35 milhões de cópias. No Brasil, quatro sucessos, é o mínimo para se vender cem mil cópias de um LP! Todas as bandas aqui, até o Ira!, os Titãs, a gente, é sempre assim: quatro, cinco sucessos e você trabalha em um formato só, nós não podemos lidar com o single, porque isso não existe, aqui você só lança álbum, não há definição de mercado... A imprensa vem te entrevistar citando toda a história do rock´n´roll, mas a parte da estrutura é dos anos 50! A garotada está muito mais evoluída do que isso. É como se tivesse desde a coisa mais primitiva até a mais evoluída, ao mesmo tempo, no país. De repente você tem os compact discs e toda uma estrutura louca de consumismo, você pega a TV no horário nobre e vê aquelas propagandas que ganham prêmios no exterior. Ao mesmo tempo o povo está passando fome, e você é obrigado a conviver com um esquema de rock´n´roll que é totalmente estapafúrdio.
Lemos - Eu acho que o Brasil se ressente da falta de um mercado mesmo, de ter sucessos como o de um George Michael. Esse mercado de base não existe. Porque não existe um mercado de compacto no Brasil?
Renato - É estranho, porque nós somos o quinto mercado mundial, vende-se para caramba no país. Isso é um paradoxo.
Charles - Eu posso falar alguma coisa sobre isso. Quando a gente ia lançar o Jesus Não Tem Dentes..., a gente tinha um excedente de material, que não daria para fazer um álbum duplo. Tivemos uma reunião com a gravadora,e nossa proposta foi lançar um single, e que no lado B desse single tivesse duas músicas inéditas, como se faz em todo o mundo. E é um produto simples, porque como a gravadora tem que fazer algo parecido, um disco para entregar para todas as rádios, chamado promo (um disco com uma, duas, três ou quatro faixas, em formato de LP e 45 rotações, com as "músicas de trabalho" - as que devem tocar no rádio - de um ou mais artistas), a gente achou que seria super viável. O que a gravadora disse é que o mercado do Brasil não está acostumado com single. Que um disco como o que o RPM fez, com duas faixas com o Milton Nascimento, deveria ser vendido a um preço mais baixo, mas os lojistas vendiam a preço de LP. O lojista se recusa a vender single. Ele tem a noção de que aquele compacto, não importa o número de faixas. que tenha, deve ser vendido a preço de LP,porque tem o mesmo tamanho...


Thomas - É picaretagem mesmo, porque eles compram mais barato no atacadista.
Charles - Eles compram. Foi o que disse. E a gravadora respondeu: você vende para o lojista mais barato, e ele pode cobrar mais barato do consumidor. Mas o lojista diz que não, que não adianta vender mais barato porque as pessoas não compram! O próprio consumidor tem um, preconceito porque não conhece isso. Então o lojista iguala ao preço do LP, e as pessoas não vão comprar do mesmo jeito... Foi essa a justificativa da gravadora. Batemos o pé, mas projeto foi vetado. Tem duas músicas nossas inéditas por essa razão.
Lemos - Não daria para imprimir o preço na capa, como se faz lá fora?
Charles - A gente pensou nisso. Quando eles vieram com essa coisa de que o preço sempre sobe, a inflação, dissemos: "Muito simples. Não precisa imprimir, usa uma etiqueta". Aí eles disseram que single não faz parte do repertório industrial da empresa, e ponto.
Gutje - A respeito de preço, acontece mesma coisa com a numeração (há países, como a Itália, em que cada cópia de um disco é numerada, para evitar que os artistas sejam lesados em sua participação nas vendas, caso a gravadora anuncie uma venda inferior à real). Não se consegue fazer isso, por quê? O cara da gravadora diz: "Não dá para numerar o disco, vai ter que mudar maquinário. Isso é papo furado. Não tem que mudar porra nenhuma. Se a censura pode pegar um disco e riscar um por um, por que não dá para escrever um numerozinho ali? É o tipo de coisa que não dá para entender. O disco da Legião. Vieram me falar: "Pô, o disco da Legião tá 700 cruzados (isso em dezembro; em março mais de 1.000,00). Tudo bem, o encarte tá super bem feito e tal, mas, pô, 700 cruzados, porquê?"
Lemos - Aquelas coisas de "série luxo"...
Gutje - O pessoal das gravadoras está se, dando mal, e não está percebendo. E aí acaba revertendo isso para a gente também, que não está vendendo disco. Acho que o que tem que acontecer é o que os Eurythmics, por exemplo, fizeram: eles tomam conta de tudo, tem, sua própria editora, sua produtora de vídeo, têm o controle de tudo.
Paulo Ricardo - Mas no Brasil isso é inviável...
Lemos - Você pode começar de uma maneira mais simples. A gente abriu uma editora. O Capital Inicial tem sua própria editora. Você só precisa ter uma pessoa em quem você possa confiar e usar para começar a ter um controle maior sobre sua obra. Eu, por exemplo, nunca recebi dinheiro do ECAD (entidade que monopoliza a arrecadação de direitos autorais). Recebo 30 cruzados por um show em que foram duas ou três mil pessoas - um show que rende um milhão, era, para dividir cem mil entre os artistas, que dez por cento para o ECAD -, e você recebe mil cruzados ou menos. O ECAD te paga como se tivessem sido 200, 300 pagantes...
Paulo Ricardo - Eu recebo tudo.
Lemos - Mas vocês foram à luta para isso, cara. Ninguém te deu isso de mão beijada...
Paulo Ricardo - Eu não sei. Eu nem penso em negócios (discussão generalizada)...
Herbert - Mas tem um monte de gente para pensar para ti, cara!
Renato - Eu acho isso chato "porque a gente começa pensando em música, sabe, e, depois tem que ir para esse lado, isso desanima pra caramba...(discussão generalizada)

PARTE 3

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