Houve um período muito ruim aqui no Brasil para a cena musical e cultural. Foi um período que durou do Plano Cruzado II até a chegada do Real, mais ou menos entre 1988 e 1994. O pior desse período ocorreu entre os dois últimos anos do Governo Sarney até o fim do Governo Collor.
O incrível desse tempo nebuloso é que dele saíram bons discos, lançados pelas principais bandas do rock brasileiro: Legião, Ira!, Titãs, Lulu Santos, Kid Abelha, Engenheiros, Barão Vermelho, Capital, Ultraje, Cazuza.
Acredito que tenha sido uma coincidência, pois ao mesmo tempo em que o Brasil entrava em uma nova Era, todos esses artistas surgidos para a mídia entre 1982 e 1985, estavam já lançado o quarto ou quinto disco de suas carreiras, portanto, já deixando pra trás a fase adolescente para entrar na fase adulta. Seguir crescendo musicalmente e junto com seu público. Isso é notório em discos como Ideologia (Cazuza), Popsambalanço (Lulu Santos), Ô Blésq Blom (Titãs), Crescendo (Ultraje à Rigor), Plebe Rude III (Plebe Rude), Carnaval (Barão Vermelho), Psicoacústica (Ira!) e As Quatro Estações (Legião Urbana). Você percebe a mudança tanto na parte sonora, quanto no texto.
Uma coisa em comum na maioria desses trabalhos é a preocupação em encaixar, de forma perfeita, a língua portuguesa nas melodias. E a grande sacada para se fazer um bom rock brasileiro está exatamente aí. Qualquer um pode perceber o jeito “abrasileirado” de alguns desses discos que citei. Não estou dizendo isso só por terem influencia de forró, MPB, frevo, ou qualquer outro ritmo brasileiro, mas sim pelo fato de conseguirem casar perfeitamente o português com o rock. O próprio Renato Russo costumava dizer que “escrever em inglês é fácil, quero ver escrever em português”.
Havia a preocupação da letra encaixar na melodia e não ao contrário, como costumam fazer as bandas surgidas nos últimos 10, 15 anos. Não se modificava a acentuação ou corria-se com uma palavra só para ela caber na frase musical. Havia um cuidado e também bastante conhecimento da língua.
Dentro de todo este contexto, há três discos do Paralamas do Sucesso que considero fenomenais, clássicos absolutos. Aos meus olhos trata-se de uma incrível trilogia: Big Bang (1989), Os Grãos (1991) e Severino (1994). O Paralamas já havia mostrado novos caminhos sonoros com Selvagem? e afirmou essa pretensão com Bora Bora. Foi muito além de Police, Madness e English Beat.
Foi também nesse período nebuloso do Brasil que o Paralamas trabalhou melhor o mercado latino, e a partir de Big Bang começou a olhar mais para Argentina, Chile, Uruguai, Peru, México. Nesses três discos a banda experimenta salsa, merenge, dancehall, dub além, claro, do reggae e ska. Sem nunca esquecer da influência do pós-punk.
No Big Bang consolidou-se de vez o naipe de metais e também a importância de João Fera nessa nova sonoridade. Se você prestar atenção verá que o disco tem uma sequencia incrível de ritmos. Começa com salsa, vem rock, depois reggae, uma baladaça seguida de ska, samba, embolada, lambada. E não é que seja tiro para todos os lados. Nada disso. Há uma forte unidade sonora nos três discos. Há também um dos mais belos solos de guitarra do rock brasileiro dessa cena. O que Herbert faz no final de “Lanterna dos Afogados” é digno de troféu.
Dois anos depois a banda lançou Os Grãos, outra porrada na boca do estomago. Em cheio! Até porque a mudança de sonoridade também trouxe uma mudança de comportamento no estúdio. Não sei quanto tempo foi gasto com a gravação e finalização de cada disco, mas o trabalho feito em estúdio é demais. Os timbres, os efeitos, o cuidado com cada instrumento e cada som. Pra mim fica até difícil falar, porque tudo é bom. Já começa com “Tribunal de Bar” que, junto com “Os Grãos” e “Sábado” são três grandes skas. As baladas são ótimas: “Tendo a Lua”, “Vai Valer”, “Ah, Maria” e “Trinta Anos” (não gosto de “A Outra Rota”, ops!). “O Rouxinol e a Rosa” é um ótimo rock. E o que faz todas elas ficarem especiais, é exatamente as experimentações em estúdio. É bom lembrar que Os Grãos foi lançado no auge do Governo Collor, no auge de uma crise que parecia não ter fim.
Passados três anos veio o ápice de toda essa experimentação com Severino. O disco foi gravado em Londres e produzido por Phil Manzanera. Esse eu falei para o Bi que considero o grande trabalho da discografia da banda. Ele também considera Severino um dos melhores do Paralamas. O disco abre com a absurda “Não Me Estrague o Dia” que tem berimbau, viola, reggae, e já mostra o que vem pela frente. Adoro todo o disco que, mais uma vez, usa e abusa (sempre no bom sentido) das experimentações em estúdio.
Além dessa sonoridade, Big Bang, Os Grãos e Severino documentam outras duas coisas: a coragem da banda de apostar em certas experimentações mesmo em um período conturbado (os três discos tiveram vendagens baixíssimas e, se não me engano, Severino foi o que menos vendeu de toda a discografia – ao menos até então), e as letras de temática social, reflexivas que retratam muito bem o período que passava o país. Logo de cara a primeira música do Big Bang é “Perplexo”, assim como em Severino é “Não Me Estrague o Dia”, e teve ‘Cagaço” como música de trabalho.
Tudo isso é casamento perfeito entre composição, texto e produção. Por falar em produção, impossível não citar Carlos Savalla, também responsável por tudo isso. Ele assina Bora Bora, Big Bang, Os Grãos e 9 Luas, e foi importante para a banda porque conseguiu retratar de forma excepcional essa fase do Paralamas.
(Na verdade o Paralamas fez uma quadrilogia. Estes
parênteses são para o Bora Bora, grande disco que poderia muito bem fazer parte
dessa publicação, mas que está fora do contexto sóciopolítico que cito no
texto)
Um comentário:
Que pancadão. O Herbert detona de qualquer jeito. Banda de peso. Compositor de grande quilate.
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