Houve um tempo em que colocar uma camiseta de uma banda de rock era
algo realmente significativo. Uma época em que esse gesto realmente dizia algo,
fazia a diferença e colocava você na ala dos “diferentes”.
Estou dizendo do início dos anos 80, mais precisamente entre 1980 e
1985. Ainda nessa época camisetas de rock não eram nada populares, pelo
contrário, era coisa de marginal.
Qualquer que fosse a banda ou artista, se alguém gostasse do que visse
na camiseta, era nova amizade na certa. Na verdade, nem seria preciso gostar da
camiseta, só de ser rock já era motivo para uma conversa, uma troca de ideia. A
camiseta já mostrava ao menos 50% de sua personalidade.
Em Brasília lembro de uma vez dois headbangers com camiseta do
AC/DC chegarem em mim por causa da
camiseta do Clash que eu usava. Eles estavam passando pela quadra onde eu
estava, sentado em um bloco, viram a camiseta e vieram me mostrar o Never Mind
The Bolocks do Sex Pistols, pois queriam vender o disco. Não comprei, mas os
caras sentaram lá e ficamos conversando, outras pessoas chegaram e os dois
acabaram se tornando amigos.
Em São Paulo, logo que cheguei à cidade, estava eu caminhando pela
Consolação, quando dois office boys me pararam por eu estar usando camiseta do
Dead Kennedys e ter cabelo um pouco longo para usar uma camiseta daquelas rsrs. Trocamos uma ideia, disse que tinha acabado de chegar de
Brasília e eles, por coincidência, conheciam um pessoal de lá. Tudo amigo. Apesar de radicais, me
convidaram para uma festa, e acabamos nos esbarrando em alguns
shows depois dessa conversa.
A camiseta de rock falava por você. Em São Paulo, por exemplo, onde
havia muita rixa entre gangs, se alguém passasse por punks com uma camiseta do
Smiths, por exemplo, estava arriscado a tomar porrada. Se um punk passasse por
headbangers com uma camiseta do Ramones, era briga na certa! Uma pessoa que
usava uma camiseta do David Bowie certamente era bem diferente de uma pessoa
que usasse uma camiseta do Black Sabbath. A conversa seria diferente com cada
uma.
Usar uma camiseta rock era coisa “séria”. Por ela falar muito de você,
não dava pra usar uma camiseta rock só por ser legal, isso era impensável.
Nem era fácil achar boas camisetas de rock fora de SP. Na cidade,
além da galeria do rock, também tinha a loja da Punk Rock Discos, do Fábio
(Olho Seco) e a Stoned... e teve uma época em que as duas ficavam na Rua
Augusta, uma perto da outra.
Nessa época nem era muito comum gostar de rock. Assim como não era
comum ser skatista ou surfista. Nessa primeira metade dos 80 o rock estava
chegando ao mainstream: U2, REM, Echo and the Bunnymen, Smiths, New Order, eram
todas underground, seus discos não eram lançados aqui no Brasil. Eram tempos em
que Clash, Talking Heads, Ramones, PIL, Dead Kennedys estavam em plena
atividade.
Aí, de repente, as coisas começaram a mudar, e antes do final da década
de 80 os sertanejos já estavam usando calças rasgadas e o símbolo tradicional
da anarquia passou a ser usado por qualquer um. Durante os anos 90 outras
particularidades do movimento punk e do rock alternativo se tornaram moda até
que, por fim, algum figurinista ou estilista resolveu colocar camiseta de
bandas em modelos famosas e em integrantes de bandas pop. Hoje até o moicano
foi banalizado e agora é usado por pagodeiro e jogador de futebol.
Cada um é livre pra fazer o que quiser, quem sou eu pra dizer algo,
porém acho deveras ridículo ver menininhas e garotões usando camiseta do
Ramones ou Motorhead a troco de nada. Banalizando uma coisa tão legal. Eu que
ando em transporte público vejo gente que está anos luz distante do universo
rock usando camiseta de Ramones, AC/DC, Iron Maiden e Black Sabbath. Triste.
Vestir esses astros da música pop com esse tipo de camiseta é bom e
ruim ao mesmo tempo. Ruim por ser moda, mas bom porque ao menos, as fãs de 10 a
13 anos, de alguma forma, têm contato com rock.
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